Centro de referência visa promover melhorias nos processos que poderão servir de diferencial de mercado para a carne regional e pautar políticas públicas no estado
Um amplo projeto de pesquisa liderado pela Embrapa Pecuária Sul (RS) vai instituir no Rio Grande do Sul um centro de referência para a avaliação de tecnologias com potencial de mitigar gases de efeito estufa (GEE) da pecuária gaúcha.
Um dos objetivos do projeto intitulado “Avaliação de tecnologias com potencial de mitigar gases de efeito estufa nos campos e florestas nativas e cultivadas do Rio Grande do Sul”, é subsidiar o governo gaúcho na atualização dos inventários de emissão de gases de efeito estufa (GEE) do Estado e na formulação de políticas públicas. Também visa disponibilizar tecnologias validadas para os pecuaristas trabalharem com foco em sustentabilidade.
O trabalho vai avaliar cinco pontos centrais: a genética de reprodutores bovinos de cinco raças quanto à relação da emissão de metano e produção de carne; o potencial de mitigação dos sistemas de integração Lavoura-Pecuária-Floresta com árvores nativas do Rio Grande do Sul; novas dietas para bovinos com capacidade de diminuir a produção de metano entérico no rúmen dos animais; a validação no estado de marcas-conceito já lançadas pela Embrapa, como a Carne Carbono Neutro (CCN), Carne Baixo Carbono (CBC) e Carbono Nativo (CN); assim como a avaliação da carne produzida nesses modelos de produção.
Conforme a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul e líder do projeto, Cristina Genro, será uma oportunidade para avaliar as melhores ferramentas para tornar a pecuária gaúcha cada vez mais sustentável. “Vamos avaliar mecanismos importantes para a mitigação de GEE na pecuária, como o melhoramento genético animal, a suplementação energética com coprodutos regionais e os sistemas ILPF”, explica a pesquisadora.
“Além disso, a validação das marcas-conceito CCN, CBC e CN oferecem uma perspectiva de valorização da carne gaúcha em um mercado que exige produtos de qualidade e produzidos com sustentabilidade”, destaca.
Segundo a pesquisadora, o manejo adequado do pasto pode compensar até 35% a emissão do metano pelos bovinos; a manipulação da fermentação ruminal com o uso de maior nível de proteína e concentrados e o melhoramento da dieta animal mitigam entre 10% e 20%; e o melhoramento genético animal tem um potencial de mitigar até 38% dessas emissões.
“Essas tecnologias, analisadas em um balanço de emissão e fixação de carbono, são capazes de praticamente zerar essa balança”, avalia.
Outras ações
Para apoiar as ações governamentais brasileiras, a Embrapa criou em 2019 a Plataforma Pecuária Baixo Carbono Certificada, cujo objetivo central é reunir marcas-conceito que agem como selos de garantia para a comercialização da carne bovina e seus derivados.
Na plataforma está incluída a Carne Carbono Neutro (CCN), cuja certificação é focada na neutralização do carbono em sistemas com a presença de árvores plantadas (ILPF), a Carne Baixo Carbono (CBC), elaborada para certificar carne produzida em sistemas de integração lavoura-pecuária (ILP) ou em pastagens bem manejadas, sem a presença de árvores, e a Carbono Nativo (CN), cujo objetivo é certificar a carne produzida em pastagens com árvores nativas, nas quais o carbono foi mitigado ou neutralizado por meio da conservação desses componentes florestais.
A validação dessas três marcas-conceito é inédita no Rio Grande do Sul, e terá início com a execução do projeto. De acordo com Cristina, esse é um grande diferencial da pesquisa, que permitirá, futuramente, a certificação da carne produzida no Estado do Rio Grande do Sul com esses selos de sustentabilidade.
Segundo Rodiney de Arruda Mauro, pesquisador da Embrapa Gado de Corte (MS), a ideia é estabelecer um diferencial na produção agropecuária, valorizando modelos produtivos que tenham a capacidade de melhorar o balanço de carbono nos sistemas pecuários, tanto pela minimização da emissão dos animais, como pela fixação do carbono no solo, com pastagens bem manejadas, e com o uso dos componentes florestais.
“A certificação dessas marcas-conceito pela Embrapa é um passo fundamental para a sustentabilidade da pecuária brasileira nos diferentes biomas, pois é possível cientificamente constatar que existem modelos pecuários de produção com capacidade de minimizar ou até neutralizar a emissão de metano”, ressalta.
Na avaliação da secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Marjorie Kauffmann, a pesquisa é importante para obter informações atualizadas sobre as emissões, pois a conexão desses dados com programas de certificação, como CCN, CBC e CN, visa agregar valor à carne gaúcha e manter a sustentabilidade no agronegócio.
“O trabalho será relevante para melhor compreendermos a pecuária do Rio Grande do Sul, gerando avanços na pesquisa de mudanças climáticas em bovinos e colaborando com o Estado para o cumprimento dos compromissos assumidos de redução de emissões de GEE”, diz a secretária.
LEIA TAMBÉM:
→ Pesquisa busca reduzir emissão de gases do efeito estufa
Mitigar emissão de metano através do melhoramento genético de bovinos
A seleção de bovinos que emitem menos metano é uma das estratégias para a mitigação na emissão do gás pela pecuária. Desde 2022, a Embrapa Pecuária Sul desenvolve a Prova de Emissão de Gases (PEG), com o objetivo de identificar, em um mesmo ambiente de produção, jovens reprodutores com menores índices de emissão de metano e que podem ser empregados no melhoramento das raças utilizando a genética na formação de progênies com essa característica.
A PEG é realizada anualmente com animais das raças Hereford, Braford, Angus e Charolês, que também participam da Prova de Eficiência Alimentar. Uma nova raça, a Brangus, também fará parte da prova, com o teste de animais integrantes do rebanho da Embrapa. Com os recursos do projeto vai ser possível ampliar o número de animais testados por ano, passando de cerca de 30 para 100 animais de cada raça.
Esse acréscimo vai propiciar o avanço na formação do banco de dados necessário para lançamento de avaliações genéticas e genômicas mais precisas, possibilitando a seleção de animais que emitam menos metano e que ainda sejam eficientes na conversão do alimento consumido em peso vivo.
“A identificação de animais mais eficientes no uso dos alimentos e que, portanto, emitam menos metano por quilo de alimento consumido, tem grande importância para a cadeia da carne bovina brasileira”, explica Suelen.
Avaliações
Um total de 20 animais dos sistemas CCN e CBC serão avaliados quanto à qualidade da carne. Serão realizadas análises físico-químicas, de ácidos graxos e perfil metabolômico. Também serão obtidos os dados de características de carcaça: peso de carcaça quente, acabamento de gordura, conformação e rendimento de carcaça.
As amostras serão encaminhadas para o Laboratório de Ciência e Tecnologia de Carnes da Embrapa Pecuária Sul, para avaliação de pH final, cor da carne, cor da gordura, teores de umidade, gordura intramuscular (lipídeos), proteína e cinzas, teor de colesterol e perfil de ácidos graxos.
A integração Lavoura-Pecuária-Floresta tem potencial de mitigar as emissões entéricas pelo armazenamento de carbono no solo e na biomassa arbórea. Nesse sentido, será realizado o monitoramento de GEE de sistemas pecuários integrados com agricultura e floresta nativa.
A atividade vai quantificar as emissões do sistema integrado de árvores de eucalipto consorciadas ou não com 10 espécies nativas de árvores cultivadas simultaneamente com a lavoura de soja e a pecuária de corte no inverno. A área experimental foi implantada em 2021 com 13 hectares, na Embrapa Pecuária Sul.
A nutrição dos bovinos tem impacto na produção de metano no trato digestivo dos animais. Pesquisas mostram que pastagens bem manejadas e com oferta adequada de alimentos, aliada ao uso de suplementos naturais, são uma estratégia para diminuir o impacto da pecuária nas emissões de GEE.
Estudo a ser desenvolvido na Embrapa Pecuária Sul vai testar os rejeitos da produção de vinho e suco de uva com o objetivo de reduzir a produção de metano e melhorar a nutrição de bovinos.
Esse subproduto também tem potencial de substituir as fontes de energia mais tradicionais utilizadas nos concentrados fornecidos na alimentação animal, como o milho. Na pesquisa será avaliada também a qualidade do produto para a nutrição, ou seja, a resposta na produção animal.
Na opinião do analista da Embrapa Uva e Vinho (RS), João Carlos Taffarel, as avaliações para identificar o potencial de uso de resíduos da uva para nutrição dos bovinos é um trabalho inovador, de cooperação entre diferentes centros de pesquisa, e que pode dar um melhor destino a subprodutos atualmente sem uso na indústria.
“É o início de uma nova fase no uso de resíduos, de cadeia circular, e de aproveitamento dos resíduos que hoje são um problema para a indústria vitivinícola brasileira”, destaca Taffarel.
Banco de Dados
Uma atividade transversal será a formação de um banco de dados com os resultados de todas as ações de pesquisa realizadas. A gestão das informações do projeto, baseada no modelo relacional (SQL), tem como principal objetivo subsidiar a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado do Rio Grande do Sul (Sema) para a formulação de políticas públicas.
“A Sema é a financiadora desse projeto, portanto, é fundamental ter informações precisas, tanto para atualização dos inventários de emissão de gases de efeito estufa no RS como para a formulação das políticas públicas. A partir da formação desse banco de dados, todas as informações geradas serão compartilhadas com a secretaria”, finaliza.