O ectoparasita causa um prejuízo estimado em 3,24 bilhões de dólares por ano para a bovinocultura brasileira
Um bovino cujas características genéticas façam com que seja menos suscetível ao ataque do carrapato, um ectoparasita externo que pode causar prejuízos na criação de animais nas pecuárias de corte e de leite. Este é o foco de um trabalho realizado por pesquisadores no Estado de Rio Grande do Sul, que analisaram mais de três mil animais das raças Hereford e Bradford, em busca daqueles mais resistentes ao problema.
Realizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com a Associação de Produtores Conexão Delta G e a empresa GenSys, e com o apoio da Associação Brasileira de Hereford e Braford, o trabalho usou ferramentas modernas como a seleção genômica, que utiliza informações de milhares de marcadores moleculares para identificar animais mais resistentes ao ectoparasita.
Hereford e Braford e outras raças
A pesquisa possibilita também, por meio de marcadores, prever a transmissão de genes associados ao mecanismo de resistência que, a partir de uma equação, pode ser aplicada na seleção de animais das mesmas raças. Além das raças Hereford e Braford, o projeto também está avaliando animais Angus e Brangus, em um trabalho que conta com a parceria de associações de criadores de ambas as raças.
Liderado pelo pesquisador da Embrapa Pecuária Sul (RS) Fernando Flores Cardoso, o trabalho resultou na elaboração e publicação de um sumário com indicação dos touros mais resistentes ao carrapato. O documento pode ser considerado como o primeiro do mundo nesta área.
Segundo o especialista, para obter alguns resultados, os touros passaram por genotipagem de marcadores moleculares do tipo Simple Nucleotide Polymorphism (SNP), por intermédio de painéis de alta densidade. Os SNPs podem estar associados a um polimorfismo do gene relacionado a características de difícil mensuração. Paralelamente à genotipagem, foram realizadas até três contagens de carrapatos nos animais.
Os dados, juntamente com informações de pedigree, resultaram na atribuição de valores genômicos, em forma de DEPG (Diferença Esperada na Progênie aprimorada pela Genômica) para resistência ao carrapato. Este indicador prediz com maior precisão a habilidade de transmissão genética de cada animal, conforme a característica buscada pelos pesquisadores.
Perdas no pasto
Coordenado pelo professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Laerte Grisi, com participação da Embrapa Gado de Corte (MS), um estudo mostra que o carrapato causa um prejuízo estimado em 3,24 bilhões de dólares para a pecuária brasileira por ano.
Uma das causas destas perdas é a Tristeza Parasitária Bovina (TPB) acometida por hemoparasitas transmitidos pelo carrapato. Além disto, o parasita provoca perda de peso nos animais, baixa conversão alimentar, redução na produção de leite, perdas na qualidade do couro, toxicoses, lesões de pele que favorecem a ocorrência de miíases e anemia.
Equação
A pesquisa gerou, além do sumário, outro importante resultado: a elaboração de uma equação que pode ser aplicada em outros animais das mesmas raças, que foram inicialmente avaliadas. A equação de predição de valores genéticos é uma ferramenta que possibilita a identificação de animais geneticamente mais resistentes, sem a necessidade de coletar informações sobre a contagem de carrapato — o fenótipo —, ajudando os produtores a selecionar touros reprodutores que tenham mais resistência ao parasita, possibilitando a formação de linhagens menos suscetíveis ao carrapato.
“Essa equação em breve estará disponível para os produtores. A Embrapa está estudando modelos de negócio para disponibilizar no mercado, e será mais uma ferramenta que o pecuarista terá para melhorar seu rebanho”, ressalta Fernando Cardoso.
Novo projeto
Após a finalização deste primeiro trabalho, pesquisadores da área de melhoramento animal e sanidade iniciaram um novo projeto — o Sanigene — que, além de dar continuidade à seleção para reduzir a suscetibilidade dos animais ao carrapato, está aplicando a seleção genômica para avaliar animais resistentes a outros problemas de sanidade que afetam os bovinos. Seu objetivo é buscar, por exemplo, mecanismos de resistência e desenvolver testes genômicos para selecionar bovinos de raças taurinas puras e cruzadas com zebuínos mais resistentes à ceratoconjuntivite, ao carcinoma ocular e à Tristeza Parasitária Bovina. vale destacar que, no último caso, a TPB é causada por agentes transmissores, que são passados aos animais pelo carrapato.
“São doenças que causam muitas perdas econômicas para os produtores, especialmente para quem cria raças taurinas. Mantendo linhagens mais resistentes a estes problemas, é possível aumentar a rentabilidade da pecuária e diminuir a presença de resíduos químicos na carne com a diminuição no uso de medicamentos”, explica Cardoso.
Incidência da TPB
Na região Sul, a incidência da tristeza parasitária bovina (TPB) é maior que em outras do Brasil, principalmente por causa do clima. Isto porque, em temperaturas muito baixas, a população de carrapatos diminui consideravelmente nos campos, fazendo com que abra espaço para uma imunização natural dos bovinos.
“Sem contato com o carrapato, os bovinos não desenvolvem mecanismos de imunidade contra os agentes que causam a doença. Com isto, aumentam os surtos de TPB nos períodos mais quentes, levando à morte vários animais”, explica a pesquisadora da Embrapa Claudia Gulias Gomes.
Ela ainda aponta outro problema: o aumento da resistência dos carrapatos aos antiparasitários disponíveis no mercado. “Há mais de uma década não é lançado um princípio ativo para o combate aos carrapatos. Por seleção natural, sobrevivem os parasitas que não são afetados pelos medicamentos, criando linhagens resistentes aos produtos disponíveis. Relatos sobre a resistência têm crescido nos últimos anos e a tendência é que aumente a população de carrapatos não afetados pelos medicamentos existentes”, alerta Claudia.
Seleção
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, o emprego da seleção genômica para o melhoramento animal é voltado, principalmente, para características econômicas de baixa herdabilidade. A pesquisadora da Embrapa Bruna Sollero explica que as ferramentas tradicionais são eficazes para melhorar aspectos mais facilmente transmitidos pelos pais para seus descendentes.
“Características – como maior ganho de peso, precocidade e crescimento, entre outras – podem ser buscadas com informações disponíveis, como parentesco e avaliações de fenótipos, o que é observado no reprodutor”, afirma Bruna. Por outro lado, ela salienta que a biologia molecular permite atingir ganhos relacionados às questões que não são facilmente identificadas e, por isto, apesar de alta importância produtiva e econômica, não tem sido melhorada pelos processos tradicionais de melhoramento.
Segundo Cardoso, as possibilidades do uso de marcadores moleculares para o melhoramento são muito grandes, especialmente por ser uma tecnologia relativamente nova. Sua utilização foi intensificada após a publicação do sequenciamento genético de bovinos, em 2009. Com isto, a disponibilidade de painéis de Simple Nucleotide Polymorphism (SNP) aumentou e o preço para a aquisição caiu.
Também ocorreu um incremento no número de informações nos painéis, destaca o pesquisador, sendo que hoje existem painéis com mais de um milhão de polimorfismos de base única, que são diferenças encontradas no genoma entre animais e que podem estar relacionadas a determinadas características.
Animais mais produtivos
Além dos avanços na área de sanidade, Cardoso aponta que um dos pontos que estão sendo destacados com a seleção genômica é o desenvolvimento de linhagens de animais mais produtivos, ou seja, com alta eficiência alimentar dos animais, que vão precisar de menos comida e menos tempo no ciclo de produção.
“Um dos efeitos deste tipo de trabalho é diminuir a emissão de metano pelo uso de animais mais eficientes, dando maior sustentabilidade à pecuária nacional”, ressalta o pesquisador. Ele acredita que, além de melhorar a renda do pecuarista e reduzir as emissões de gases de efeito estufa, esta pesquisa ajudará a melhorar a “imagem” da atividade, principalmente no exterior.
Outras vantagens da genômica são maior rapidez no processo de melhoramento genético e mais precisão na escolha de reprodutores que transmitirão a genética desejada. As ferramentas tradicionais de seleção geralmente precisam de duas ou três gerações de animais para surtirem efeito, ressalta o pesquisador da Embrapa, enquanto as novas tecnologias podem apresentar resultados bem mais rápidos, encurtando o intervalo entre gerações, com maiores avanços em cada uma delas.
Fonte: Embrapa Pecuária Sul
com informações de Fernando Goss