Embrapa testa sistema que permite de forma efetiva controlar o carrapato-do-boi sem usar carrapaticidas
Pesquisa liderada pelo médico-veterinário Renato Andreotti, da Embrapa Gado de Corte, nomeada de “Sistema Lone tick”, permite o controle da infestação do carrapato nas pastagens deixando as larvas “solitárias” (lone em inglês) por meio do distanciamento entre parasito e hospedeiro.
Os testes a campo foram realizados, durante um ano, com animais da raça Senepol, e “deixaram a equipe bastante entusiasmada, já que, há tempos, tenta-se, se não acabar, ao menos reduzir, consideravelmente, o problema da infestação de carrapatos nos bovinos”, esclarece o pesquisador da Embrapa.
Segundo ele, as consequências desse problema da pecuária acarretam grandes prejuízos para a produção nacional numa ordem estimada em US$ 3,24 bilhões/ano.
O carrapato-do-boi (Rhipicephalus microplus) causa uma doença conhecida como tristeza parasitaria bovina (TPB) (Babesia bovis, Babesia bigemina e Anaplasma marginale), levando os animais à morte.
“Se o produtor não adota um controle, o prejuízo é certo, por isso, é de suma importância o estudo de controle desse parasito”, explica Andreotti.
Infestação
O cientista da Embrapa ressalta que o nível de infestação do carrapato nos rebanhos varia em função da presença e do grau de raças sensíveis.
“A infestação acarreta decréscimo de peso pela inapetência, irritabilidade do animal, perda de sangue pela espoliação acentuada levando à anemia, lesões no local da picada evoluindo para miíases e lesões posteriores no couro”, salienta.
Ele ainda destaca que “a alta infestação promove instabilidade dos agentes infecciosos responsáveis pela Tristeza Parasitaria Bovina (TPB) levando a surto de mortalidade de animais”.
Dificuldade de controle
Andreotti enfatiza que a maior parte do rebanho brasileiro é composta pelo gado zebuíno (Nelore), colocando o País no cenário dos maiores produtores e exportadores de carne bovina no mercado mundial.
Segundo ele, nas últimas décadas, novas raças bovinas e seus cruzamentos foram introduzidos, gerando animais com maior desempenho produtivo, “porém, com grandes dificuldades no controle do carrapato”.
“Ao não se controlar o carrapato de forma adequada, o ganho de produtividade oferecido pela genética não aparece no resultado da balança, comprometendo, consideravelmente, o investimento”, sublinha o especialista.
Controle ecologicamente correto
Atualmente, o controle estratégico com uso de pesticidas é o método utilizado para conter o carrapato no rebanho bovino. “Porém, esse tratamento se mostra esgotado por causa do desenvolvimento de resistência do carrapato a esses produtos“, salienta o pesquisador.
Andreotti explica ainda que “o uso dos acaricidas, da forma como é aplicada, na maioria das vezes até sem orientação técnica adequada, leva à contaminação dos animais, dos trabalhadores e do ambiente”, alerta.
Resistência é gargalo
O pesquisador ressalta que um dos gargalos para o sucesso do controle estratégico do carrapato com o uso de acaricidas é o surgimento de carrapatos resistentes.
“Essa resistência é resultado da pressão de seleção causada nas populações dos parasitos por causa do tratamento usado para seu controle,” destaca o especialista.
Ele acrescenta, que “o resultado dessa situação potencializa o grande desafio para combater as populações de carrapatos e, também, a inserção de novos métodos de controle”, afirma.
Sistema Lone tick
E foi exatamente pensando em novos métodos de controle que o Sistema Lone tick foi estudado e com resultados bastante positivos. “Vários testes foram realizados com animais a campo e infestação de carrapatos”, informa o pesquisador da Embrapa.
Segundo ele, uma das observações feitas foi de que o Sistema Lone tick corrigiu a carga parasitária no sistema para condições ótimas de controle.
“Isso significa baixa infestação de carrapatos com redução de impacto da ação dos mesmos e manutenção da estabilidade enzoótica para a tristeza parasitária bovina”, esclarece.
Andreotti revela que “durante um ano de observação e monitoramento dos animais, nenhum deles apresentou sintomas para TPB”.
Razão do sucesso
Para o especialista, a razão do sucesso do Sistema Lone tick é que “o carrapato-do-boi completa o ciclo de vida no hospedeiro em 21 dias com o ingurgitamento da fêmea e sua queda ao solo, com consequente postura de 3000 ovos, em média, iniciando, assim, a fase não parasitária. As larvas, então, emergem dos ovos e tornam-se 95% da população de carrapatos no ambiente, sendo a grande fonte de reinfestação para os animais”, destaca o especialista.
Ele explica que essas larvas não são alcançadas diretamente pelos carrapaticidas. “A grande maioria das larvas do carrapato-do-boi não sobrevive no ambiente por mais de 82,6 dias”, salienta o especialista.
Andreotti ressalta que “o Sistema Lone tick oferece, portanto, uma forma de controle nesta fase de vida livre do carrapato, com base na rotação de pastagens e permitindo um tempo de 84 dias das larvas sem contato com o hospedeiro, tempo suficiente para a morte das larvas por inanição”.
Controle estratégico e ecológico
O cientista enfatiza também que “outro fator extremamente importante, juntamente com a manutenção da baixa população de carrapatos, é a ausência do uso de acaricidas respeitando o ambiente – prática obrigatória no controle estratégico – não gerando contaminação por meio de resíduos e, tampouco pressão de seleção pelas bases químicas desses produtos utilizados no tratamento”, orienta.
Para o pesquisador da Embrapa, os resultados mostram que, com base no conhecimento da ecologia e biologia do parasita, é possível controlar de forma ecologicamente correta as populações desta espécie de carrapato, atendendo, assim, uma demanda de mercado internacional, que seria a diminuição do uso de produtos químicos e seus efeitos colaterais.
“A baixa infestação das larvas nas pastagens observada durante os testes levou à baixa manutenção de carrapatos nos bovinos mostrada pela contagem de carrapatos nos animais a cada 28 dias, sendo essa uma situação desejável para a manutenção da estabilidade enzoótica da TPB e mantendo a quantidade de carrapatos abaixo do limiar econômico de no máximo 40 carrapatos/animal” sublinha o especialista.
Segurança sanitária
Na opinião de Andreotti, “a estabilidade da população de carrapatos traz segurança nas condições sanitárias por reduzir o risco de morte dos animais com a TPB e a espoliação com perda de peso e, com isso ampliando a redução do custo da arroba produzida”, resume o pesquisador.