Costumamos associar abelha ao mel, mas esses insetos também produzem cera, própolis e são úteis na polinização
Estudos recentes mostram que as abelhas também desenvolveram a capacidade de controlar parasitas que as infestam, através de um sofisticado processo, que inicia com a obtenção de determinadas substâncias presentes no néctar de plantas específicas. Posteriormente, elas são processadas no aparelho digestivo ou com o auxílio do microbioma intestinal das abelhas, para produzir substâncias bioativas e úteis. O relato é do engenheiro agrônomo, Décio Luiz Gazzoni, pesquisador da Embrapa e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS).
Segundo o pesquisador, entre as ameaças enfrentadas pelos polinizadores – que se encontram em declínio no mundo – estão os problemas sanitários, como predadores, parasitas ou doenças. “Esses agentes deletérios à saúde das abelhas podem ser introduzidos e disseminados pelas rotas comerciais globais e se espalhar de colônias de abelhas manejadas para polinizadores selvagens”, afirma. “Seus efeitos sobre as abelhas são agravados por outros fatores de estresse aos quais as colônias são submetidas.”
Conforme explica, os animais, inclusos os polinizadores, têm diversos microbiomas em seus intestinos, ou que são encontrados no ambiente em que nidificam. Essas comunidades de microrganismos podem ser importantes para a saúde dos polinizadores, por exemplo, defendendo-os contra doenças ou produzindo nutrientes importantes.
“A compreensão de sua importância funcional, além das contribuições e interações de espécies do microbioma, podem fornecer informações importantes para a preservação dos polinizadores. Colônias de abelhas podem ser mantidas por meio de novos probióticos, ou microbiomas saudáveis podem ser favorecidos com o forrageamento em plantas com néctar ou pólen contendo substâncias que estimulam a melhoria dos microbiomas”, detalha.
Ativação de compostos
De acordo com Gazzoni, em artigo publicado neste mês de maio, a equipe de pesquisadores liderada pelo Dr. Hauke Koch (Universidade de Kew), em parceria com o professor Mark Brown (Universidade de Londres), iniciou seus estudos coletando amostras de néctar e pólen de tílias e medronheiros no Jardim Botânico Kew Gardens.
O principal objetivo das pesquisas era descobrir quais substâncias químicas estavam envolvidas com atividades antiparasitárias, protegendo as abelhas do parasita Crithidia bombi, uma espécie de tripanosoma que diminui a fertilidade da rainha e afeta a sobrevivência das colônias de abelhas. “Os pesquisadores descobriram que dois compostos, encontrados naturalmente nos néctares dessas espécies, são ativados isoladamente pelo sistema digestivo das abelhas, pelo seu microbioma intestinal ou por uma ação conjunta de ambos (http://bitly.ws/qDet)”, conta.
O primeiro composto analisado pela equipe, denominado unedona, foi encontrado no néctar de Arbutus unedo, árvore da região mediterrânea e do Reino Unido, sendo conhecida em Portugal como medronheiro. Suas flores, ricas em néctar e pólen, são uma fonte de alimento importante para as abelhas no outono. A partir desse néctar, as abelhas produzem um mel de sabor amargo, que é apreciado na Europa.
Segundo o pesquisador, a unedona foi testada em indivíduos de C. bombi criados em laboratório, bem como em abelhas. Os pesquisadores alimentaram as abelhas com uma mistura de xarope de açúcar e pólen por duas semanas e. depois, foram realizadas análises de laboratório para verificar a presença de parasitas. Em razão da baixa incidência de parasitismo nas abelhas, novo teste foi efetuado, com um grupo de abelhas recebendo apenas xarope de açúcar e outro o xarope adicionado de unedo na.
“Veio, então, uma descoberta muito interessante. unidona inibe infecções por C. bombi somente após interagir com o microbioma, pois os processos metabólicos iniciais no intestino médio das abelhas inativam seu efeito antiparasitário”, informa.
O segundo composto estudado pelos pesquisadores foi a tiliasida, extraída do néctar da tília (Tilia sp.). “Ao contrário do que ocorreu com a unedona, a tiliasida é ativada pelos processos digestivos das abelhas. Ambos os compostos foram apresentados como evidência dos benefícios que alimentos e microbiomas possuem para proteger e fortalecer a saúde dos polinizadores, tanto para os indivíduos quanto para suas comunidades e para as comunidades vizinhas”, esclarece.
Diante dessas constatações, Décio avalia que essas descobertas significam um avanço no conhecimento científico, permitindo aprimorar as técnicas de manejo de abelhas, ou propiciar condições para abelhas silvestres, permitindo manter sob controle infecções de origem parasitária, melhorando a capacidade de sobrevivência dos polinizadores.
Diferença entre par e ímpar
Para demonstrar que as abelhas entendem a diferença entre par e ímpar, os pesquisadores colocaram cartões com diferentes quantidades de formas geométricas (triângulos, quadrados, círculos) ao lado dos alimentadores. Um conjunto de abelhas foi treinado para associar 2, 4, 6 e 8 formas com água açucarada, que é muito apreciada, e 1, 3, 5 e 7 com quinino, que esses insetos odeiam. Para um segundo grupo, foi ensinado o contrário, ímpares com água açucarada e pares com quinino. (Veja detalhes em http://bitly.ws/qDhw)
Uma vez que as abelhas demonstraram sua capacidade de escolher o número adequado, associado ao comedor com água açucarada, elas foram confrontadas com a escolha entre comedouros marcados com 11 e 12 formas. Acontece que as abelhas nunca tinham sido expostas a cartões com nenhum desses dois números de formas, pois, no treinamento, as quantidades chegavam, no máximo, a 7 ou 8.
No entanto, aquelas que foram ensinadas a associar números pares com recompensa (água açucarada) voaram, predominantemente, para o alimentador de 12 formas, enquanto aquelas treinadas a preferir números ímpares escolheram o alimentador que continha 11 formas. A taxa de sucesso das escolhas foi superior a 70%, o que conferiu segurança para afirmar que a diferença era real e não devida ao acaso, de acordo com o devido tratamento estatístico.
Biodiversidade ambiental
As abelhas são importantes para a preservação ambiental, manutenção da diversidade biológica e sucesso da agricultura, uma vez que correspondem a 40% dos agentes polinizadores.
De acordo com a Embrapa, o serviço realizado pelas abelhas diminui o isolamento reprodutivo e aumenta a biodiversidade ambiental. Na produção agrícola, alas respondem pela polinização de 73% das espécies cultivadas no mundo. No Brasil, estima-se que cerca de um terço das espécies de Meliponina esteja em risco.