Coletores de sementes restauram o bioma, que é considerado a savana mais rica do mundo, e resgatam tradições das populações da região dos “Gerais”, no Estado de Minas
“Berço das águas” ou “caixa d’água do Brasil”. Assim é conhecido o Cerrado, bioma que abriga oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras e abastece seis das oito grandes bacias do País. Com mais de 50% de seu território original devastado, o Cerrado e suas comunidades lutam para a preservação da biodiversidade, considerada a savana do mundo mais rica em espécies.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Nascentes Geraizeiras, da região do Alto Rio Pardo, norte de Minas Gerais, é um exemplo do que vem sendo feito para a recuperação do Cerrado.
O território é uma das áreas atendidas pelo projeto Bem Diverso, fruto da parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com recursos do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF).
O Alto Rio Pardo
Os povos tradicionais que habitam os 11 Estados brasileiros cobertos pelo Cerrado – 24% do território nacional – são os verdadeiros conhecedores e guardiões do patrimônio ecológico e cultural da região.
O território Alto Rio Pardo é composto por 15 municípios: Berizal, Curral de Dentro, Fruta de Leite, Indaiabira, Montezuma, Ninheira, Novorizonte, Rio Pardo de Minas, Rubelita, Salinas, Santa Cruz de Salinas, Santo Antônio do Retiro, São João do Paraíso, Taiobeiras e Vargem Grande do Rio Pardo.
Essas áreas foram comprometidas, ao longo dos anos, por atividades florestais não sustentáveis, principalmente a monocultura do eucalipto e a mineração de quartzo. Na RDS, há um grupo de coletores de sementes nativas do Cerrado utilizadas para restauração de áreas degradadas.
A coleta impulsiona a restauração dessas áreas ao disseminar sementes que, devido à competição, poderiam não conseguir germinar. “A coleta ajuda o processo que a natureza não faria sozinha”, explica Nondas Silva, consultor técnico do projeto.
“Paralelamente, você gera renda para as populações locais, que tradicionalmente dependem do Cerrado, como extrativistas de frutos, por exemplo. Assim, a gente combina recuperação das áreas e valorização da cultura”, completa.
O pequizeiro
O pequizeiro é um dos maiores símbolos do Cerrado. A árvore dá frutos que são conhecidos como pequi, e dependendo da região, seus nomes podem variar para piquiá-bravo, amêndoa-de-espinho, grão-de-cavalo, pequiá, pequiá-pedra, pequirim, suari e piquiá. O seu cheiro e gosto marcantes simbolizam toda uma cultura de populações tradicionais do Cerrado que têm nesse fruto sua base alimentar e, ainda, uma importante fonte de renda advinda do extrativismo sustentável.
O pequi é símbolo da cultura e culinária dos povos do Cerrado brasileiro. É muito apreciado em diversos estados, destacando-se pratos como o arroz de pequi, a galinhada com pequi, ou simplesmente cozido, sem misturas. Da polpa é possível fazer a extração do óleo, utilizado para diversos fins.
“Há também uma variedade de receitas que usam o pequi para produção de geleias, doces, licores, cremes, sorvetes, farofas e pamonhas. Muitas comunidades também utilizam a fruta para produção de rações destinadas a porcos e galinhas. A amêndoa do caroço de pequi também é usada para extração de óleo e ainda pode ser consumida de diversas outras formas”, afirma o estudo.
Restauração
O processo de restauração por semeadura é uma técnica relativamente recente. Antes, a restauração era feita, principalmente, por meio de mudas. Esse processo apresentava várias dificuldades, que vão desde o custo até a disponibilidade das mudas.
Já a semeadura direta tem baixo custo, pois não demanda o investimento em mão de obra, viveiros, irrigação etc. É preciso apenas a disponibilidade de coletores que conheçam e identifiquem os diferentes tipos de sementes e local para seu armazenamento adequado até o plantio. Com isso, empresas com passivo ambiental têm incentivo ainda maior para o cumprimento da legislação e, restaurando o Cerrado, reduzir seu passivo.
Outro benefício da semeadura é amplitude da diversidade de espécies e o adensamento da restauração, muito menores com o uso de mudas. Além disso, os recursos da venda de sementes, distribuídos para as famílias de coletores de sementes do Cerrado, passam a inserir o jovem na comercialização, incentivando suas capacidades empreendedoras, ao mesmo tempo em que fortalece suas raízes com o território e seus laços com as tradições geraizeiras.
Geraizeiros
Os geraizeiros habitam os chamados “Gerais”, região de chapadas do Cerrado norte-mineiro que cobre boa parte do Território Alto Rio Pardo. Esse grupo tem forte ligação com a terra, manejando-a há séculos no extrativismo de produtos do Cerrado e na criação, à solta, de animais nas terras comunais das chapadas e suas encostas e no estabelecimento de roças, quintais e currais nas áreas de baixadas onde constroem suas moradas.
Essas populações são caracterizadas pela estreita relação de parentesco e colaboração mútua entre seus povoados, realizando trocas de plantas e de conhecimentos associados à natureza e à vida geraizeira. Eles ainda mantêm relações históricas de comércio e trocas com os catingueiros, localizados na Baixada São Franciscana e com as comunidades tradicionais do Vale do Jequitinhonha.
Os coletores e restauradores do Cerrado da RDS Nascentes Geraizeiras estão baseados nos cerca de 38.177 hectares dos municípios de Montezuma, Rio Pardo de Minas e Vargem Grande do Rio Pardo, que compõem a reserva.
A área começou a ser delimitada em 2017 de forma a favorecer a proteção e a conservação dos recursos naturais utilizados por mais de 20 comunidades tradicionais que praticam o extrativismo sustentável para segurança alimentar e geração de renda.