Polinização adequada pode aumentar a produção e a qualidade em culturas de frutas, castanhas, oleaginosas e fibras
Áreas com Sistemas Agroflorestais (SAFs) biodiversos e agroecológicos podem contribuir para a conservação das abelhas sem ferrão, de acordo com estudos científicos coordenados pelo Núcleo de Agroecologia, da Unidade Meio Ambiente (SP) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Compostos de vegetação arbórea e lavouras comerciais, esses sistemas ajudam a manter a diversidade de insetos polinizadores, apresentando-se como alternativas para a integração entre produção agrícola e conservação da biodiversidade. Além da preservação desses importantes insetos, levando em conta a necessidade de preservar a fauna e a flora, a presença deles é fundamental para a produtividade das lavouras.
Bióloga, mestre e doutora em Ciências, a pesquisadora do Núcleo de Agroecologia Katia Sampaio Malagoli Braga afirma: “uma polinização adequada pode aumentar a produção e a qualidade em culturas de frutas, castanhas, oleaginosas e fibras”.
No Brasil, em um trabalho recente, foram analisadas 141 culturas e dentre elas, foram identificadas 85 como “dependentes dos polinizadores”. A contribuição econômica desses animais totalizou quase 30% (aproximadamente 12 bilhões de dólares) do valor total da produção agrícola anual dessas culturas, somando quase 45 bilhões de dólares”, informa a especialista.
Maior qualidade da fruta
Katia ressalta que em certas culturas, como no morangueiro, os visitantes florais promovem maior qualidade da fruta: “Esse é um benefício indireto e nem sempre fácil de medir, mas extrema importância para o mercado agrícola”.
Outro aspecto importante destacado pela cientista é que os polinizadores estão fortemente relacionados à qualidade nutricional das populações humanas. Isso porque diversas vitaminas e sais minerais que o corpo necessita estão presentes em frutas, por exemplo, que dependem da polinização por abelhas em sua produção comercial tais como: abacate, acerola, goiaba, kiwi, lichia, maçã, maracujá, melão e morango.
A pesquisa
Com as floradas ao longo do ano, a bióloga conta que os resultados iniciais podem prever o aumento do percentual de espécies arbóreas visitadas pelas abelhas sem ferrão, nos Sistemas Agroflorestais (SAFs), será elevado.
Para a cientista, as informações levantadas são de grande importância, “uma vez que há pouco conhecimento sobre a relação entre essas abelhas e os SAFs”.
Das 92 espécies de árvores já identificadas nos quatro Sistemas Agroflorestais biodiversos do Sítio Agroecológico da Embrapa Meio Ambiente, localizado em Jaguariúna (SP), verificou-se que 42 delas (46%) são visitadas por abelhas sem ferrão e, dentre elas, 38% pertencem à família Fabaceae, que apresentou maior riqueza de espécies na área de estudo (38 espécies). Das 28 famílias botânicas registradas até o momento para esses SAFs, as abelhas sem ferrão são visitantes florais em 17 delas (61%).
Forrageamento
Essas abelhas apresentam hábitos generalistas de forrageamento (ato de coletar alimentos), obtendo néctar e pólen em diversas espécies de plantas de famílias variadas, embora explorem com maior intensidade uma gama menor de espécies.
“Nas florestas tropicais úmidas, essas abelhas, que pertencem à tribo Meliponini (Hymenoptera: Apidae), constituem o grupo de insetos generalistas mais bem-sucedido, com grande abundância e riqueza de espécies”, explica Kátia.
Comparando os SAFs biodiversos com lavouras em sistemas pouco diversos (monocultivos e consórcios, incluindo a integração Lavoura-Pecuária-Floresta), o pesquisador e biólogo da Embrapa Meio-Norte (PI) Ricardo Costa Rodrigues de Camargo explica que esses SAFs, por propiciarem maior diversidade biológica por área, com diversos estratos ocupados por diferentes espécies (ervas, arbustos e árvores), oferecem maior diversidade de recursos para o abrigo e a alimentação da fauna, no tempo e no espaço.
Segundo ele, isso atrai e contribui para manter populações maiores e mais diversas de abelhas. E como a abundância e a diversidade de polinizadores influenciam a produtividade das lavouras, ao manter mais abelhas, os SAFs biodiversos podem contribuir com um melhor desempenho dos cultivos a ele associados ou mesmo existentes em seu entorno.
Monitoramento
Desde janeiro de 2017, para avaliar o potencial dos Sistemas Agroflorestais como alternativa para a conservação da diversidade de abelhas, as espécies que visitam as árvores em floração, nos SAFs biodiversos e agroecológicos da Embrapa Meio Ambiente, vêm sendo monitoradas.
Amostras de pólen dessas árvores são armazenadas para posterior avaliação da dieta das abelhas sem ferrão, criadas racionalmente no local.
Solo e árvores para as abelhas
Mesmo considerando que fragmentos florestais possam existir próximos aos sistemas de cultivo, a capa cidade de essas áreas abrigarem uma diversidade de abelhas e, com isso, oferecer um serviço de polinização adequado, dependerá do seu tamanho e distribuição no espaço, bem como do seu estado de conservação.
Ao longo do tempo, os SAFs biodiversos disponibilizam locais para o abrigo de vároias espécies de polinizadores, tanto pela oferta de um solo menos manejado, considerando que inúmeras espécies de abelhas fazem seus ninhos no solo, quanto pela presença do elemento arbóreo no próprio sistema, pois outras espécies fazem ninhos nos troncos.
“É preciso considerar ainda que algumas culturas podem oferecer apenas um tipo de recurso ao seu polinizador principal e em um dado período de tempo (período de floração). Isso ocorre, por exemplo, no maracujazeiro com as mamangavas (abelhas solitárias), que coletam apenas néctar (fonte de energia) em suas flores”, salienta o pesquisador Ricardo Costa.
Camargo continua explicando que, dessa forma, “a presença de outras espécies vegetais, que ofereçam abrigo e outros recursos ao longo do tempo, como o pólen (fonte de proteínas), nas proximidades das áreas de cultivo, serão fundamentais para garantir a manutenção das populações de mamangavas”.
Sistemas mais integrados
Para o cientista da Embrapa Meio Norte, esse cenário reforça a necessidade de desenvolver sistemas agrícolas mais integrados e biodiversos, assim como manter as áreas naturais nas proximidades dos espaços de cultivo, principalmente, devido à importância da diversidade biológica para a produção de alimentos.
Na Floresta da Cantareira, em São Paulo, – um fragmento da Floresta Tropical Atlântica –, as abelhas sem ferrão exploraram 73% das 96 espécies de plantas lá presentes. Esses pequenos insetos, também conhecidos como meliponíneos, representaram cerca de 70% de todas as abelhas em atividade nas flores das árvores.
As 40 espécies de árvores nativas visitadas pelas abelhas sem ferrão, nos SAFs da Embrapa Meio Ambiente, estão presentes no Bioma Mata Atlântica, reforçando a estreita relação evolutiva e ecológica existente entre elas e as árvores desse bioma. Dessas 43 espécies arbóreas, 58,1% são indicadas para a restauração ecológica no Estado de São Paulo.
Declínio mundial
Nos últimos anos, os temas “abelhas, polinização e a relação desses polinizadores com a agricultura” têm merecido destaque nacional e internacional, principalmente devido ao declínio mundial na diversidade e abundância de abelhas.
“Não é à toa que o assunto foi escolhido para o primeiro relatório de avaliação da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES)”, informa a pesquisadora Katia Braga.
Ela afirma que, por isso, os pesquisadores consideram o conhecimento sobre a criação e a conservação, das abelhas, tanto das sociais nativas do Brasil quanto das solitárias, uma demanda fundamental para a manutenção da produtividade nos agroecossistemas, bem como para a conservação da biodiversidade nos ecossistemas naturais, uma vez que muitas das plantas cultivadas e nativas dependem desses insetos para sua reprodução.
Fonte: Embrapa Meio Ambiente