As variações do clima tornam o ambiente mais propício para a proliferação da dengue e de outras doenças infecciosas que afetam mais as crianças, no Brasil. O impacto da poluição do ar piorará, considerando que o fornecimento de energia derivada do carvão triplicou no País, nos últimos 40 anos
Uma criança nascida hoje terá prejuízos ao longo de toda a vida, caso o ritmo de emissão de carbono continue nos níveis atuais. Com sistema imunológico ainda em desenvolvimento, elas são mais vulneráveis aos impactos ambientais, segundo mostra o estudo Countdown on Health and Climate Change 2019 (Contagem Regressiva sobre Saúde e Mudanças Climáticas), lançado no dia 13 de novembro e publicado na revista científica The Lancet,
De acordo com o documento, que foi elaborado por 120 especialistas de diferentes países, ninguém tem dúvida de que as mudanças climáticas trazem consequências catastróficas para o meio ambiente. No entanto, faz esse alerta relacionado à saúde das crianças.
O estudo também teve a colaboração de pesquisadores brasileiros: da Universidade de São Paulo (USP), são coautores o professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina (FMUSP); e Carlos Nobre, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) e pesquisador do Instituto de Ciências Avançadas (IEA) da USP. A notícia foi publicada no Jornal da USP.
Cenário do Brasil
O documento, além do relatório geral, também levanta dados específicos de alguns países, conforme o impacto para cada região. No caso do Brasil, as mudanças climáticas tornam o ambiente mais propício para a proliferação da dengue e de outras doenças infecciosas que afetam mais as crianças. Desde os anos 1950, os mosquitos têm aumentada em 11% sua capacidade de transmitir dengue no País.
Outro efeito diz respeito à alimentação: com a elevação da temperatura média do planeta, a produção agrícola é diretamente atingida. No Brasil, o potencial médio de produtividade da soja caiu mais de 6% desde a década de 60. Dessa forma, os bebês de hoje estarão mais vulneráveis, no futuro, ao aumento do preço dos alimentos e à desnutrição.
Na fase da adolescência, o impacto da poluição do ar piorará. Isso porque, por exemplo, o fornecimento de energia derivada do carvão triplicou no Brasil, nos últimos 40 anos, e os níveis perigosos de poluição atmosférica ao ar livre contribuíram para 24 mil mortes prematuras, em 2016.
Eventos climáticos extremos, como enchentes e tufões, se intensificarão na idade adulta de quem nasce hoje. No Brasil, 1,6 milhão de pessoas foram expostas a incêndios florestais entre os anos de 2001 e 2004.
Em todo o mundo, houve um aumento recorde de 220 milhões de pessoas acima de 65 anos expostas a ondas de calor em 2018, em comparação ao ano 2000. Em relação a 2017, a alta foi de 63 milhões.
Perspectivas
Para que uma criança nascida hoje cresça em um mundo que atingirá emissões zero até seu 31º aniversário, em 2050, é preciso seguir as diretrizes do Acordo de Paris e limitar o aquecimento a um nível bem abaixo de 2°C. Na avaliação dos autores, só isso pode garantir um futuro mais saudável para as próximas gerações.
Na opinião do professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o relatório é importante, porque destaca as consequências diretas para o ser humano, chamando maior atenção da sociedade e das lideranças políticas para a necessidade de políticas ambientais mais efetivas.
“É possível divergir do ponto de vista político e econômico, mas existem poucos argumentos para se contrapor à saúde”, ressalta.
Ele explica que existe uma diferença entre gases de efeito estufa (GEEs), como metano e gás carbônico, e os chamados “poluentes locais”, como monóxido de carbono, fuligem, hidrocarbonetos e outros. Os GEEs têm baixa toxicidade local, mas longa permanência na atmosfera, e por isso influenciam no aquecimento global. Já os poluentes locais têm curta permanência na atmosfera, mas causam efeitos diretos à saúde.
Gastos com saúde
A questão central, aponta Saldiva, é que tanto os GEEs quanto os poluentes locais têm a mesma origem de emissão. Um dos principais argumentos levantados para barrar a adoção de políticas que combatam as mudanças climáticas é o ônus financeiro que elas trazem.
Apesar disso, quando são estimados o custos dos problemas de saúde causados pela poluição, para o professor da USP, fica evidente que a economia também seria beneficiada por políticas favoráveis ao meio ambiente.
“Os benefícios da redução dos poluentes locais são imediatos e ao mesmo combatem o aquecimento global. Ou seja, o que é mais sustentável também é mais saudável”, diz o acadêmico.
Dentre as principais recomendações feitas no estudo “Contagem Regressiva sobre Saúde e Mudanças Climáticas” estão o investimento em transporte público de baixa emissão de carbono, migração para fontes de energia sustentáveis e uso de biocombustível, recomposição das áreas verdes no espaço urbano e, sobretudo, o comprometimento com as metas firmadas no Acordo de Paris.
Situação no mundo
Condições ambientais prejudiciais à saúde são responsáveis pela morte de 12,6 milhões de pessoas por ano. O número equivale a quase um quarto de todas as mortes registradas anualmente no mundo, segundo uma pesquisa de 2016, publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com a agência internacional vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), pesquisas revelaram que a poluição do ar, das águas, do solo, a exposição a substâncias químicas, a radiação ultravioleta e as mudanças climáticas contribuem para o desenvolvimento de mais de cem doenças.
Em seu levantamento, a OMS aponta que riscos associados ao meio ambiente provocam um maior número de vítimas em determinadas faixas etárias: crianças com menos de cinco anos que são vítimas, principalmente, de infecções respiratórias e diarreias.
Adultos mais velhos, na faixa etária dos 50 aos 75 anos, são os mais afetados pelas doenças não transmissíveis, como derrames, ataques cardíacos, cânceres e síndromes respiratórias crônicas.
De acordo com o estudo, o gerenciamento adequado da natureza poderia evitar 1,7 milhão de mortes de crianças e 4,9 milhões de óbitos entre os adultos na faixa de idade indicada.
Doenças não transmissíveis
Os problemas de saúde não transmissíveis, causadas por condições ambientais pouco saudáveis, representam quase dois terços do total de mortes (8,2 milhões).
Segundo dados coletados pela ONU, as doenças cardiovasculares são as principais causas de óbitos relacionados ao meio ambiente: derrames matam 2,5 milhões de indivíduos por ano e doenças arteriais coronarianas, 2,3 milhões.
Já os diferentes tipos de câncer atingem, de forma fatal, 1,7 milhão de pessoas anualmente. Esse número é o mesmo de vítimas de acidentes de trânsito em estradas, categorizados pela OMS como “danos não intencionais” associados ao ambiente em que se vive.
Ao mesmo tempo, as mortes por doenças infecciosas, como diarreia e malária, associadas frequentemente à falta de saneamento e água potável, registraram uma queda nos últimos dez anos, em função do aumento do acesso a serviços básicos e a imunização, remédios e métodos preventivos.
Fontes: Jornal USP e ONU
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