Temperatura média no Sudeste do Brasil tem aumentado nas últimas décadas, fato que contribui para elevar a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos, como inundações, secas e ondas de calor
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) tem afirmado há anos que, em escala global, o aumento da temperatura média observado no último século está relacionado com o crescimento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. E tudo isso é resultado das ações humanas.
De acordo com publicação da Agência de Notícias da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em uma escala regional, a exemplo da Região Sudeste do Brasil, ainda há muita incerteza em relação às causas. Segundo especialistas, fatores como urbanização e mudanças no uso da terra para agropecuária, por exemplo, também podem ter impactos significativos na temperatura local.
Agora, um grupo de pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e da Universidade de Edimburgo, do Reino Unido, conseguiu obter um indício contundente: o aumento detectado de 1,1º C na temperatura do Sudeste brasileiro, entre os anos de 1955 e 2004, se deve principalmente à emissão de gases de efeito estufa (GEEs).
Os resultados do estudo, que recebeu o apoio da Fapesp, foram publicados na revista Geophysical Research Letters. O projeto integra o Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Observações climáticas
As conclusões se baseiam em observações climáticas da superfície e em 34 simulações da temperatura no Sudeste do Brasil nas últimas décadas, obtidas de modelos climáticos do Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados, Fase 5 (CMIPC5), usado pelo IPCC.
Os dados citados foram submetidos a um método estatístico de detecção e atribuição de impacto de mudanças climáticas, proposto em 2017 por cientistas franceses e canadenses.
“Esse método de atribuição, aplicado no Sudeste, utiliza informações da resposta dos modelos climáticos a variações da temperatura por causas naturais, pelos aerossóis ou pelo efeito estufa separadamente”, comenta Humberto Ribeiro da Rocha, professor do IAG-USP e coordenador do projeto, em entrevista à Agência Fapesp.
Uma vez detectada alguma variação de temperatura, é comparada a contribuição das diferentes causas, como as naturais, incluídas as incertezas envolvidas. Entre as causas naturais destacam-se a variabilidade da radiação solar que chega à Terra e os efeitos de atividades vulcânicas.
“Esses fenômenos naturais controlam os climas regionais. Além disso, todo o sistema climático está se reorganizando em razão do aquecimento global. O oceano é um grande exemplo, que eventualmente se aquece muito em episódios sobre determinadas regiões do planeta, o que afeta os climas regionais de forma diferente em um continente extenso como a América do Sul”, explica Rocha.
Método
Conforme a Agência Fapesp, o método de atribuição incorpora as incertezas estatísticas amostrais, a variabilidade interna dos modelos e as observações de superfície, para prover margem de confiança ao resultado.
Os resultados indicaram que o aumento das concentrações de gases de efeito estufa contribuíram substancialmente para o aumento de 1,1º C na temperatura da região detectada no período de 1955 a 2004.
Os cálculos foram feitos pelo meteorologista Rafael Cesário de Abreu, durante seu doutorado no IAG-USP (ainda em andamento), sob orientação de Rocha.
“Essa constatação corrobora a hipótese de que mudanças na temperatura estão em curso e controlando fortemente a escala regional do Sudeste, seguindo uma tendência global”, relata Rocha.
Faltam estudos regionais
De acordo com o pesquisador, outros estudos de detecção de aquecimento de longo prazo foram feitos no Brasil, mas não havia um resultado de atribuição em escala regional, como esse do Sudeste, com resultados mais contundentes e que incorporassem incertezas e distinguissem causas diferentes.
No mundo, no entanto, há poucos estudos regionais de detecção e atribuição de causas de mudanças climáticas induzidas pelo efeito estufa antropogênico.
Os estudos anteriores foram feitos para sub-regiões na China, Canadá e Inglaterra, baseados em métodos estatísticos semelhantes ao utilizado no Sudeste.
Segundo a Agência Fapesp, essa região do País é especialmente vulnerável às mudanças climáticas, uma vez que abriga mais de 40% da população brasileira e é responsável por 50% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, com uma ampla gama de atividades econômicas, ressaltam os autores do estudo.
“Em comum, esses estudos mostram que a indicação do IPCC de que a temperatura média global aumentou 0,85 ºC entre 1880 e 2012 não se aplica regionalmente e, principalmente, em estudos locais, como de cidades”, afirma Rocha.
São Paulo: o pior cenário
Em São Paulo, por exemplo, já se notou um aumento de temperatura de, aproximadamente, 3º C entre 1940 e 2010, e não se pode afirmar categoricamente se foi causado predominantemente pelo efeito estufa, ressalvou o pesquisador.
“Na área rural, há outros fatores que influenciam. O desmatamento de florestas e cerrados também pode explicar aumento de temperatura, mas confinado em efeitos de escala local, que, por sua vez, não são geralmente diagnosticados pelos modelos do CMIP5/IPCC”, afirmou.
O artigo Attribution of detected temperature trends in Southeast Brazil (DOI: 10.1029/2019GL083003), de R. C. de Abreu, S. F. B. Tett, A. Schurer e H. R. Rocha, pode ser lido na revista Geophysical Research Letters em agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2019GL083003.