O extrativismo é uma alternativa para o uso sustentável das florestas e uma importante atividade geradora de renda, principalmente para as parcelas mais pobres da Amazônia. Concilia a preservação da floresta e a subsistência econômica de milhares de produtores, porém requer boas práticas para garantir a qualidade do produto
Reduzir o desflorestamento da Amazônia tem sido uma das metas de pesquisadores brasileiros envolvidos, nas últimas décadas, com a sustentabilidade ambiental, especialmente do habitat de maior biodiversidade do planeta, um regulador do clima local e regional, além de fornecedor de produtos florestais madeireiros e não madeireiros.
Um dos focos tem sido o uso sustentável dessa área verde pelo extrativismo, conciliando a valorização da floresta em pé, a conservação dos ecossistemas florestais e o sustento de milhares de produtores rurais, que são economicamente dependentes desses recursos. Normalmente, essas pessoas representam as parcelas mais pobres da população daquela região.
Após o declínio do extrativismo da borracha, a partir do ano de 1800, a castanha-do-brasil (ainda mais conhecida como castanha-do-pará) tornou-se o principal produto extrativista do Norte do País. Apesar desse longo histórico de extração, pouco se conhece sobre sua real importância socioeconômica, causas e magnitudes das variações de produção, em diferentes localidades da Amazônia, diversidade genética e manejo em populações naturais.
Políticas públicas
Entre os entraves existentes para o desenvolvimento da atividade, estão o baixo nível tecnológico no processo produtivo da castanha-do-brasil, o pequeno poder de barganha por parte dos produtores, a inexistência de índices técnicos e socioeconômicos para a atividade, e a falta de políticas públicas de proteção e de fomento ao setor.
Ainda prevalece a inexistência de informações científicas locais, que possibilitem sua implementação, e a regulamentação de planos de manejo para a extração em florestas nativas.
Pensando nisso, foi desenvolvido o projeto de pesquisa “Manejo, pós-colheita e diversidade genética da castanheira-do-brasil em floresta nativa do Mato Grosso” pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Agrossilvipastoril, em parceria com o grupo Dal Pai, Prefeitura de Itaúba (MT) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“O objetivo desse trabalho é gerar informações e tecnologias para subsidiar a conservação da castanheira-do-brasil, a elaboração, execução e o controle de planos de manejo florestal, além das boas práticas para o manejo de frutos e sementes”, aponta a estatal.
Segundo a Empresa, apesar do destaque dos produtos que vêm da Amazônia, são poucos os dados concretos que explicitem a importância socioeconômica do extrativismo da castanha-do-brasil naquela região.
“Isso se constitui em um entrave na orientação e fortalecimento de políticas públicas que visem ao desenvolvimento e à proteção do setor. Para isso, é fundamental o conhecimento detalhado das etapas e custos envolvidos no sistema extrativista e as suas variações regionais”, completa a Embrapa.
Dificuldades
No projeto de pesquisa da Embrapa, no Mato Grosso, identificou-se uma outra dificuldade da produção castanheira: a baixa qualidade das castanhas. Segundo o estudo, isso se dá devido ao manejo inadequado no processo de coleta, e a alta suscetibilidade à contaminação por bactérias e fungos produtores de micotoxinas ou aflatoxinas.
As aflatoxinas são produzidas, principalmente, pelos fungos Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus, e são potencialmente cancerígenas para o ser humano. Conforme alertam pesquisadores da estatal, esse tipo de contaminação é um problema que coloca em risco a saúde pública e também compromete a economia da região amazônica.
Atividade é rentável
A análise de todas as etapas e custos envolvidos no extrativismo da castanha-do-brasil, no município mato-grossense de Itaúba, atestou que a atividade é rentável, com receita superior ao salário mínimo praticado na época do levantamento, remunerando a mão de obra familiar com o dobro da média da diária, praticada na região.
“Uma vez que a produção de amêndoas e o custo dos insumos não podem ser controlados diretamente pelo extrativista, a otimização da mão de obra, o aumento da produtividade (maior rendimento operacional) e a agregação de valor mediante a adoção de boas práticas de coleta são formas viáveis de aumentar a rentabilidade do sistema extrativista”, informa a Embrapa, no documento.
Características biológicas
A partir dessa pesquisa, foi obtida uma série de dados de longa duração, em 320 árvores nativas, o que pode modelar a produção de frutos em função das características das árvores, solo e clima. Esses resultados, que já compõem o banco de dados da Embrapa, vão permitir realizar um prognóstico sobre a produção da castanha-do-brasil em torno de variáveis locais e globais para a Amazônia brasileira.
Estudos dendrocronológicos, que estimam a idade provável das árvores com base em seu crescimento, considerando a contagem dos círculos dos troncos, permitiram observar que as árvores atingiram a plena produção de frutos (maturidade) no momento em que alcançaram diâmetros entre 60 e 70 centímetros, o que ocorreu a uma idade relativa entre 63 e 72 anos.
Tratamentos simples
Tratamentos silviculturais simples – como o desbaste de liberação de árvores jovens, permitindo maior acesso à luz – mostraram-se efetivos, podendo reduzir a idade para que uma árvore alcance a fase de maturidade para produção de frutos e, consequentemente, aumentem a produtividade, a rentabilidade e a sustentabilidade da atividade extrativista.
“Não houve efeito da taxa de coleta sobre a regeneração natural da espécie, indicando que eventos passados, como a abertura de clareiras propiciadas pela exploração madeireira, podem ter tido maior impacto no estabelecimento e desenvolvimento da regeneração natural da castanheira”, aponta o documento da Embrapa.
Conforme a estatal, isso tornaria pouco eficazes, ou mesmo desnecessárias, medidas de restrição de coleta para garantir a regeneração natural, especialmente em áreas sob a influência da exploração madeireira. “Ou seja, mesmo sob altas taxas de coleta de sementes, a espécie consegue regenerar de forma satisfatória em áreas sujeitas a aberturas periódicas do dossel.”
Tempo de coleta e de contaminação
O estudo da relação entre o tempo de coleta dos frutos e a contaminação por aflatoxinas indicou que, desde o momento da queda do fruto das árvores, existem condições propícias ao desenvolvimento de fungos produtores de toxinas nas sementes. Entretanto, não foi detectada a presença de aflatoxinas nas castanhas, logo após a queda dos frutos.
“É importante observar, porém, que o teor de aflatoxinas aumenta com o tempo de permanência dos frutos na mata, sendo que os níveis de aflatoxinas totais apresentaram-se dentro do limite máximo tolerado até cem dias após a queda.”
De acordo com a estatal, quando se utilizou o jirau (armação de madeira semelhante a um estrado de cama) durante a coleta, o nível de aflatoxinas manteve-se dentro do limite por até 150 dias. Isso indica que, após esse período, os frutos não devem ser coletados para a alimentação humana. Portanto, o manejo dos frutos, durante o intervalo de coleta, é fundamental para garantir a qualidade das castanhas e segurança para os consumidores.
Estudo genético
Outro resultado importante desse trabalho de pesquisa foi o estudo genético, que propiciou avaliar o fluxo de pólen e sementes dentro da população, ou seja, as distâncias percorridas pelo pólen, por meio de seus principais polinizadores – as abelhas de grande porte dos gêneros Bombus, Centris, Epicharis, Eulaema e Xylocopa.
Essas abelhas asseguram a produção dos frutos e as distâncias percorridas pelas sementes, que são as distâncias em que são levadas as sementes pelo principal dispersor, conhecido como cutia (Dasyprocta spp.), e asseguram a regeneração da espécie.
Com seus dentes afiados, a cutia consegue abrir o fruto (denominado ouriço) e enterrar algumas sementes para se alimentar posteriormente, possibilitando a germinação das sementes.
Importância das abelhas
Nesse mesmo estudo da Embrapa Agrossilvipastoril notou-se que as abelhas transportaram o pólen por até 950 metros, enquanto os roedores transportaram as sementes por até 650 metros. Isso indicou que o pólen percorre maiores distâncias, se comparado com as sementes, reforçando a importância das abelhas na manutenção da diversidade genética e na conservação da espécie.
Os resultados desse trabalho pioneiro em Mato Grosso, associados a outros desenvolvidos pela Embrapa e demais instituições de pesquisa parceiras da estatal, na região amazônica, já permitem diversas recomendações técnicas para manejar os castanhais, monitorar a sustentabilidade da atividade extrativista e assegurar a qualidade do produto. Agora, resta vencer outro desafio: sua efetiva implementação em campo.
Dez passos para obter castanha de qualidade
1 – Delimitar a área do castanhal e mapear as castanheiras. Definir a área em que se realiza a coleta de castanha e mapear as castanheiras evitará conflitos por posse de terra e facilitará o monitoramento da produção.
2 – Coletar os ouriços (frutos) logo após o pico de queda. Isso evitará acidentes com o extrativista, devido à queda dos frutos, e também que o produto fique por muito tempo em contato com o solo em condições inapropriadas de umidade, além de favorecer a regeneração da espécie por meio da dispersão de frutos e sementes pelos animais.
3 – Não amontoar os ouriços no mesmo local da safra anterior. Os restos dos frutos coletados no ano anterior propiciam o desenvolvimento dos fungos produtores de aflatoxina, por isso esse local deve ser evitado, fazendo-se um rodízio no lugar de amontoamento e quebra.
4 – Amontoar os ouriços apenas quando for quebrá-los. No interior do monte de ouriços as condições de calor e umidade são propícias para a contaminação por fungos e produção de aflatoxina, por isso, quanto menos tempo os ouriços ficarem amontoados, melhor.
5 – Quebrar os ouriços em superfície limpa e selecionar as castanhas. Evitar quebrar o ouriço no chão encharcado. Usar um suporte (madeira, casca do fruto, etc.) para facilitar a quebra e evitar o contato do produto com a terra. Descartar as castanhas chochas, podres, cortadas e as impurezas como umbigo, pedaço do fruto, folhas, pedras, entre outros.
6 – Transportar as castanhas o quanto antes possível. Não deixar as castanhas na floresta, seja a granel ou ensacadas, por vários dias. O ideal é transportar no mesmo dia da coleta e quebra.
7 – Não armazenar castanhas úmidas; fazer uma pré-secagem. Logo que as castanhas chegam da floresta, devem ser colocadas em uma superfície limpa e com ventilação (armazém ou paiol), protegidas da chuva e do acesso de animais. Devem ser revolvidas a cada 2 dias, até reduzir a umidade, para que o produto tenha uma aparência limpa e seca.
8 – Armazenar as castanhas em local adequado. Depois da pré-secagem, as castanhas devem ser mantidas a granel em local limpo, com ventilação adequada, protegidas da chuva e do solo, para impedir o acesso de animais e evitar o aumento da umidade do produto.
9 – Ensacar as castanhas apenas quando for transportar. Embalar as castanhas utilizando sacos limpos e identificados, com o nome do produtor e a safra, poucos dias antes do transporte para fora da área de produção. O ideal é ensacar no dia do transporte.
10 – Transportar as castanhas adequadamente. Realizar o transporte com higiene, proteção contra absorção de umidade e acesso de animais e separado de outros produtos.