Ao investir no desenvolvimento de uma cadeia livre de desmatamento, os setores público e privado têm a chance de alinhar produtividade e conservação, garantindo segurança alimentar, prosperidade econômica e integridade ambiental (Foto: The Nature Conservancy)
O Brasil, maior exportador mundial de carne bovina, está diante de uma oportunidade histórica: tornar-se líder global em produção de carne livre de desmatamento.
À medida que a demanda internacional por proteína animal cresce, aumentam também as pressões sobre ecossistemas sensíveis como a Amazônia. Mas, segundo Jack Hurd, diretor-executivo da Tropical Forest Alliance, e Jennifer Morris, diretora executiva da Nature Conservancy, é possível reverter esse cenário com inovação, colaboração e incentivos corretos.
Hoje, a produção de carne bovina, em todo o mundo, exerce pressão sobre a floresta, por conta da necssidade de expansão de pastagens.
“Isso coloca em risco tanto a produtividade agrícola brasileira quanto a segurança alimentar global”, avaliam os ambientalistas, em artigo publicado no Fórum Econômico Mundial.
Apesar da gravidade do problema, o autor acredita que o Brasil está em posição privilegiada para liderar uma transformação.
“Como maior exportador mundial de carne bovina e segundo maior produtor, o Brasil tem uma oportunidade única de transformar toda a cadeia de valor global da carne, dissociando a perda de habitat da produção”.
Para isso, Morris e Hurd defendem a adoção de rastreabilidade, apoio regulatório ambiental e incentivos a produtores.
Pará: uma virada no modelo de produção
Um exemplo concreto dessa virada está no estado do Pará.
“Em 2023, o Pará, com apoio da The Nature Conservancy e uma coalizão de líderes da sociedade civil e do setor privado, lançou o primeiro programa obrigatório de rastreabilidade de gado do Brasil, com exigências ambientais”.
A iniciativa pretende eliminar o desmatamento da cadeia de suprimentos e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade e o acesso ao mercado para pequenos produtores.
Segundo um estudo conduzido com apoio da consultoria Bain, “o sucesso nesse esforço pode aumentar o valor anual da produção de gado em 45%, de US$ 2 bilhões para US$ 2,9 bilhões”.
Para os autores, o êxito do programa depende de uma ampla colaboração entre os setores público e privado.
“O Pará está reunindo infraestrutura, recursos financeiros e ambição para interromper o desmatamento e reduzir os riscos da cadeia de valor do gado. Ainda assim, parcerias público-privadas serão essenciais para acelerar a implementação do programa e ampliar a oferta de carne e couro totalmente rastreáveis”.
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O papel das empresas e do mercado
Algumas empresas já estão se mobilizando. “O maior produtor de proteína do mundo, a JBS, acelerou investimentos em marcação de gado e suporte a produtores, ajudando a criar as condições para que o estado inteiro possa mudar seu modelo de produção”.
No entanto, os ambientalistas ressaltam que a transformação só será completa com o engajamento também do lado da demanda.
As empresas podem contribuir com essa transição de três formas principais, segundo Morris e Hurd:
“Enviar um sinal de mercado forte compartilhando sua expressão de interesse – uma indicação de baixo risco, mas altamente visível, de que a carne sustentável da Amazônia é um produto desejável no mercado”.
“Respaldar essa intenção com investimentos para aumentar a oferta sustentável de gado, por meio de iniciativas de compartilhamento de custos com outros atores da cadeia”.
“Estabelecer acordos comerciais formais para compra de carne, couro e outros produtos, colhendo os frutos desses investimentos”.
Além de se anteciparem às regulações e atenderem à demanda de consumidores conscientes, as empresas que investirem nesse modelo ganham vantagem competitiva e contribuem para metas climáticas e de biodiversidade.
“Para companhias que se comprometeram a eliminar o desmatamento de suas cadeias ou a investir em soluções climáticas naturais, isso oferece uma rota verificável para alcançar esses objetivos.”
Sistemas alimentares, clima e COP30
Os autores do artigo lembra que os sistemas alimentares são responsáveis por uma parcela significativa das emissões globais de gases de efeito estufa.
“A produção de carne bovina sozinha responde por 7% das emissões globais”.
A urgência por ações concretas levou o tema da alimentação ao centro das discussões climáticas recentes, como na COP28. Novas iniciativas estão em curso, como a Baku Harmoniya Climate Initiative for Farmers, lançada na COP29. Na Europa, o novo Regulamento contra o Desmatamento deve impulsionar cadeias de suprimento mais sustentáveis, com reflexos globais.
Com a presidência da próxima COP30 em 2025, o Brasil terá papel central nas negociações climáticas.
“O país reafirmou seu compromisso durante a cúpula do G20, ao reconhecer a agricultura como essencial para reduzir emissões e proteger a biodiversidade, com as florestas atuando como sumidouros de carbono cruciais”.
Para Morris e Hurd, o sucesso do programa de pecuária sustentável no Pará pode ser um modelo de ação coletiva.
“Nenhum ator isolado resolverá o problema complexo do desmatamento e da conversão de terras ligados à carne e ao couro. O Programa de Pecuária Sustentável do Pará é um excelente exemplo do tipo de ação coletiva necessária”.