Associação Brasileira de Biogás aponta que o País passa por uma revolução nesse setor ao registrar, em 2018, um aumento de 40% e diante da perspectiva de crescimento acima disso, neste ano. São bilhões de resíduos por ano, que podem ser aproveitados do saneamento e esgoto, da pecuária (foto) e das agroindústrias
Energia oriunda dos dejetos da pecuária, de agroindústrias e do setor sucroalcooleiro, o biogás tem grande potencial para se tornar protagonista na matriz energética brasileira, tanto na geração de eletricidade quanto na produção de combustíveis renováveis.
“O País assiste a uma revolução na produção de biogás, que cresceu 40% em 2018 e deve crescer mais 40%, em 2019”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Biogás (ABiogás), Alessandro Gardemann, ressaltando que, nos últimos cinco anos, foram desenvolvidas soluções que garantem um biogás com a mesma qualidade do gás natural, sendo capaz de suprir os postos de abastecimento.
Estudos desenvolvidos pela instituição apontam que o Brasil apresenta o maior potencial energético de biogás do mundo: são 84,6 bilhões Nm³/ano (normal metros cúbicos por ano) entre saneamento e esgoto (7%); resíduos do segmento sucroenergético (48%), que podem vir do bagaço da cana-de-açúcar e da vinhaça; e de resíduos agroindustriais (45%), oriundos de dejetos de suínos, aves e bovinos.
De acordo com a ABiogás, isso seria capaz de suprir quase 40% da demanda nacional de energia elétrica ou substituir 70% do consumo nacional de diesel.
“Todo esse potencial, em uma época na qual o mundo busca soluções econômica e tecnicamente viáveis, para frear as mudanças climáticas e diminuir o impacto ambiental das atividades humanas, torna o biogás uma ferramenta estratégica tanto para o setor público, quanto para a iniciativa privada, que busca investimentos atrativos e seguros”, avalia Gardemann.
Pegada de carbono
Versão refinada do biogás, o biometano emite 85% menos gases de efeito estufa (GEE) do que o diesel, por exemplo. Isso faz com que esse biocombustível tenha uma das menores pegadas de carbono, entre os combustíveis disponíveis, e seja um produto importante na nova matriz energética sustentável.
Dados compilados pelo biólogo e engenheiro agrônomo Alexandre Berndt, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Unidade Pecuária Sudeste da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), mostram que, das 49 gigatoneladas de GEEs emitidos em todo o mundo, apenas 2,59% são emitidos pelo Brasil e apenas 0,83% pelas atividades agropecuárias do País.
Mestre em Ciência Animal e Pastagens e doutor em Ecologia de Agroecossistemas, o pesquisador destaca que o Brasil está em sétimo lugar no ranking de emissões de gases de efeito estufa, com volume bem menor em relação a grandes potências mundiais.
“Isso mostra que nossa agropecuária não impacta tanto assim, que ainda há espaço para melhorar a pecuária praticada aqui em termos de sustentabilidade e que a pesquisa está sempre buscando formas de equilibrar essa balança”, reforça Berndt.
Gás natural e eletricidade
O setor sucroalcooleiro pode contribuir ainda mais para melhorar a eficiência ambiental da produção agrícola no Brasil, além de colaborar com a redução das emissões de carbono, produzindo energia limpa e renovável.
“O setor é o que apresenta o maior potencial de aproveitamento de biogás. Em dez municípios do Estado de São Paulo, com maior concentração de resíduos, o potencial de biogás é de mais de 3 bilhões de Nm³ na safra. Se fossem transformados em biometano, isso corresponderia a 65% do consumo de gás natural do Estado ou 32 mil Gwh (Gigawatt-hora), se fossem aproveitados na geração de eletricidade com biogás”, destaca Suani Coelho, professora do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP).
Ela também integra o grupo RCGI (Fapesp-Shell-Research Center for Gas Innovation), que realiza pesquisa no setor energético da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em parceria com a empresa Shell.
Recentemente, o grupo lançou um conjunto inédito de mapas interativos, disponível na internet, com o tema Biogás, Biometano e Potência Elétrica em São Paulo. Esses mapas estimam o potencial de produção de biogás e biometano no Estado de São Paulo, além do potencial elétrico a partir do biogás, por município, seguindo três grandes fontes de obtenção do gás: resíduos de criação animal, resíduos urbanos e setor sucroalcooleiro.
Cenário em SP
Os dados mostram que o potencial de energia elétrica gerada anualmente a partir de biogás em São Paulo é de 36.197 Gwh, o que corresponde a 93% do consumo residencial no Estado. O potencial anual de biometano poderia exceder em 3,87 bilhões de Nm3 o volume anual de gás natural comercializado ou substituir 72% do diesel comercializado.
Os mapas foram elaborados com dados da ABiogás, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Datagro Consultoria Agrícola, Centro Internacional de Energias Renováveis (Cibiogás), Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e da Gasbrasiliano ( responsável pela distribuição de gás natural canalizado na região noroeste do Estado de São Paulo).
Os mapas podem ser acessados em português ou inglês, e a manipulação deles é fácil e intuitiva.
Planejamento energético
A partir desses mapas, além de dados relacionados ao potencial de biogás e biometano em território paulistano, é possível saber onde estão os gasodutos, as linhas de transmissão de energia elétrica, as unidades de conservação, os pontos de entrega de gás existentes, entre outras informações importantes para o planejamento energético de seus municípios.
O potencial total das três grandes fontes de obtenção do gás também se desdobra em outros mapas mais específicos como, por exemplo, o grupo Resíduos de Criação Animal, que traz mapas específicos para a suinocultura, bovinocultura e avicultura. O grupo Resíduos Urbanos também tem mapas distintos para o potencial dos aterros sanitários e das estações de tratamento de esgoto.
“O setor sucroalcooleiro traz um mapa para a totalidade dos resíduos – vinhaça, torta de filtro e palha de cana e um somente para a vinhaça, que representa grande parte do potencial de obtenção de biogás, biometano e de geração de energia elétrica, em São Paulo”, explica a professora Suani Coelho.
O projeto é fruto de longo trabalho da pesquisadora da Fapesp nesta área, cujo primeiro passo foi a publicação, em 2009, do Atlas de Bioenergia do Brasil, que traz informações sobre o potencial de aproveitamento de biomassa no Brasil, por município, e tipo de biomassa.
O avanço para mapas interativos, com diversas camadas de informações, teve o suporte do RCGI, no qual a professora é líder de um dos projetos. Além de Suani, integram a equipe do projeto atual as engenheiras Marilin Mariano dos Santos e Vanessa Pecora Garcilasso, com a colaboração do (até então) mestrando Diego Bonfim de Souza.
Injeção de biometano na rede
O grupo de pesquisa pretende inserir novas bases de dados nos mapas. “Estamos realizando simulações com relação à injeção do biometano na rede para saber, por exemplo, qual seria o impacto na tarifa para os consumidores, o quanto se evitaria de emissões de gases de efeito estufa. Também estamos simulando qual seria o impacto da substituição do diesel por biometano na indústria sucroalcooleira”, conta a professora.
Também está em andamento um projeto de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Companhia Energética de São Paulo (Cesp).
“O objetivo é elaborar o Atlas de Bioenergia para São Paulo, que não será focado apenas em biogás e biometano, mas também em biomassa sólida: bagaço de cana, resíduo florestal etc. Será elaborado um mapa interativo com os potenciais de geração de eletricidade, que deverá ser lançado no início de 2020.”
Fonte: ABiogás, Fapesp, Embrapa Pecuária Sudeste