Agrofloresta deeptech e fármaco inovador de planta brasileira simbolizam a evolução de startups com negócios baseados na floresta em pé
Com alto potencial econômico na restauração de áreas já desmatadas, a solução climática das agroflorestas mostra uma nova face de sofisticação na Amazônia.
Thiago Terada, CEO da startup Genera, sediada em Manaus, explica que o objetivo é alcançar avanços em produtividade e escala que mudam o perfil da atividade no campo. “É uma forma viável e mais fácil de chegar ao mercado, e de fazer a bioeconomia se integrar à economia nacional como um novo modelo de desenvolvimento, baseado no baixo carbono”, afirma.
Segundo ele, a estratégia é atingir economia de escala como uma construtora que faz vários prédios ao mesmo tempo, com a diferença de que agora o alvo é a construção de florestas.
O empreendedor associou-se a ex-executivos do alto escalão de bancos e empresas para investir na empreitada.
“A expectativa é rentabilizar o negócio de maneira que investir na floresta alcance uma maior atratividade assim como ocorreu em mercados emergentes, a exemplo dos investimentos em fazendas de energia solar ou eólica”, ressalta Terada.

O modelo combina cultivos agrícolas que melhoram o solo com ciclos de espécies florestais plantadas a partir de mudas já crescidas Foto Jornada Amazônia/Divulgação
Viabilidade financeira
O CEO da Genera conta que duas áreas de 250 hectares no total, em Rio Preto da Eva (AM), de logística fácil a 150 Km de Manaus por estrada, iniciaram os plantios para demonstrar a viabilidade financeira.
O modelo combina cultivos agrícolas que melhoram o solo com ciclos de espécies florestais plantadas a partir de mudas já crescidas, com cerca de três anos de idade, o que reduz custos e aumenta a produtividade. São cultivados produtos nativos de grande demanda comercial, como cacau e açaí, capazes de cobrir o investimento nas mais de 100 espécies amazônicas plantadas para restaurar a área e capturar carbono da atmosfera. Além da biodiversidade, o negócio contribui na segurança alimentar, no microclima e na preservação de nascentes.

Thiago Terada: “A expectativa é rentabilizar o negócio de maneira que investir na floresta alcance uma maior atratividade assim como ocorreu em mercados emergentes Foto Jornada Amazônia/Divulgação
Plataforma Jornada Amazônia
A Genera integrou o programa Sinergia Investimentos – iniciativa da plataforma Jornada Amazônia voltada a dar tração a negócios da bioeconomia amazônica e prepará-los para investimentos.
Com aporte inicial de R$ 12 milhões de investidores-anjos e fundos filantrópicos que apostam na inovação da startup como exemplo de que é possível mudar a realidade produtiva na Amazônia, uma nova fronteira se abre no horizonte por meio das agroflorestas no mundo deeptech. “Usamos tecnologias do agro moderno na restauração florestal daquilo que já foi destruído ao longo da história”, enfatiza Terada.
A estratégia consiste em desenvolver um modelo regenerativo de longo prazo que seja rentável e atrativo a produtores, de forma a replicar em toda a região. “As espécies que plantamos e colhemos em larga escala vão abrir mercados para todos na bioeconomia e favorecer os produtos do extrativismo tradicional, com geração de renda local, transformando o tão falado potencial da biodiversidade nativa em realidade”, acrescenta o empresário.
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Protagonismo
Janice Maciel, coordenadora executiva da plataforma Jornada Amazônia, mantida pela Fundação Certi, destaca que a região amazônica tem assumido um protagonismo nas soluções para o clima e para a floresta.
Ela informa que, em 2019, estimava-se 205 startups de bioeconomia em operação na Amazônia Legal. Em 2025, esse número passou para 794, um aumento de 400% ou seja, cerca de 600 novos CNPJs ativos, mostrando a vitalidade do ecossistema e o potencial da região para os negócios sustentáveis.
A executiva revela que, em três anos, foram capacitados 3 mil talentos, além de 186 novos negócios criados e fortalecidos. E, em 2025, foram 100 negócios apoiados, e 29 acelerados, com destaque para os segmentos de Alimentos e Bebidas, Tecnologia da Informação e Comunicação, Florestal, Cosméticos, Serviços, Máquinas, Equipamentos, Fármacos e Fitofármacos.
“A tendência é de maior diversidade, com maior liderança feminina, maior participação ativa de comunidades tradicionais, além do avanço de inovações com maior dinamismo tecnológico, como Insumos Funcionais e Matérias-Primas Avançadas, Genética, Biotecnologia e Soluções para o Clima”, completa Janice.

Ricardo Marques: “Destruir a floresta é como queimar uma biblioteca sem ter lido sequer um livro, e lá pode estar a fonte que gera muito mais renda do que qualquer outra atividade” Foto Sebrae/Divulgação
Startup aposta em medicamento de alto valor
A startup Hylaea, no segmento de pesquisa e desenvolvimento de insumos farmacêuticos ativos a partir de matérias-primas da Amazônia, é um exemplo de valorização da floresta em pé como chave no enfrentamento da mudança climática.
No centro das atenções está a ibogaína – substância pesquisada no mundo para o tratamento de dependência química, traumas cerebrais e doenças neurodegenerativas, como mal de Parkinson. “Destruir a floresta é como queimar uma biblioteca sem ter lido sequer um livro, e lá pode estar a fonte que gera muito mais renda do que qualquer outra atividade”, compara o CEO da empresa, Ricardo Marques, farmacêutico com doutorado em química de produtos naturais e PhD em Biotecnologia e Síntese Orgânica, que se dedica há mais de 20 anos na busca de novos fármacos a partir das plantas.
Ibogaína
Atualmente, a ibogaína é obtida da raiz de uma espécie vegetal africana explorada de forma predatória para fornecimento a mercados em todo o mundo, especialmente o México, onde se concentra a maioria das clínicas de tratamento com ibogaína.
Depois que Marques descobriu a existência de, pelo menos, quatro espécies amazônicas que são capazes de fornecer o ativo e não têm qualquer uso econômico na região, o projeto tomou forma.
O empreendedor desenvolveu, em bancada de pesquisa, o processo de extração – inovador, eficiente e sustentável – e agora dá novos passos no longo caminho de testes e autorizações até o mercado. “Pegamos uma planta considerada daninha, sem valor comercial algum, e através de nosso trabalho e pesquisas, a transformamos em um insumo de alto valor agregado. Hoje a ibogaína é uma espécie que pode gerar renda e, como resultado, melhorar a qualidade de vida das populações amazônicas”, orgulha-se o CEO da startup Hylaea .
A matéria-prima é extraída da floresta por comunidades da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, parceiras no negócio como uma nova opção de renda que favorece a manutenção da área bem conservada. “O grande potencial da Amazônia em moléculas para atendimentos das demandas da saúde ainda não está sendo aproveitado”, ressalta Marques.
Criada no Acre, a Hyalaea transferiu-se recentemente para o Paraná, onde há estruturas produtivas para o desafio. No início, a estratégia da startup para se capitalizar é obter um derivado químico intermediário: a voacangina, que embora não seja um IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) como a ibogaína, é um insumo tecnológico essencial para produzi-la – além de servir a usos potenciais em tratamentos dermatológicos. A empresa já teve a primeira venda de voacangina sinalizada para o Canadá, abrindo portas para mercados internacionais.

A ibogaína é obtida da raiz de uma espécie vegetal africana e transformada pela Hylaea em um insumo de alto valor agregado Foto Sebrae/Divulgação
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Desenvolvimento tecnológico e comercial
Na trajetória, desde a ideia inicial até o desenho do negócio, o empreendedor passou por mentorias em programas como o Sinergia e Sinergia Investimentos, da Jornada Amazônia, por meio do qual está recebendo aporte financeiro para alavancar o desenvolvimento tecnológico e comercial.
“Desta forma, a Hylaea consolida sua posição em uma rota de desenvolvimento tecnológico pioneiro, unindo ciência, floresta e mercado em torno de soluções inovadoras para a saúde e para a bioeconomia”, enfatiza Janice Maciel, da Jornada Amazônia.
A executiva conta que a Plataforma Jornada Amazônia é realizada e coordenada pela Fundação CERTI e Instituto CERTI Amazônia, com a coparticipação e investimentos do BID Lab, Bradesco, Fundo Vale, Instituto Itaúsa, Itaú Unibanco e Santander, e parceria estratégica da Good Energies By Porticus e Instituto Arapyaú.
De acordo com informação da coordenadora da plataforma, as metas da Jornada Amazônia incluem a criação de um pipeline qualificado de empreendimentos inovadores em bioeconomia na região, a qualificação de startups para atração de investimentos e acesso ao mercado, e a atração de indústrias que atuem como tracionadoras âncoras nas cadeias produtivas da bioeconomia. “Essas ações visam fortalecer e dinamizar o ecossistema de empreendedorismo inovador da Amazônia como um todo”, reforça Janice.








