A fragmentação florestal consiste em zonas de vegetação interrompidas, formando espécies de ilhas que diminuem significativamente o fluxo de animais, pólen ou sementes. Iniciativas buscam criar corredores ecológicos que permitam reverter essa situação em áreas agícolas
Um projeto de pesquisa, coordenado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por meio da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), está buscando fomentar a conexão de fragmentos da Mata Atlântica na região do Vale do Paraíba, no interior paulista.
O objetivo é utilizar técnicas de agricultura sustentável, como o sistema agroflorestal, para promover serviços ecossistêmicos e gerar sustentabilidade econômica para os produtores rurais. A pesquisa utilizará modelos matemáticos (os 3-PG e YieldSafe) para calcular o crescimento das árvores nativas endêmicas plantadas e das culturas usadas no sistema de produção para medir o carbono sequestrado.
De acordo com Maria Teresa Vilela Nogueira Abdo, pesquisadora da Apta e coordenadora do projeto “Avalição de crescimento e produção de espécies florestais nativas e culturas usando os modelos 3-PG e YieldSafe”, a ligação entre os fragmentos desmatados da floresta é fundamental para o abrigo de fauna, proteção do solo e das nascentes e preservação da biodiversidade.
“Nem sempre é possível fazer a conexão de matas isoladas apenas com o reflorestamento. A agricultura pode ser uma grande aliada. A implantação de sistemas agroflorestais, em que espécies de árvores nativas são plantadas em conjunto com culturas agrícolas, é um exemplo bem sucedido, além da recuperação de pastagens com arborização”, afirma.
O que é Fragmentação?
Do ponto de vista da Matemática, não há diferença entre uma floresta de 10 mil hectares (ha) e mil pedaços de floresta de 10 hectares cada: o total dos fragmentos de 10 hectares terão a mesma área total que a área contínua de 10 mil hectares. Entretanto, do ponto de vista ambiental a história é outra: esta diferença é ponto fundamental para determinar a vida ou a morte de um ecossistema.
A fragmentação se refere às alterações em um habitat original, terrestre ou aquático. Trata-se de um processo no qual um habitat contínuo é dividido em manchas, ou fragmentos, mais ou menos isolados.
O fragmentos florestais — os mais notórios — são áreas de vegetações naturais interrompidas por barreiras antrópicas (criadas por ação humana) ou naturais, capazes de diminuir significativamente o fluxo de animais, pólen ou sementes. A divisão em partes de uma área antes contínua faz com estas partes adquiram condições ambientais diferentes.
O biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) diz que, “a fragmentação é considerada um grave problema ambiental porque afeta as rotas usadas pelos animais e plantas para migrarem de uma área para outra, comprometendo a sustentabilidade dessas regiões”.
Projetos em andamento
Rodrigues coordenou um grupo responsável por analisar os impactos da regularização de terras privadas à legislação ambiental na recuperação da cobertura florestal e na conexão de fragmentos de Mata Atlântica em 2.408 fazendas espalhadas por pouco mais de 748 mil hectares de cultivos de café, laranja e cana-de-açúcar, além de áreas de pasto nos estados São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Mato Grosso do Sul.
O estudo, publicado em 2018 na revista Tropical Conservation Science, concluiu que a regularização ambiental favoreceu a criação de corredores ecológicos, fundamentais para a conservação da biodiversidade. Porém, a área total de cobertura florestal nas propriedades avaliadas ainda estava abaixo dos 20% previstos pela legislação brasileira.
As análises basearam-se nas regras do Código Florestal, em imagens de satélite e em dados do Programa de Adequação Ambiental e Agrícola da Esalq-USP, que há 20 anos atua em parceria com produtores na elaboração de estratégias de planejamento ambiental e agrícola de suas terras no país.
“Passamos a elaborar planos de regularização dessas terras, levando em conta o tipo de vegetação original a ser recuperada, os métodos mais adequados de restauração e a presença de áreas agrícolas de baixa aptidão para serem convertidas em reserva legal.” O programa já desenvolveu projetos em 4,2 milhões de hectares (ha) de propriedades agrícolas do país, com mais de 20 mil ha de florestas ciliares em restauração e mais de 150 mil ha de fragmentos florestais protegidos e em restauração.
A comparação de imagens de satélite antigas e mais recentes indica que, desde que o programa da Esalq foi lançado, os projetos dobraram a cobertura vegetal de Mata Atlântica nas áreas de proteção permanente avaliadas: de 57.554 ha em 1999 para 108.337 ha em 2012. “Estamos falando sobretudo da recuperação de matas ciliares, às margens de corpos d’água e nascentes, que ajudam a proteger os rios contra o assoreamento”, explica o engenheiro-agrônomo Ricardo Viani, do Centro de Ciências Agrícolas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e um dos autores do estudo.
Além do aumento de cobertura florestal, os pesquisadores também constataram nas regiões recuperadas um aumento expressivo do chamado índice de conectividade funcional, usado para estimar a ligação entre fragmentos remanescentes de vegetação nativa. Em uma usina de cana-de-açúcar em Araras, no interior paulista, por exemplo, a conectividade entre fragmentos florestais dentro das áreas de proteção permanente aumentou 236%. Isso permitiu a formação de corredores ecológicos e o restabelecimento dos fluxos de animais e insetos.
A fragmentação pode afetar uma série de funções ecológicas importantes, incluindo a polinização e a dispersão de sementes, que favorecem a regeneração natural e a manutenção das florestas. “A maioria dos fragmentos de Mata Atlântica encontra-se hoje parcialmente isolada dentro de terras privadas espalhadas pelo país”, destaca Viani.
Efeitos duradouros
As áreas de preservação permanente e de reserva legal correspondem a cerca de 20% das propriedades rurais. “No entanto, a restauração desses ambientes é fundamental para a conservação de espécies, parte delas ameaçada de extinção.” Em junho de 2017, por exemplo, após analisar 22 fragmentos florestais cercados por plantações de cana no interior de São Paulo, a equipe do biólogo Mauro Galetti, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, identificou 90% dos mamíferos de médio e grande porte esperados para o Estado. Estratégias de restauração ambiental são importantes, mas é consenso a impossibilidade de recuperar de forma completa a antiga biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.
Entre os animais encontrados estavam tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), antas (Tapirus terrestris) e queixadas (Tayassu pecari), importantes dispersores de sementes nativas. No entanto, nos fragmentos florestais menores, apenas 20% das espécies esperadas para a região foram registradas, sinal de que até 80% delas foram localmente extintas. O estudo, publicado na revista Biological Conservation, sustenta que ainda é possível proteger a fauna de mamíferos do Brasil, desde que corredores ecológicos continuem sendo recuperados, conectando os fragmentos florestais.
“Nossos resultados sugerem que projetos de restauração para o cumprimento das leis ambientais podem desempenhar um papel relevante no aumento da conectividade de paisagens agrícolas, por meio da restauração de corredores ecológicos”, comenta Rodrigues. No entanto, ele destaca que a área total de cobertura florestal remanescente nas propriedades avaliadas está em torno de 13%, abaixo dos 20% requeridos pela legislação como ideais para evitar a extinção de espécies em paisagens agrícolas.
Para o biólogo Ramon Felipe Bicudo da Silva, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o estudo mostra de forma concreta como a conservação e a restauração ambiental podem ser conciliadas com a atividade agrícola.
“O trabalho também destaca como essas práticas podem ser mais eficazes se forem acompanhadas de um plano de restauração que considere as propriedades vizinhas, de modo a conectar fragmentos na paisagem”, afirma o pesquisador, que não participou do estudo. Para Rodrigues, a adesão de proprietários rurais aos programas de adequação ambiental tem o condão de fortalecer cadeias produtivas por meio da certificação ambiental. “E isso pode aumentar o valor agregado dos produtos agropecuários”, conclui o biólogo.
Fontes: Revista Pesquisa Fapesp, Apta e OEco