Utilização de resíduos deve ser parte importante da transformação ambiental do Brasil
Não é de hoje que sustentabilidade e responsabilidade ambiental tornaram-se palavras da moda no Brasil. Seguindo a tendência global, aos poucos pode-se compreender o valor de práticas voltadas à preservação do meio ambiente e à gestão inteligente de recursos naturais. E essa transformação passa pelo comportamento dos cidadãos, pela ética dos empresários e detentores de meios de produção, e também por políticas públicas que estimulem novos e positivos hábitos.
“A questão do descarte de resíduos é um problema que faz parte desse escopo, e que encontra desafios de proporções continentais em um país com o vasto tamanho e a complexa realidade socioeconômica do Brasil”, destaca o doutor em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo, CEO do Grupo LARA e consultor técnico de desenvolvimentos de projetos Waste-to-Energy, Daniel Sindicic.
Ele argumenta que nosso país gera mais de 82 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos ao ano, o que representa cerca de 390 kg por habitante, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, relatório produzido pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Público e Resíduos Especiais (Abrelpe). “O relatório indica ainda que somente 4% desse volume é reciclado, o que nos dá uma dimensão preocupante do que esse problema representa para gestores públicos atualmente”, diz.
Sindicic prossegue: “Curiosamente, a pesquisa indica que 74% dos municípios no país relataram alguma iniciativa de coleta seletiva. Faltam então esforços no sentido de otimizar o destino final dessa coleta, tratando os resíduos de forma efetiva, além de políticas que incluam as camadas mais vulneráveis da população no processo de coleta seletiva, indo além de iniciativas pontuais que atinjam apenas os nichos mais bem assistidos da sociedade.”
Legislação
O especialista informa que avanços gradativos têm sido feitos para combater esse cenário no campo da legislação, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal nº 12.305/2010), publicada em 2010 e, dez anos depois, o Novo Marco Regulatório do Saneamento (Lei Federal 14.026/2020), instituindo novos padrões de qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos sistemas de saneamento básico, além da regulação tarifária e operacional dos serviços públicos voltados ao tema.
“Desde então, alguns municípios têm avançado com a instituição de políticas locais voltadas à arrecadação de recursos próprios para a gestão inteligente do lixo urbano – parte importante da problemática do saneamento básico”, menciona e acrescenta que, segundo levantamento feito pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), no início de 2022, mais de 1.600 municípios tinham iniciado as cobranças pelo serviço de coleta de lixo.
De acordo com o engenheiro mecânico, esse número ainda é baixo, visto que o Brasil possui atualmente cerca de 5.568 municípios, mas já representa um avanço em um país com cerca de 3.000 lixões, que geram juntos cerca de 30 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera ao ano, segundo estudos recentes.
“É necessário, portanto, o compromisso conjunto das prefeituras, Estados e União, mas também do setor privado, na tomada de ações voltadas à destinação correta dos resíduos, fazendo valer não apenas a nova lei, mas demonstrando na prática a adoção dos tão propagandeados valores de sustentabilidade e responsabilidade ambiental”, orienta.
Outras ações
Sindicic destaca que, além do fortalecimento de campanhas e centros destinados à reciclagem e educação ambiental da população, outra ação que pode ser tomada de imediato é o incentivo à geração e à valorização da energia a partir de resíduos sólidos. Ele informa ainda que edições recentes do Relatório do Painel Climático da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que usinas que trabalham com esse tipo de geração de energia reduzem em oito vezes as emissões de gases de efeito estufa se comparados a aterros sanitários.
“Trata-se de uma tecnologia consagrada e largamente utilizada no hemisfério norte, em particular na Europa, e que pode representar uma ferramenta valiosa nesse momento de transformação em que vivemos”, avalia lembrando que a geração de resíduos sólidos domésticos é algo crescente, que acompanha o aumento da população mundial e da cultura de consumo desenfreado, e que representa um fator assombroso de poluição no meio ambiente.
Na opinião do especialista, o que é preciso assimilar, enquanto governos e sociedade, é que isso representa também um potencial inesgotável de geração de energia limpa, a partir do tratamento térmico de boa parte desses resíduos feito de forma correta, capaz de produzir de forma constante – diferentemente de outras fontes de energia verde, como a solar e a eólica, que fica vários períodos sem produzir energia na falta do sol e de ventos, tornando necessária a ativação de usinas termoelétricas.
“É necessário, portanto, que o incentivo e a implementação de usinas de transformação de resíduos sólidos em energia seja parte importante das novas políticas voltadas ao saneamento urbano em municípios de todo o Brasil, pois somente elas podem representar uma alternativa muito mais benéfica e inteligente aos aterros sanitários espalhados por todo o território nacional”, arremata Sindicic.