O Sistema Integrado de Reatores Anaeróbios foi desenvolvido para transformar os resíduos orgânicos gerados pela Ceasa (CE) em energia renovável
Todos os meses, 17 a 25 toneladas de resíduos da Central de Abastecimento do Ceará (Ceasa-CE) são enviadas ao aterro sanitário, a um custo aproximado de R$ 230 mil.
Para transformar esse passivo em energia renovável, pesquisadores da Embrapa e da Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolveram o Sistema Integrado de Reatores Anaeróbios.
A inovação aumenta a produção de biogás, com alto teor de metano, ocupa menos área e reduz custos e emissão de GEE. Projetada para a Ceasa do Estado, a tecnologia tem potencial de replicação nas outras 57 centrais de abastecimento brasileiras.
O modelo permite aproveitar integralmente frutas e hortaliças impróprias para o consumo humano, resultado das perdas durante o transporte e armazenamento. Essa biomassa não utilizada, altamente biodegradável, é ideal para produzir um biogás rico em metano, aproveitável na forma de combustível.

Cerca de 30% de todas as frutas e vegetais comercializados nas Ceasas são perdidos (10,9 milhões de toneladas por ano) Foto Embrapa/Divulgação
Novo sistema
Renato Leitão, pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical (CE) que coordenou o trabalho do Sistema Integrado de Reatores Anaeróbios, no método usual, a fermentação dos resíduos de frutas e verduras ocorre em Reatores de Mistura Completa (CSTR, sigla em inglês), que possuem limitações operacionais e exigem grandes volumes.
O novo sistema, segundo ele, aprimora esse processo ao aplicar um pré-tratamento que separa os resíduos por meio de trituração e prensagem em duas frações: líquida e sólida.
“Cada uma delas é direcionada a um reator especializado. A fração líquida é tratada em reatores de manta de lodo de fluxo ascendente (UASB, sigla em inglês), eficazes para cargas orgânicas elevadas, e oferecem excelente rendimento na digestão de substratos altamente biodegradáveis”, explica Leitão.
E completa: “A fração sólida é encaminhada para compostagem, o que resulta em um fertilizante de alta qualidade, ou para reatores de metanização seca, capazes de operar com resíduos com alto teor de sólidos, mas ainda em fase de estudos”.
O pesquisador da Embrapa destaca que, com o uso do novo sistema, a quantidade de biogás gerada na Ceasa-CE pode produzir energia elétrica suficiente para suprir a demanda dessa central em até 100% da energia nos horários de ponta e mais 20% da energia fora desses períodos. “Caso não seja utilizado na própria Ceasa, esse biogás pode ser comercializado na forma de biometano após tratamento adequado”, enzatiza.

O modelo permite aproveitar integralmente frutas e hortaliças impróprias para o consumo humano, resultado das perdas durante o transporte e armazenamento Foto Embrapa/Divulgação
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Vantagens
Entre as vantagens desse tipo de aproveitamento está a redução do impacto ambiental e também a diminuição de custos de transporte e tratamento do material, visto que atualmente existe um contrato para encaminhamento desses resíduos para o aterro sanitário.
Leitão reforça que o sistema representa uma solução promissora para transformar grandes volumes de resíduos orgânicos em energia renovável, reduzindo custos de descarte e emissões de gases do efeito estufa.
“O próximo passo do estudo é ampliar a escala de produção, mas para isso é necessária a construção de uma unidade-piloto maior, para calibrar os equipamentos”, adianta.
“O impacto pode ser enorme: energia limpa, menos resíduos, mais empregos e economia circular na prática.”, acrescenta o professor André dos Santos, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC.

O Sistema Integrado de Reatores Anaeróbios produz biogás rico em metano, aproveitável na forma de combustível Foto Embrapa/Divulgação
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Biohidrogênio: uma nova frente
Os pesquisadores também testaram a produção de biohidrogênio a partir do material. Embora não tenha chegado a um volume competitivo, a pesquisa abre possibilidade para estudar uma nova rota de produção no futuro. Os especialistas usaram fermentação escura, uma tecnologia emergente para geração de energia limpa. O estudo utilizou reator anaeróbio de leito estruturado (AnStBR, sigla em inglês) alimentado com a fração líquida do resíduo.
Perdas no Brasil chegam a mais de 40% dos alimentos produzidos
Cerca de 30% da produção mundial de frutas e vegetais são perdidos ou desperdiçados, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de frutas e hortaliças e conta com 57 centrais de abastecimento (Ceasas), que distribuem e comercializam os produtos no País.
Estima-se que aproximadamente 42% dos alimentos produzidos no território nacional sejam perdidos ao longo da cadeia produtiva.
Cerca de 30% de todas as frutas e vegetais comercializados nas Ceasas são perdidos (10,9 milhões de toneladas por ano), resultando em altos custos sociais, além dos gastos com descarte e impactos ambientais.
O estado de São Paulo, que possui a maior Ceasa da América Latina, reportou, em 2023, a produção de 150 e 180 toneladas de resíduos por dia na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).

O novo sistema aprimora esse processo ao aplicar um pré-tratamento que separa os resíduos por meio de trituração e prensagem em duas frações: líquida e sólida – Foto Embrapa/Divulgação
Saiba mais sobre digestão anaeróbia
A produção de biogás a partir de resíduos orgânicos é realizada por meio de digestão anaeróbia – transformação microbiana da matéria orgânica em bioprodutos energéticos e químicos na ausência de oxigênio. Esse fenômeno está envolvido em vários ciclos biogeoquímicos e ocorre em diversos ambientes naturais que contêm resíduos orgânicos sem contato direto com a atmosfera – como no sistema digestivo de ruminantes, em pântanos, sedimentos e em sistemas de esgoto – além de ser amplamente aplicado em ambientes controlados, como os biodigestores chamados de reatores anaeróbios.
Esse processo possui diversas aplicações no tratamento de resíduos líquidos, sólidos e semissólidos. Por meio dele, é possível produzir energia renovável (biogás rico em metano ou hidrogênio), recuperar nutrientes a partir do lodo gerado e mitigar emissões de gases de efeito estufa.
Inovação será um dos destaques de fórum científico latino-americano
A inovação na produção de biogás a partir dos resíduos da Ceasa será um dos avanços científicos de destaque durante o XV Workshop e Simpósio Latino-Americano de Digestão Anaeróbia (XV DAAL), realizado pela UFC e Embrapa. O evento – principal fórum científico sobre digestão anaeróbia na América Latina – será realizado em Fortaleza (CE), entre os dias 14 e 17 de outubro de 2025, e vai contar com cientistas dos mais avançados centros de pesquisa da área em nível global.
O XV DAAL promoverá a troca de conhecimento entre academia, sociedade, órgãos governamentais e setor empresarial sobre o uso de digestão anaeróbia. Serão discutidos temas relacionados com aplicação da digestão anaeróbia no tratamento de resíduos líquidos e sólidos, produção de energia renovável via metano e hidrogênio, modelagem e controle dos processos, produção e recuperação de produtos de alto valor agregado e economia circular.
Podem participar do evento estudantes de graduação e pós-graduação, pesquisadores, profissionais da área, gestores, políticos, projetistas, instituições de fomento, empresas atuantes no setor do saneamento, indústrias, órgãos públicos e empresas privadas, ONGs e organismos de cooperação internacional interessados e atuantes na área da digestão anaeróbia, energias renováveis, biomassa, tratamento de esgoto, resíduos sólidos, lodo, uso racional da água, nutrientes e energia.
O Simpósio é realizado pela UFC e pela Embrapa, com apoio organizacional da Fundação ASTEF, Essencial Eventos e International Water Association (IWA). Além disso, conta com o apoio institucional do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto (INCT ETEs Sustentáveis), Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), Sociedade Brasileira de Especialistas em Resíduos das Produções Agropecuárias e Agroindustriais (Sbera), Fórum Sul Brasileiro de Biogás e Biometano, Rede Verdes, CIBiogás Energias Renováveis, Biosfera Comunicação e Rede Mulheres do Biogás. Diversas instituições e empresas estão apoiando financeiramente esse evento, em destaque estão a CAPES, CNPq, Marquise Ambiental, Cagece, ACS Engenharia Ambiental, Sanepar, TPF Engenharia, Recovery Tecnologias Ambientais, Rotária do Brasil, Anaero Technologies, BPC Instruments, Grupo Ritter, MLima Biogás, Sistema FIEC, PB Construções, Shimadzu, Fortescue, e o Complexo Industrial e Portuário do Pecém.