Estudo aponta que o país gera quase 50 milhões de toneladas de entulho por ano, mas recicla apenas 21%, apesar do potencial técnico e econômico
A gestão dos resíduos da construção civil (RCC) no Brasil ainda enfrenta gargalos estruturais. Embora o país disponha de tecnologia e capacidade instalada para reciclar até 50 milhões de toneladas por ano, o volume efetivamente reaproveitado não passa de 10 milhões — apenas 21% do total gerado.
Segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), em 2024 foram produzidas cerca de 48 milhões de toneladas de entulho, o que representa até 60% dos resíduos sólidos urbanos.

Embora o país disponha de tecnologia e capacidade instalada para reciclar até 50 milhões de toneladas por ano, o volume efetivamente reaproveitado não passa de 10 milhões Foto Prefeitura Municipal de Jundiaí/Divulgação
Setor da construção civil
Laerte Scavavacca Jr, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, destaca que o setor da construção civil, responsável por 10% do PIB e 15% dos empregos formais do país, convive com custos adicionais de 10% a 30% nas obras em razão da má gestão dos resíduos.
“Cada real investido em novas habitações gera retorno econômico de R$ 2,46 e cria mais de 18 empregos diretos, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Apesar da relevância, quase metade dos resíduos (45%) ainda é descartada irregularmente, em áreas não licenciadas”, conta o pesquisador.
De acordo com informação do especialista, a estrutura legal que regula o setor é robusta, mas a aplicação segue desigual. A Resolução Conama nº 307/2002, complementada pela nº 469/2015, define diretrizes para o gerenciamento dos RCC. Já a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) estabeleceu metas de redução e reciclagem e o princípio da responsabilidade compartilhada entre poder público, empresas e consumidores. “Na prática, no entanto, a falta de fiscalização e de indicadores nacionais limita o alcance dessas normas”, pontua Scavavacca Jr.
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A maior parte dos resíduos gerados vem de concreto, argamassa, cerâmicas e tijolos, materiais inertes que poderiam ser amplamente reaproveitados Foto Divulgação
Resíduos gerados
O pesquisador sublinha que a maior parte dos resíduos gerados vem de concreto, argamassa, cerâmicas e tijolos — materiais inertes que poderiam ser amplamente reaproveitados.
Ele completa que a principal rota tecnológica de reciclagem é a produção de agregados reciclados (AR), usados em pavimentação, bases e sub-bases de rodovias, blocos, pisos e artefatos não estruturais. “Estima-se que 70% a 85% dos resíduos reciclados sejam empregados em obras de infraestrutura, 10% a 20% na fabricação de artefatos de cimento e até 10% em aplicações especiais, como concretos leves e muros de contenção”, informa.
Entraves
Pesquisadores e entidades do setor apontam como principais entraves os altos custos de transporte, a falta de escala das usinas e a baixa aceitação dos agregados reciclados pelo mercado da construção.
Scanavacca revela que a Região Sudeste concentra 65% das cerca de 300 usinas de reciclagem de RCC no país, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro. Ainda assim, a taxa média regional de reciclagem é de apenas 20%.
O pesquisador da Embrapa reforça que estudos recentes exploram alternativas tecnológicas, como o uso de resíduos em geossintéticos, asfalto-borracha e concretos estruturais de baixo teor, em conformidade com normas como a NBR 15116. “Outra tendência é a adoção de usinas móveis instaladas próximas às obras, reduzindo custos logísticos e emissões de CO₂”, salienta.
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A reciclagem de RCC no Brasil tem potencial para reduzir significativamente o consumo de recursos naturais e os impactos ambientais da disposição inadequada Foto Divulgação
Economia circular
Para que o país avance na economia circular do setor, especialistas recomendam cinco ações prioritárias: fortalecer a aplicação das resoluções do Conama, criar políticas de compras públicas que priorizem materiais reciclados, incentivar plantas móveis regionais, padronizar certificações e ampliar pesquisas sobre novos materiais”,
“A reciclagem de RCC no Brasil tem potencial para reduzir significativamente o consumo de recursos naturais e os impactos ambientais da disposição inadequada. Mas, para transformar esse potencial em resultados concretos, o país precisa alinhar políticas públicas, inovação tecnológica e incentivos econômicos que tornem o reaproveitamento de resíduos uma prática estrutural da construção civil”, alerta o pesquisador.








