Setor de sementes de hortaliças movimenta R$ 550 milhões por ano no Brasil, mas a maioria das híbridas vem de fora. Para ampliar o segmento com alternativas tecnológicas, a Embrapa Hortaliças desenvolve pesquisa para desinfetar sementes de cebola atacadas pelo mal-de-sete-voltas.
Brasil produz, anualmente, quase a totalidade que utiliza de sementes de hortaliças com polinização aberta. Grande parte delas vem de sementes híbridas, cuja produção é feita, na maioria dos casos, por empresas estrangeiras. Em um mercado que movimenta cerca de R$ 550 milhões por ano, mais de 70% deste valor corresponde à comercialização de sementes híbridas. isto significa que o País está deixando de ganhar com este segmento.
“Devido à escassez e ao custo da mão de obra, as empresas de sementes optam pela produção no exterior. Por causa disto, perdemos divisas e ficamos mais vulneráveis à entrada de pragas exóticas em território nacional”, alerta o pesquisador Warley Nascimento, da área de Tecnologia de Produção de Sementes da Embrapa hortaliças (DF).
Atualmente, ele lidera um projeto desta unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária sobre o uso do capim-limão, espécie mais indicada para desinfetar sementes de cebola contaminadas com o fungo Colletotrichum gloeosporioides f. sp. cepae. O produto surge como opção para produtores orgânicos ou que tenham restrições quanto à aplicação de defensivos agrícolas.
“Além de não comprometer o potencial germinativo da semente de cebola, o óleo de capim-limão inibiu em 100% a germinação dos esporos do fungo”, relata a agroindustrial Maria isabel lozada, estudante de Mestrado da Universidade de Brasília (UnB) e bolsista da Embrapa hortaliças.
Sementes híbridas
Antes de trazer as novidades sobre o uso do capim-limão, é importante destacar que as sementes híbridas são aquelas produzidas a partir da polinização cruzada de plantas. Sua atividade, que deve ser especializada, exige mão-de-obra treinada e um rigoroso controle de qualidade.
Tais culturas híbridas apresentam resistência às principais pragas e doenças, alta produtividade, excelentes características comerciais e algumas têm melhor qualidade nutricional, se comparadas às existentes no mercado.
Nesta área, a Embrapa hortaliças tem pesquisado e produzido diversas cultivares híbridas, por meio de seus programas de melhoramento genético, com características altamente competitivas.
Erva-príncipe
Também é importante saber mais sobre o capim-limão – capim santo ou capim cidreira –, termo usado no Brasil para erva-príncipe, como é conhecido em Portugal. Trata-se de uma planta herbácea da família Poaceae, nativa das regiões tropicais da ásia, especialmente da índia.
Geralmente, cresce em uma moita de rebentos (planta cespitosa), espalhandose por estolhos (daí ser chamada de estolonífera). Apresenta folhas amplexicaules linear-lanceoladas e suas inflorescências são formadas por panículas amareladas. é da sua inflorescência que se extrai um óleo essencial usado em repelentes de insetos.
Normalmente, o capim-limão é usado pela medicina popular, a partir das folhas em infusão. É composto por propriedades febrífugas, sudoríficas, analgésicas, calmantes, antidepressivas, diuréticas e expectorantes. Também é um poderoso bactericida, hepatoprotectora, antiespasmódica, estimulante da circulação periférica e estimulante estomacal e da lactação.
Os compostos químicos a que se devem estas propriedades são ocitral, geraniol, metileugenol, mirceno, citronelal, ácido acético e ácido caproico. Todos eles – e mais especificamente o citral – propiciam um cheiro semelhante à lúcia-lima, bela-luísa ou limonete (Aloysia triphylla).
O fungo
Quando se fala em sementes de cebola, um de seus maiores inimigos é o Colletotrichum gloeosporioides f. sp. Cepae, um fungo que, nas épocas quentes e chuvosas, causa a doença antracnose ou mal-de-sete-voltas. Além de provocar lesões nas folhas da cebola, ele afeta os bulbos, que podem apresentar má-formação e, nos casos mais extremos, podridão. Mesmo quando a planta resiste ao ataque do microrganismo, seus bulbos não conseguem alcançar o padrão comercial que o mercado exige.
“Este fungo pode deteriorar a semente no armazenamento, inviabilizando sua germinação ou a emergência da planta que, caso se desenvolva, pode manifestar a doença e comprometer a produção”, relata o pesquisador Warley Nascimento, da Embrapa hortaliças.
Mal-de-sete-voltas
O mal-de-sete-voltas acomete as plantações de cebola desde a fase de canteiro até a colheita e armazenamento dos bulbos. Atualmente, sua denominação tem sido, quase que exclusivamente, usada com referência à antracnose foliar.
Em canteiros de mudas, a doença se manifesta sob a forma de tombamento (damping-off ), mela ou estiolamento. Mesmo antes da emergência, suas mudas podem apodrecer, ficando recobertas por uma massa rosada de esporos do fungo. No campo, onde a doença é distribuída em reboleiras, as características mais comuns são enrolamento, curvatura e amarelecimento de folhas.
Provoca ainda o alongamento e rigidez na região do pescoço das plantas, onde é possível verificar diversos pontos pretos, constituídas de acérvulos do patógeno. As folhas da cebola apresentam lesões alongadas, deprimidas, de coloração parda, com formação de numerosos acérvulos, normalmente distribuídos em círculos concêntricos.
Estas lesões podem crescer e coalescer, provocando a morte das folhas, que caem deixando o talo nu. Depois disto, é possível ocorrer a produção de bulbos pequenos, que podem apodrecer rapidamente, durante o armazenamento. A partir dos acérvulos, em condições de alta umidade, são liberadas massas gelatinosas de coloração rosada ou alaranjada, que contêm os esporos do fungo. O fungo sobrevive no solo, em restos de culturas e nas sementes.
Controle
Líder da pesquisa com capim-limão da Embrapa hortaliças, Warley Nascimento explica que, geralmente, para controlar o fungo do mal-de-sete-voltas, aplica-se nas sementes de cebola, antes de executar a semeadura direta no campo, um tratamento convencional à base de fungicidas de amplo espectro de ação. Mas com o objetivo de buscar métodos alternativos para o sistema produtivo orgânico, cientistas da estatal testaram, além do capim-limão, variados óleos essenciais de outras quatro espécies (citronela, manjericão, sálvia e tomilho).
“Os tratamentos alternativos com os óleos essenciais dispensam a utilização de fungicidas e propiciam melhor qualidade de vida para os produtores rurais”, garante Nascimento, alertando que este método é indicado para a agricultura familiar. “Mas também pode ser utilizado no sistema convencional, para minimizar a dependência de insumos químicos”, acrescenta.
Para elaborar a pesquisa da Embrapa hortaliças, foram avaliadas diferentes concentrações dos óleos essenciais diluídos em água, como forma de identificar o melhor deles e a dose perfeita para que o fungo fosse eliminado, sem causar prejuízos à germinação da semente de cebola.
Levando em conta que o padrão para a comercialização de sementes de cebola, em território nacional, estabelece um percentual mínimo de 80% de germinação, todos os óleos analisados ficaram acima deste valor, assegura o líder da pesquisa.
“A semente embebida em óleo de capim-limão foi a única que apresentou taxa de germinação superior à obtida pela semente não tratada, alcançando 97% de germinação”, destaca Nascimento.
Efeito dos óleos essenciais
De acordo com a Embrapa hortaliças, o tratamento de sementes é necessário para desinfetá-las e protegêlas de microrganismos prejudiciais, que estão presentes no solo. O papel do óleo essencial atende ao primeiro objetivo, considerando que elimina o fungo que está fixado à superfície da semente.
“Os óleos essenciais não apresentam efeito residual, a ponto de blindar a semente no solo, mas têm muito mérito ao garantir uma semente sadia e livre de contaminantes”, afirma o pesquisador Ricardo Pereira, da área de Fitopatologia da mesma unidade da estatal.
Ainda segundo a Embrapa hortaliças, os óleos essenciais trazem compostos químicos que exercem efeito tóxico no fungo. Seus tipos e quantidades são variáveis em cada óleo e, por isto, apresentam resultados diferentes no tratamento das sementes.
“Não necessariamente a ação desinfetante do óleo de capim-limão se dá pela presença de uma substância majoritária, mas pela combinação dos compostos químicos”, destaca a agroindustrial Maria isabel lozada, também envolvida com o estudo.
Na próxima fase da pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a equipe da Embrapa hortaliças pretende analisar o efeito dos óleos essenciais em sementes de outras dez espécies de hortaliças, dentre elas alface e cenoura, tanto para tratamento contra fungos quanto para bactérias.
Fonte: Embrapa nacional, Embrapa Hortaliças e Syngenta