Região pantaneira, erroneamente, era conhecida pelo produto apícola de má qualidade, mas tudo mudou após 13 anos de pesquisas, que culminaram na conquista do selo de IG, em 2015.
A primeira Indicação Geográfica (IG) para mel conferida em todo o Brasil foi conquistada, no ano de 2015, por apicultores do Pantanal, que abrange os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. sua certificação foi devidamente registrada e emitida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).
Responsável pelos testes científicos em apicultura na região pantaneira, o engenheiro agrônomo e mestre em Agronomia Vanderlei Doniseti Acassio dos Reis, pesquisador da Embrapa Pantanal, lembra que a localidade, erroneamente, era apontada e conhecida como não indicada para a obtenção de mel e de outros produtos apícolas em escala comercial, até porque algumas tentativas resultaram em produtos de má qualidade, com cores escuras e odores não satisfatórios.
Esse cenário foi mudando, durante mais de uma década de trabalho intensivo, graças à aprovação de seis projetos de pesquisa
Três desses projetos foram aprovados na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), dois no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e outro na Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect), que possibilitaram a execução de diversos estudos fundamentais para conhecer mais sobre as particularidades da apicultura no Pantanal e assim gerar, adaptar e transferir técnicas apropriadas para essa região.
“A produção de mel na região do Pantanal estimula o desenvolvimento da agricultura familiar, a mudança de paradigma (em relação à valorização da atividade) e a multifuncionalidade produtiva. É um processo de convencimento, de mudança e, principalmente, de incorporação de novos hábitos”, afirma Reis.
Seu trabalho na Embrapa tem como foco a entomologia agrícola, com destaque para pesquisas com abelhas africanizadas, apicultura, Apis mellifera l., Apis mellifera e produtos apícolas em geral.
Estudos
Os estudos da apicultura pantaneira, que duraram em torno de 13 anos, incluíram a seleção de equipamentos de proteção individuais (macacões apícolas, por exemplo), uso de colmeias padronizadas, escolha de embalagens mais adequadas para a obtenção de produtos de alta qualidade, entre outros. A partir daí, pesquisadores e produtores conseguiram desenvolver um mel de coloração clara, com sabor e aroma de floradas variadas de plantas do Pantanal.
Entre as conquistas, após mais de uma década de pesquisas, está a Indicação Geográfica (IG) do Mel do Pantanal, tornando a região apta à produção de mel, com o desenvolvimento de um produto com características específicas, destacadas com o novo selo de origem. Desde então, essa certificação tem beneficiado apicultores e demais interessados em produzir mel e derivados na região pantaneira.
Qualidade única
De acordo com a Embrapa Pantanal, recebem o selo de IG os produtos que apresentam qualidade única, por causa de características naturais, como solo, vegetação, clima e o saber fazer.
No caso do Mel do Pantanal, reforça a instituição, “o grande destaque é a produção aliada à conservação de um bioma único, em que a prática da apicultura pode ser desenvolvida em harmonia com a natureza, auxiliando em sua conservação, uma vez que a manutenção ou o plantio de espécies que apresentem floradas ou outros recursos vegetais, de interesse para as abelhas africanizadas (Apis mellifera), é requisito fundamental nessa atividade econômica”.
O mel, além de ser um alimento saudável, com aplicações em muitas áreas que envolvem a saúde e o bem-estar humano, é cada vez mais consumido por um público com maior poder aquisitivo e exigente em suas escolhas.
Conforme a Embrapa Pantanal, o apelo “ecologicamente correto” de um alimento, que é produzido de forma harmônica à preservação ambiental e por pessoas da região, “agrega valor e diferencia o mel pantaneiro”.
Abelhas africanizadas
O mel do Pantanal é produzido pelas abelhas africanizadas (Apis mellifera), a partir do néctar das flores ou das secreções procedentes de partes vivas das plantas, que esses insetos recolhem, transformam, combinam com substâncias específicas próprias, armazenam e deixam madurar nos favos da colmeia. O mel aparece como solução concentrada de açúcares e predominância de glicose e frutose.
O Pantanal possui 206 espécies de plantas apícolas catalogadas, sendo 86 ervas, 44 árvores, 44 arbustos e 24 trepadeiras. dentre elas, a assa-peixe, cumbaru, hortelãzinha e o tarumeiro são as mais procuradas pelas abelhas. Essa variedade de espécies, somada aos índices de temperatura e umidade, resulta em um mel silvestre singular, consistente, fino, de sabor forte e acentuado, além de ser levemente doce.
Floradas silvestres
A flora apícola do Pantanal é riquíssima, com floração durante quase todo o ano, o que favorece a produção de mel. O clima também é propício para a apicultura, em virtude da estabilidade da temperatura e de um inverno não rigoroso.
Em entrevista à Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), responsável pela circulação da Revista A lavoura há 121 anos, o pesquisador Vanderlei dos Reis, da Embrapa Pantanal, destaca que “as floradas são silvestres e, atualmente, isso é muito raro na apicultura mundial”.
“Os produtos apícolas (mel, pólen, própolis etc.) são, em sua grande maioria, obtidos em áreas agrícolas, tais como em culturas de girassol, canola, nabo forrageiro, macieira, laranjeira ou em áreas florestais (eucalipto, acácia mangium, entre outras)”, cita.
Reis ainda acrescenta que, “em regiões com coberturas vegetais, predominantemente nativas, no entanto, estão cada vez mais restritas as produções apícolas. E essa é uma das grandes vantagens competitivas da apicultura no Pantanal”.
Parcerias
O pesquisador destaca que o processo da IG, homologado pelo Inpi em 2015, só foi possível devido ao trabalho conjunto entre o serviço de Apoio a Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/MS, Sebrae/MT e Sebrae Nacional), Federação de Apicultura e Meliponicultura de Mato Grosso do Sul (Feams), Federação de Apicultura de Mato Grosso (Feapismat), Câmara setorial Consultiva de Apicultura de Mato Grosso do Sul, Associação Leste Pantaneira de Apicultores (Alespana), além da própria Embrapa Pantanal.
Reis também avalia a importância da certificação da IG para determinado produto: “As Indicações Geográficas agregam valor; promovem o produto comercialmente; garantem sua autenticidade; ampliam o número de consumidores fidelizados e dispostos a pagarem mais caro por eles do que os convencionais; favorecem a promoção do desenvolvimento regional; e ainda contribuem para a preservação da biodiversidade, do conhecimento tradicional e dos recursos naturais”.
Adesão individual e coletiva
O engenheiro agrônomo informa que a IG do Mel do Pantanal pode ser obtida de forma individual ou coletiva (associação ou cooperativa), independentemente da escala de produção do apicultor. “No entanto, sempre será para a mesma área geográfica delimitada da Indicação de Procedência (IP) do Mel do Pantanal, nos Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, que é baseada no mapa de Biomas do Brasil do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).”
Reis também ressalta que todo e qualquer apicultor do Pantanal pode ser considerado como detentor da Indicação Geográfica, “mas para isso terá de adotar todos os procedimentos recomendados pelo caderno de normas da IG do Mel do Pantanal e demais obrigações”.
Ainda destaca que a adesão à IG do Mel do Pantanal é voluntária, ou seja, “ocorrerão casos de apicultores estabelecidos na área de abrangência da localidade que não estarão associados a esse processo e, portanto, não poderão utilizar o selo da certificação, sendo esse fato comum em situações semelhantes no Brasil e no exterior”.
Para mais informações, acesse o caderno de normas disponibilizado pela Embrapa Pantanal pelo link (encurtado) http://ow.ly/108yxM.
Apiário registrado
O apicultor interessado em trabalhar com a IG Mel do Pantanal terá de ter o apiário registrado e georreferenciado, oficialmente, nos órgãos de defesa animal e vegetal de Mato Grosso do Sul ou Mato Grosso, Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro) e Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso do Sul (Indea-MS), respectivamente.
O produtor, além disso, terá de utilizar um sistema de rastreabilidade da produção e seguir as regras e critérios estabelecidos para a produção do Mel do Pantanal, enumeradas no “Regulamento de Produção da Indicação de Procedência do Mel do Pantanal do Brasil”, elaborado pelo Conselho das Federações, Cooperativas, Associações, Entrepostos e Empresas afins à Apicultura do Pantanal do Brasil (Confenal).
Segundo o pesquisador Vanderlei dos Reis, a maioria dos investimentos exigidos pela IG do Mel do Pantanal não deve ser feita em novos materiais ou equipamentos, mas na administração, planejamento e gestão do negócio apícola, ou seja, na profissionalização da atividade.
“Isso é muito bom, porque vai melhorar o controle, possibilitando que o produtor comece a verificar em qual etapa pode/deve aperfeiçoar a produção, quais são os gargalos e os diferenciais”, cita.
A região
O Pantanal é uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta e está localizado no centro da América do Sul, na bacia hidrográfica do Alto Paraguai. Sua área é de 138.183 quilômetros quadrados, com 65% de seu território localizado no Estado de Mato Grosso do Sul e 35% em Mato Grosso.
A região é uma planície aluvial afetada por rios, que drenam a bacia do Alto Paraguai, onde se desenvolvem fauna e flora de rara beleza e abundância, sendo influenciada por quatro outros grandes biomas: Amazônia, Cerrado, Chaco e Mata Atlântica.
Por causa de suas características e importância, essa área foi reconhecida pela Unesco (Organização das Nações Uunidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), no ano 2000, como “Reserva da Biosfera”, por ser uma das mais exuberantes e diversificadas reservas naturais da Terra.
Seus ecossistemas são caraterizados por cerrados e cerradões sem alagamento periódico, campos inundáveis e ambientes aquáticos, como lagoas de água doce ou salobra, rios, vazantes e corixos.
O clima é quente e úmido no verão, frio e seco no inverno. A maior parte dos solos pantaneiros é arenosa e suporta pastagens nativas, que servem de alimentos para herbívoros e para o gado bovino, introduzidos pelos colonizadores da área.
O Pantanal não é apenas um, considerando que estudos da Embrapa Pantanal já identificaram 11 pantanais, cada um com características próprias de solo, vegetação e clima. São eles: Cáceres, Poconé, Barão de Melgaço, Paraguai, Paiaguás, Nhecolândia, Abobral, Aquidauana, Miranda, Nabileque e Porto Murtinho.
Fontes: Embrapa Pantanal e Inpi