A produção da carne sintética, na foto, é feita a partir de células-tronco de bovinos e é muito similar a uma carne convencional (Foto: Aleph Farms/Divulgação)
O Ministério da Saúde de Israel concedeu na semana passada, 17 de janeiro de 2024, a aprovação para a empresa Aleph Farms comercializar seus produtos no país. É o primeiro lugar no mundo a liberar a comercialização de carne bovina cultivada.
Até então, somente Estados Unidos e Singapura permitem a venda de carne cultivada em seus territórios, porém as aprovações tinham sido relativas à carne de frango cultivada.
Essa aprovação concede à Aleph Farms permissão para produzir e comercializar seus produtos no território israelense, sujeita às diretrizes específicas para rotulagem e publicidade fornecidas pelo Ministério da Saúde local e à conclusão da inspeção da instalação de produção piloto.
O The Good Food Institute (GFI) foi a primeira organização a apresentar a tecnologia de carne cultivada aos reguladores israelenses e ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, por duas vezes (2020 e 2023), ocasiões em que ele experimentou a carne cultivada da empresa. Além disso, a Aleph Farms foi fundada com base no projeto de doutorado de um ex-cientista sênior do GFI, doutor Tom Ben Arye Cohen.
“A aprovação da carne cultivada da Aleph Farms em Israel representa um avanço monumental para o setor de proteínas alternativas globalmente. Este é um exemplo brilhante do que a inovação, aliada à ciência e à sustentabilidade, pode alcançar”, afirma o presidente do The Good Food Institute Brasil, Gustavo Guadagnini.
Novidade pode chegar ao Brasil
Na avaliação de Guadagnini, esse é um sinal promissor para o Brasil.
“O fato de que este produto específico já está programado para chegar ao Brasil, em parceria com a indústria local, é um testemunho do potencial que a carne cultivada tem para revolucionar o sistema alimentar, oferecendo alternativas sustentáveis e éticas sem comprometer o sabor ou a tradição”.
Ele explica que este também é um momento crucial para Brasil, uma vez que o país também publicou seu o primeiro caminho regulatório para produtos do tipo e pode se posicionar como líder na adoção e na inovação de proteínas alternativas,
“Isso traz benefícios tanto para a nossa economia como para o meio ambiente”, comemora Guadagnini.
No final de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a Resolução RDC Nº 839, regulamentando o registro de alimentos e ingredientes inovadores, incluindo os oriundos de cultivo celular e fermentação, o que coloca a ‘carne’ cultivada em laboratório no rol das proteínas autorizadas
Até agora, somente duas empresas norte-americanas comercializam, em pequena escala, produtos baseados em carne cultivada de frango, a Good Meat e a Upside Food.
A liberação para o comércio dos produtos da Upside Food ocorreu primeiro em Singapura, em dezembro de 2020. Dois anos depois, foi a vez de os Estados Unidos autorizarem o procedimento e, em março de 2023, liberarem os produtos da Good Meat.
No Brasil, ainda não há comercialização de carne sintética, porém cinco empresas já desenvolvem tecnologias similares: as gigantes JBS e BRF, que trabalham em parceria com empresas e pesquisadores da Espanha e de Israel, respectivamente, além de três empresas menores, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
Em 2021, inclusive, a BRF foi a única empresa brasileira de alimentos a participar da segunda rodada internacional de investimento da Aleph Farms.
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O que é a carne cultivada?
A produção de “carne de laboratório” é feita a partir de células-tronco de bovinos.
Também chamada de cell-based meat (carne feita de células), a carne sintética não é simplesmente algo parecido com a carne bovina, é a própria carne, segundo matéria da Fapesp
Cientificamente, o primeiro hambúrguer in vitro nasceu na Universidade de Maastricht, na Holanda, a partir das pesquisas do fisiologista Mark Post, que começaram em 2008.
Os resultados da “nova carne”, feita de células de músculo de vacas criadas em seu laboratório, foram apresentados cinco anos mais tarde, em Londres (Inglaterra).
Em 2013, no entanto, três pessoas que provaram o hambúrguer – o próprio Post e dois especialistas em gastronomia – concordaram que a carne estava um pouco seca e pobre em sabor, devido à falta de gordura em sua composição, conforme publicou o jornal The New York Times (EUA), naquela ocasião.
Como é o produto liberado para venda em Israel?
O primeiro produto a ser lançado pela empresa sob a marca Aleph Cuts será o “Petit Steak”, um bife cultivado a partir de células de Angus premium.
O produto híbrido de carne é composto por células não modificadas e não imortalizadas de uma vaca Angus preta premium, com uma matriz de proteína vegetal feita de soja e trigo. Além das células derivadas de um dos óvulos fertilizados da vaca, não há outros componentes de origem animal no processo de cultivo ou no produto.
O processo controlado e rastreável é realizado em um ambiente de produção asséptica, o que reduz significativamente os riscos de contaminação e exclui a necessidade da presença de antibióticos.
Assim que os requisitos de rotulagem e inspeção da instalação forem concluídos, o será disponibilizado em restaurantes selecionados para, depois, ser distribuído para outros serviços de alimentação e varejo.
Quanto ao custo, a empresa revelou que, no momento do lançamento, o Petit Steak terá preços semelhantes aos da carne bovina premium convencional.
A empresa já solicitou autorização para venda em Singapura, Suíça, Reino Unido e nos Estados Unidos.
Quais as vantagens da carne sintética?
A carne cultivada não depende da agricultura de gado, de extensas áreas de terras agrícolas ou de grandes quantidades de água.
Com isso, a produção também pode contribuir para a contenção das mudanças climáticas, uma vez que não depende do uso da terra e ainda evita a emissão de gás metano pelo arroto dos bovinos. O metano é um dos principais responsáveis pelo efeito estufa.
Os benefícios também se estendem para a segurança alimentar, uma vez que promove fontes alternativas de proteína a países sem condições ideais para a pecuária.