Emendas à PEC 45, que tramita na Câmara Federal, já foram encaminhadas por deputados da bancada ruralista, a pedido de instituições que representam tanto produtores rurais quanto agroindústrias. Elas solicitam “tratamento diferenciado” para o agronegócio
A ameaça do fim da Lei Kandir, que poderá taxar as exportações de commodities agrícolas, fez com que representantes de diversas instituições e empresas do agronegócio brasileiro deflagrassem um forte movimento para garantir benefícios e condições especiais nas propostas de reforma tributária, que está em discussão no Congresso. Para o setor, a reforma – como está sobre a mesa – onera a produção de alimentos, segundo publicação do jornal Valor Econômico.
De acordo com a Confederação da Agropecuária e Pecuária do Brasil (CNA), o texto que está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) se refere à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/20119, de autoria do senador por Minas Gerais Antonio Anastasia, que prevê a revogação da não incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as vendas externas, o que preocupa a Confederação.
Segundo o Valor Econômico, dezenas de emendas à PEC 45, que tramita na Câmara dos Deputados, já foram encaminhadas por deputados da bancada ruralista, a pedido de instituições que representam tanto os produtores rurais quanto as agroindústrias. Elas solicitam “tratamento diferenciado”, com direito a uma alíquota menor que o percentual padrão, a ser definido para o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), novo modelo de imposto único que vem sendo proposto.
Unificação de cinco tributos
O IBS unifica cinco tributos: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Serviços (ISS), o Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
O setor ainda quer garantir a devolução pelo fisco de seus créditos tributários acumulados ao longo da cadeia e ainda assegurar os créditos na exportação com prazo entre 60 a 120 dias para receber. Também faz questão de pedir a manutenção das isenções de tarifas sobre as exportações.
Para o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Marcelo Vieira, a revogação da Lei Kandir representa um grande retrocesso ao País. Em um comunicado à imprensa, a instituição – que acaba de completar cem anos de atuação no Brasil – alerta que, em caso de aprovação pelo Congresso Nacional, o agronegócio brasileiro estará ameaçado.
Ainda no comunicado, ele reafirma que a PEC 45 vai na contramão das propostas de reforma tributária, em discussão pelo governo federal e é um “disparate” justamente no momento em que os Estados debatem a cobrança da tributação do ICMS no destino.
“A medida sacrifica, direta ou indiretamente, todos os setores da economia, e ainda pode trazer efeitos devastadores ao agronegócio, atualmente responsável por 48% das exportações do Brasil”, diz Vieira.
Setor diferenciado
“A Constituição já estabeleceu que nosso setor é diferenciado e só estamos exigindo esse tratamento na reforma tributária, já que a fonte da nossa produção é primária e quanto mais desonerarmos os produtos agrícolas mais competitividade nossa economia terá”, disse o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado pelo Rio Grande do Sul Alceu Moreira.
O líder da chamada bancada ruralista, que conta com 270 deputados e senadores, pondera, no entanto, que o tema ainda merece aprofundamento e várias oficinas técnicas vêm sendo conduzidas para afinar a articulação e o discurso em defesa do setor.
Em uma das emendas sugeridas por iniciativa do setor, o deputado paranaense Sérgio Souza, vice-presidente da bancada, argumenta que a agropecuária tem peculiaridades que justificam tratamento “favorecido”, tese de consenso entre instituições representativos do agro, como a própria CNA Brasil.
Possíveis prejuízos
De acordo com publicação do Valor Econômico, a lista de especificidades inclui: a grande maioria dos produtores é de pequeno porte e pessoa física, o que dificulta a apuração dos impostos; o custo de produção é elevado com os insumos; e um aumento dos impostos sobre alimentos que compõem a cesta básica acarretaria pressão inflacionária.
“Os incentivos fiscais existentes são indispensáveis para que o desenvolvimento das atividades agropecuárias, pesqueiras e florestais, bem como as respectivas indústrias de processamento, seja factível. A proposta de reforma tributária que não leve em consideração esse ponto será demasiadamente prejudicial no desenvolvimento das atividades”, indica a justificativa da emenda.
“A gente precisa da restituição do imposto e garantir, na Constituição, a restituição automática do crédito acumulado na exportação, para não acabar com a nossa competitividade”, diz André Nassar, presidente da Associação Brasileira Indústrias Óleos Vegetais (Abiove), instituição que reúne tradings como ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus.
Pequenos produtores de leite
Marcelo Martins, diretor-executivo da Viva Lácteos, que engloba os maiores laticínios do País, se diz preocupado com a grande maioria dos produtores brasileiros de leite, de pequeno porte (algo em torno de um milhão), que terão dificuldade operacional de computar débitos e créditos tributários tanto na compra de insumos quanto na venda do produto.
“Se todos os produtores de leite fossem grandes, não teríamos que discutir isso, mas eles são pequenos e o que estamos pedindo não é benefício e sim adequação à realidade”, comenta o executivo.
Para o tributarista Eduardo Lourenço, sócio do escritório Maneira Advogados, as PECs – sob apreciação no Congresso – “majoram” tributos para o setor de agronegócios e não contribuem para manter a carga tributária no país, de acordo com a premissa anunciada pela equipe econômica do governo Bolsonaro.
A outra PEC (a de nº110/2019), que tramita no Senado, já prevê regime diferenciado para o setor do agronegócio, prevendo uma série de benefícios fiscais como possibilidade de isenção tributária, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão para alimentos.
OCB: ‘batalha será árdua’
Presidente da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), Márcio Lopes admite que a batalha no Legislativo será “árdua” e defende que o setor precisa estar preparado para a “óbvia” reação negativa que virá no Congresso.
“No gogó, na bravata, não vai passar. Mas na mexida das cadeiras sabemos que vai sobrar tributo e não queremos oneração do nosso setor”, diz o executivo.
Uma das críticas que poderão surgir, por exemplo, é que o setor já conta com desoneração tributária sobre insumos como agrotóxicos, sementes e adubos utilizados nas lavouras. Recentemente, Santa Catarina passou a taxar defensivos agrícolas por motivação ambiental. E desde 2016 uma ação do Supremo Tribunal Federal (STF), movida pelo Psol, questiona a concessão de isenções como essas dadas a agroquímicos.
Segundo a advogada Virgínia Pillekamp, do escritório Mattos Filho, hoje o setor de agronegócio tem muitos benefícios. “É o setor com a maior quantidade de benefícios fiscais hoje e o menos tributado como um todo.”
A PEC 45 não prevê benefício fiscal para ninguém, segundo Virgínia, e outros setores também estão fazendo movimentos semelhantes, como planos de saúde, transporte, educação, medicamentos, aviação, bebidas, entre outros. “Temos que ver qual o apetite que os congressistas terão para aprovar um benefício de um setor e outro não. O setor agro é muito relevante e a bancada é forte.”
Posição da CNA Brasil
Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins também defende a manutenção da Lei Kandir. Ele tratou desse assunto durante um encontro realizado no último dia 18 de setembro, em Brasília, com o senador pela Paraíba Veneziano Vital do Rego, relator da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.
Na visão de Martins, é fundamental manter a Lei Kandir, vigente em um momento em que o Brasil tem conquistado a abertura de novos mercados em outros países e blocos para aumentar e diversificar a pauta de exportação de produtos do agro.
Ganhos sociais
Em sua opinião, nesse contexto, a revogação da Lei Kandir (de 1996) prejudicará o setor. “Precisamos desta continuidade da Lei Kandir para sermos competitivos”, diz o presidente da CNA Brasil, reforçando que essa lei proporcionou ganhos sociais e desenvolvimento aos Estados.
O senador Veneziano Vital do Rego se comprometeu a analisar as demandas da instituição sobre a Lei Kandir e discutir os pontos com outros senadores, que acompanham o tema, em busca de uma proposta de consenso.
“É fundamental ter informações técnicas para saber o que será posto em discussão. E o agro nos últimos anos, em meio a períodos sucessivos de crise, tem sido o esteio para que tenhamos uma balança comercial que nos é favorável. E o olhar sensível às propostas do agro será levado aos outros senadores para a discussão”, afirmou o parlamentar, durante o encontro com João Martins.