Produtora de soja em Mato Grosso, Norma Gatto faz parte de um grupo cada vez mais crescente de mulheres que vem comandando fazendas Brasil afora. Para 2019, ela foi escolhida como o rosto da quarta edição do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA)
Sempre nos bastidores acompanhando de longe os negócios da família, Norma Gatto atuava somente como conselheira e parceira até a morte do marido, que cultivava soja ao lado do sogro, em uma propriedade rural de Mato Grosso.
“Como filha e esposa de produtor rural, sempre me vi entre os assuntos da fazenda, mas nunca dediquei meu tempo e minha atenção de forma integral ao negócio, até o ano 2000, quando me vi frente a um dos maiores desafios da minha vida”, conta a agricultora.
Norma Gatto faz parte de um grupo cada vez mais crescente de mulheres empreendedoras, que vem comandando fazendas Brasil afora. Para 2019, ela foi escolhida como o rosto da quarta edição do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA), que será realizado nos dias 8 e 9 de outubro, no Transamérica Expo Center, em São Paulo (SP).
“Escolhemos a Norma como nosso rosto para esse ano devido à sua história de vida e também por ser um exemplo de determinação e superação para nós, mulheres”, justifica Renata Camargo, show manager do CNMA.
O encontro reunirá mulheres do setor agropecuário de todo o País para a troca de ideias e experiências, sempre com atenção ao papel da mulher no agronegócio brasileiro.
Posição de destaque
“Com a presença cada vez mais marcante da mulher em posições de importância no setor, temos no Congresso uma oportunidade de reunir essas representantes e promover um espaço para debates e, principalmente, ouvi-las, visando entender quais são seus objetivos e angústias quando olham para o mercado”, destaca Renata, salientando que a figura feminina no agro deixou de ser coadjuvante e passou a protagonista.
Após perder seu marido, a fundadora do Grupo Gatto decidiu que era hora de assumir seu papel nos negócios da família e tomar à frente como gestora.
“Sempre acreditei que tudo a que nos propomos a fazer em nossas vidas e que nos dedicamos para conquistar nos proporcionará o sucesso que almejamos, e foi com esse pensamento que toquei em frente as fazendas. Não vou dizer que não senti certo desconforto logo no começo, pela falta de conhecimento no setor agrícola, mas tive também muitos parceiros que me ajudaram a entender melhor esse negócio”, relata Norma.
Enfrentando desafios
Ela diz que estar presente em eventos e participar de cursos sobre o setor foi muito importante para entender melhor esse universo e se preparar para os desafios que encontraria pela frente.
“Hoje, o cenário é bem diferente. A mulher tornou-se agente de mudanças e transformações, não só no setor do agronegócio, mas também em outras áreas que antes eram dominadas pelo sexo masculino. A busca por aperfeiçoamento é muito grande”, afirma.
Após quase 20 anos, Norma atualmente se considera uma entusiasta da presença feminina no agronegócio, sendo convidada frequentemente para contar suas experiências em palestras e eventos.
“Quando levo minha experiência para um grupo de mulheres que está desbravando esse setor, como eu, tento deixar claro que dependemos apenas de nós mesmas, de nossa garra e, principalmente, da nossa intuição. Quero muito poder auxiliar mais mulheres nesta jornada. Encorajá-las de que a boa gestão é fundamental e é necessário saber como melhorar o crescimento da produtividade.”
Reconhecimento
Para ela, o convite da organização do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio é um dos mais importantes que já recebeu, pois é um reconhecimento de sua trajetória.
O CNMA “é uma oportunidade de reafirmar a importância da mulher na atividade e também de nos unirmos, termos voz e sermos ouvidas. Será um momento para debater nossas dores e ouvir relatos de outras que podem nos inspirar para evoluirmos e crescermos ainda mais em nossos negócios”, destaca Norma.
Com o tema “AGIR – Ação Global: Integração de Redes”, a quarta edição do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio debaterá, de forma mais profunda, sobre as principais cadeias produtivas do agronegócio, demonstrando como elas se tornaram muito mais instantâneas e dinâmicas com o passar dos anos.
As inscrições podem ser feitas pelo site do evento (www.mulheresdoagro.com.br) até o mês de abril, com um desconto especial de primeiro lote.
O que elas dizem e precisam
Ter acesso à capacitação é uma demanda das produtoras rurais do Brasil, constatada em uma pesquisa realizada com mais de quatro mil mulheres do agro em 17 países e divulgada recentemente pela Corteva AgriscienceTM, parceira da Abag e da Fundação Dom Cabral (FDC) na criação da Academia de Liderança das Mulheres do Agronegócio, durante o 3ª CNMA realizado em outubro do ano passado.
A pesquisa identificou as principais barreiras que impedem as mulheres de ter uma participação plena e bem sucedida no agronegócio. Como exemplo, no País, 78% das entrevistadas dizem existir desigualdade de gênero no campo e apenas a metade se considera tão bem-sucedida quanto os homens.
O levantamento também mostra que cerca de 40% das entrevistadas relataram ter renda menor do que os homens e menos acesso a financiamento.
Para derrubar essas barreiras cinco ações-chave foram identificadas:
* Mais treinamento em tecnologia (citado por 80%)
* Mais educação acadêmica (citado por 79%);
* Mais apoio – jurídico e de outras formas – para ajudar as mulheres na agricultura que sofrem discriminação de gênero (citado por 76%);
* Comunicar mais amplamente (ao público em geral) os sucessos e contribuições das mulheres na agricultura (citado por 75%);
* Sensibilizar o público para a discriminação de gênero na agricultura (citado por 74%).
Mais dados
A pesquisa da Corteva ainda mostra que:
* 78% acreditam que existe discriminação de gênero no Brasil (mais do que a média global, que é de 66%);
* 90% têm muito orgulho do ofício no Brasil (mais do que a média global de 70%);
* 63% das brasileiras acreditam que atualmente existe menos discriminação do que há * 10 anos (dentro da média global);
* 44% das brasileiras consideram que o País levará em média de uma a três décadas para alcançar equidade entre os gêneros;
* 49% dizem que ganham menos que os homens;
* 42% dizem que têm menos acesso a financiamento do que os homens.
* Para as produtoras brasileiras, família e estabilidade financeira estão no topo das preocupações. “Por mais que tenham orgulho do que fazem, o trabalho aparece como uma das últimas prioridades”, aponta pesquisa feita em 2018 pela Corteva.
Profissionalização
O agribusiness (ou agronegócio em geral) e o segmento de gestão de projetos voltados para o setor agropecuário eram, até pouco tempo atrás, dominado por homens. Mas dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apontam para uma mudança nesse cenário, a partir da profissionalização por meio de cursos de ensino superior.
Conforme o IBGE, mais da metade das mulheres brasileiras vai para a universidade, representando 55,1% do corpo de alunos de ensino superior de todo o País; e 58,8% dos universitários que concluem os cursos são mulheres. Mesmo as mulheres sendo maioria nas universidades, ainda segundo o Instituto, apenas 30% seguem profissões de engenharia (cursos gerais).
Exemplos dessa profissionalização no agro vêm de de Priscila Sleutjes, Mariana Feltrin e Michelle Scachetti, engenheiras agrônomas atuantes no mercado do agronegócio de grandes instituições; e de Marília Verdugo, que é formada em Engenharia Química com MBA em Engenharia e Gestão de Qualidade e ainda atua na área de gestão e qualidade.
Obstáculos
As quatro engenheiras tiveram de passar por cima das barreiras que o mercado impunha para alcançarem seus objetivos profissionais.
“O setor do agronegócio é ainda na sua grande parte masculino, como mulher, sempre tive que estar mais bem preparada para assumir os cargos que me propus”, explica Priscila, diretora executiva da Associação Sudoeste Paulista de Irrigantes e Plantio na Palha (Aspipp).
Os desafios de se manter na profissão, além das dificuldades para entrar no mercado de trabalho, são diários e um deles é o de conseguir passar credibilidade.
“Por ser mulher e mais jovem do que o público que lido, há momentos em que parece que a credibilidade do que eu exponho é colocada à prova”, diz Michelle Scachetti, consultora no Grupo de Trabalho de ACV do RenovaBio (Política Nacional de Biocombustíveis) da Fundação Espaço Eco, que tem a Basf como instituidora.
Já Marília Verdugo, especialista em Projetos da Fundação Espaço Eco, diz que, “hoje, sou uma jovem executiva com dez anos de experiência em gestão empresarial e gestão da qualidade e vejo que o principal obstáculo a superar é o de me posicionar, influenciar e modificar processos tradicionais”.
Superações
Para elas, mesmo com todos os obstáculos, ser mulher é apenas um pequeno detalhe, assim como enfatiza Mariana Feltrin, representante Técnica de Vendas da Basf.
“Se você entra em qualquer profissão pensando no fato de ser mulher, já está começando errado. Tem de ter em mente que é um ser humano acima de tudo e, por isso, é capaz de qualquer coisa.”
Incentivar outras mulheres e mostrar para elas que profissão não tem sexo, mas empenho e dedicação, é o principal objetivo, segundo comenta Michelle Scachetti: “É necessário incentivar as mulheres que estão iniciando na área, conversar com elas sobre as dificuldades e compartilhar os sucessos”.
Ela acrescenta: “Não podemos nos intimidar frente a momentos constrangedores e isso ocorre com frequência – falar de roupa, cabelo, etc, em um tom pejorativo, como se apenas aquilo desse credibilidade para o nosso trabalho”.
“Acreditar que você é capaz, te torna capaz, e nunca subestime sua capacidade de atingir seus objetivos”, sentencia Priscila.
Homenagem da revista A Lavoura
A revista A Lavoura, que conta com uma equipe formada por mulheres e encabeçada pela editora-geral, Cristina Baran, parabeniza a todas pelo Dia Internacional da Mulher, salientando que oito de março é uma data para reforçar debates em torno do empoderamento feminino, mas sua luta merece respeito e dignidade durante os 365 dias do ano.