Pouco se aproveita do melhoramento genético das variedades de cana-de-açúcar se não houver manejo adequado no campo. Os pacotes tecnológicos desenvolvidos nos últimos 40 anos resultaram no dobro do número de rebrotas da cana, entretanto, o manejo inadequado pode jogar por terra essas conquistas. Um exemplo está na colheita mecanizada, que pode diminuir o potencial de rebrotas das soqueiras pelo forte impacto e por aumentar a ocorrência de fungos e doenças. Pesquisa desenvolvida pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) reduz de 3,4% para 0,2% a quantidade de soqueiras arrancadas que, portanto, não rebrotam mais.
A pesquisa mostra que a mudança do sistema de corte de base da cana feito com lâminas retangulares e com corte por impacto – utilizado normalmente – para o sistema desenvolvido pelo IAC, com lâminas serrilhadas e corte por deslizamento, reduz também o ataque de fungos e doenças às soqueiras e diminui a deterioração da cana que chega para as usinas. Esse tipo de lâmina aliado com o corte é um estudo inédito no País.
No estudo do IAC, depois de colher toda a cana, as soqueiras foram classificadas entre intactas, semi-abaladas, abaladas e arrancadas. No modo convencional, apenas 54,3% das soqueiras se mantinham intactas, enquanto que pelo sistema IAC o índice chega a 71,5%, um ganho de 31,7%. Segundo o pesquisador do IAC, Roberto da Cunha Mello, os cortadores de base que vêm sendo utilizados, além de causar alto volume de perdas de cana, também provocam redução na produtividade potencial devido aos danos causados na soqueira.
Melhoramento genético
Atualmente, a cana-de-açúcar consegue ter entre cinco e seis rebrotas, graças às pesquisas com melhoramento genético. “Não adianta desenvolver uma variedade de cana perfeita se não gerarmos um ambiente externo adequado. O manejo equivocado reduz a expressão das características genéticas. A quantidade de rebrota da cana dobrou nos últimos 40 anos por conta do uso de pacotes tecnológicos e a colheita é uma das características que influenciam no bom resultado de uma variedade”, explica o pesquisador do IAC, Marcos Guimarães de Andrade Landell, responsável pelo Programa Cana IAC, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo.
Colheita mecanizada
A colheita mecanizada da cana-de-açúcar possui a vantagem de ser mais rápida e ter melhores condições de trabalho que a colheita manual, porém, as perdas causadas pela mecanização chegam a 15%, enquanto esse percentual é de apenas 5% no processo manual. “Com o sistema de corte de base feito com lâminas serrilhadas e por deslizamento desenvolvido pelo IAC, há uma sensível redução nas perdas totais”, diz Roberto da Cunha Mello, pesquisador do IAC. Segundo Landell, 70% dos canaviais paulistas são colhidos por máquinas e a tendência é que nos próximos anos o índice atinja 100%.
Mello explica que as colhedoras cortam a cana em sua base pelo impacto, usando um disco rotativo com múltiplas lâminas. “O rolo defletor empurra a cana para frente antes de cortá-la para facilitar a alimentação pelos rolos alimentadores. A deflexão e o corte de base são responsáveis por danos na soqueira e na cana colhida”. O pesquisador faz uma analogia para facilitar a compreensão do estrago causado na planta pela força do sistema anterior. “Se você pegar um tomate e cortá-lo com um único impacto da faca, vai espirrar tomate pela sua cozinha inteira, mas se você cortá-lo com uma faca de serrinha, não vai danificar tanto”, exemplifica Mello.
Outra vantagem para os produtores de cana é a durabilidade das lâminas, que sofrem menor desgaste por ser possível colher a cana levemente acima da superfície do solo. Enquanto as lâminas convencionais têm que ser trocadas diariamente, as serrilhadas duram em média seis dias. No sistema estudado pelo IAC, o investimento na troca das lâminas é maior – cerca de quatro vezes mais que as em uso – mas o investimento é logo revertido em lucro, devido à durabilidade e também à quantidade de tempo gasto na troca das lâminas, que pode ser convertido em trabalho no campo.
Mais benefícios
Segundo Mello, outro benefício para as usinas está na redução da deterioração da matéria-prima que chega para ser processada. Depois de cortada, a cana começa a se deteriorar (oxidar). Como nesse sistema ela não sofre tanto dano, há uma redução nesse processo. O sistema com lâminas serrilhadas e inclinadas e o corte por deslizamento ainda reduz a quantidade de terra na cana fornecida às usinas.
Há dez anos o Instituto Agronômico trabalha nessas pesquisas de corte de cana com lâmina serrilhada. O IAC teve como parceiros na pesquisa as usinas São Martinho, da cidade de Pradópolis, Equipav, do Oeste Paulista, e foram financiadas pela agência de fomento australiana Sugar Research and Development Corporation. O estudo teve também o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os testes foram realizados em campo nas safras de 2006, 2007 e 2008.