Os estudos de Romeu Kiihl permitiram o cultivo da oleaginosa em todas as regiões do país
Romeu Afonso de Souza Kiihl, 71 anos de idade, completa, em 2013, 50 de trabalhos na área de pesquisa em melhoramento da soja. Paulista de Caconde, engenheiro agrônomo pela Esalq/USP, turma de 1965, M.S. (Agronomia, 1968) e Ph.D. (Agronomia, 1976) pela Mississippi State University, é um dos responsáveis pela adaptação da oleaginosa no Brasil. Uma das suas principais contribuições foi constatar a importância da latitude (23°) para produzi-la em todo o país. Foi agraciado com Prêmio Deusa Ceres, pela Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo (AEASP), que o elegeu Agrônomo do Ano (2012) e, ao longo da sua carreira, recebeu dezenas de premiações e condecorações por suas pesquisas e trabalhos publicados. Atualmente, exerce o cargo de diretor científico e melhorista de germoplasma na TMG – Tropical Melhoramento e Genética.
Kiihl conta que as primeiras observações com a soja no Brasil foram iniciadas no final do século XIX, na Bahia, por Gustavo Dutra e, no início do século XX, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) também realizou algumas pesquisas. Nos anos 30/40, já era cultivada no Rio Grande do Sul, porém, começou a se expandir na década de 60. “Quando fui para o IAC trabalhar com soja, em 1965, o Brasil tinha produzido 490 mil e poucas toneladas. Hoje, existe agricultor que produz essa quantidade”, conta o pesquisador.
Originária do nordeste da China, com latitude ao redor de 45° norte, Dr. Kiihl esclarece que durante muitos anos a oleaginosa foi cultivada no meio oeste norte-americano, que tem latitude semelhante. Mas, em 1949, o Dr. Edgar E. Hartwig, que trabalhava no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, na Carolina do Norte, foi transferido para Stoneville (Mississippi), com a missão de coordenar todo o programa de melhoramento de soja no sul dos Estados Unidos. “Acontece que Stoneville fica a 33° latitude, então já houve um distanciamento da latitude de origem da soja. Consideramos Hartwig o gênio dos gênios, o maior melhorista de soja do mundo e, para minha felicidade, foi meu orientador e tinha o interesse em adaptar a soja para as várias regiões do mundo”, conta.
Adaptação às latitudes
Em 1966, Kiihl foi para os Estados Unidos fazer pós-graduação. Uma das recomendações de Hartwig era que o jovem estudante precisava compreender bem a importância do fotoperiodismo, a adaptação da soja às várias latitudes. Ele lembra que “o professor, então, disse que eu teria que desenvolver uma tese com ele, na qual eu estudaria a segregação para florescimento e altura de plantas nas condições de Stoneville, 33° de latitude, e nas condições simuladas de Campinas, 23º de latitude, onde eu iria trabalhar quando retornasse ao Brasil. Hartwig me deu o treinamento inicial, depois, eu fiz o mestrado e o Ph.D., com ele, em genética e melhoramento”.
Ao retornar ao Brasil e ao seu trabalho no IAC, Kiihl encontrou dois pesquisadores brilhantes, em sua opinião: Shiro Myiasaka, então chefe da Seção de Leguminosas, e Geraldo Guimarães, pesquisador em arroz, do Serviço do Vale do Paraíba, que tinha interesse em desenvolver soja para a entressafra de arroz, para cultivo em maio/junho, naquela região. Para lá, eles levaram uma coleção de soja para avaliar e, entre elas, tinha uma chamada Santa Maria, que se adaptava bem às condições de dias curtos. “Fui ver esse experimento e, como todo jovem impetuoso e entusiasmado, disse que, provavelmente, poderia desenvolver tipos melhores. Em 1971, levei minhas populações para Pindamonhagaba, no Vale do Paraíba, onde selecionamos linhagens para o plantio na entressafra de arroz. Eu sabia que conseguiria desenvolver soja adaptada aos dias curtos”, relembra.
Testes no NE
No ano seguinte (1972), chegou à seção de Leguminosas do IAC um grupo do Nordeste, ligado à Sanbra, hoje Bunge, onde existia um órgão chamado Infaol (Instituto de Fomento ao Algodão e Oleaginosas). Recorda que tinha um pesquisador chamado Fernando, de quem não lembra o sobrenome, que trabalhava em Sapé, na Paraíba, que fica mais ou menos 8°de latitude, onde existiam boas condições de trabalho com irrigação. O pesquisador nordestino concordou em testar para Kiihl umas 50 linhagens que queria levantar data de floração, altura de planta, na floração e na maturação.
Assim, iniciavam-se os estudos que permitiriam o cultivo da soja em todas as regiões brasileiras. “Enviei as linhagens que tinha selecionado em Pindamonhangaba, para dias curtos e baixas latitudes, mas também havia uma complicação: a temperatura muito baixa no inverno. Queria confirmar o comportamento em temperaturas mais altas. Quando o Fernando mandou os resultados, eu disse: opa, está pronto, nós fazemos soja para qualquer lugar do Brasil trabalhando na latitude de 23°. Esta passou a ser a latitude chave para fazer melhoramento no país, inclusive a Embrapa montou o seu Centro de Pesquisa de Soja em Londrina, que está próxima à latitude de 23º. A nossa empresa, a TMG, também está nessa região”, diz o pesquisador.
Em 1974, Kiihl deixou o Agronômico de Campinas, transferindo-se para Londrina, para trabalhar no Iapar (Instituto Agronômico do Paraná) e, em 1978, na Embrapa Soja, onde ele e mais uma equipe de pesquisadores passaram a usar uma combinação de época de plantio, para selecionar material para adaptação ao Sul do Brasil, ao Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Período juvenil
“Tínhamos o que chamávamos de Região Tradicional, que seria o Paraná e resto do Sul, Região de Expansão, que englobava o oeste de São Paulo, Mato Groso do Sul, Minas, Sul de Goiás e, finalmente, Região Potencial, que incluía o restante do Brasil. A prioridade era trabalhar por região, mas conseguiram desenvolver variedades para o país inteiro. Tinha equipes de pesquisa do Rio Grande do Sul até Maranhão, de Barreiras (BA) até Vilhena (RO). “Essa característica, que trabalhávamos desde os anos 60, nós a chamávamos de florescimento tardio em dias curtos, hoje, conhecida como período juvenil longo. Quase tudo que se planta no Centro-Oeste, Norte e Nordeste tem essa característica, período juvenil longo, que foi a grande chave para adaptação da soja às baixas latitudes”, explica Kiihl.
Segundo ele, hoje, mais da metade da soja está no Centro-Oeste e “o pulo do gato” foi o período juvenil longo. E explica: “Começa-se qualquer estudo sobre comportamento de soja com 30 graus de temperatura diurna e 20° C noturna, mais ou menos as condições encontradas na Chapada, temperatura amena à noite e boa distribuição de chuva no verão. Sempre achei que a Chapada era o ninho da soja, porque possui temperaturas ideais, a distribuição de chuvas é boa, os solos, no geral, são planos e próprios para a mecanização. O que há de ruim: os solos são ácidos e não têm boa fertilidade. Mas na Chapada o que não dá para consertar é bom; o que é ruim, dá para corrigir. Resumindo, o que não dava para arrumar era bom, o que faltava, era possível para fazer. Portanto, o Brasil tem condições ideais para a soja.”
Lavoura-pecuária-floresta
Romeu Kiihl confessa que sempre sonhou e que hoje, em sua opinião, está se aproximando da realidade, com a integração lavoura e pecuária e, melhor ainda, lavoura, pecuária e floresta. “O nosso futuro está ligado a esta tecnologia”, diz ele, acrescentando que “se fosse estabelecer uma diretriz para a pesquisa no Brasil, seria a seguinte: trabalhar em sistemas, sempre que possível, combinados — floresta, agricultura e pecuária. O sistema de rotação. E, dentro da agricultura, fazer a rotação de culturas também. “Isso é o futuro, porque agricultura sustentável é assim, agricultura a mais limpa possível.” E o que seria mais limpa possível?
Os programas de melhoramento sempre trabalhando com o sistema de manejo integrado de doenças e pragas, colocando o mínimo possível de defensivos.
Quando Kiihl começou a trabalhar com soja, no Brasil, ele conta que eram produzidos 60 sacos por alqueire, 1.500 kg/ha. Hoje, a média brasileira é de 3 toneladas por hectare. “Há alguns anos desenvolvemos um trabalho para estimar a produtividade e tínhamos calculado que iríamos alcançar a média de 3 mil quilos por hectare no país em 2014, e atingimos isso em 2010”, diz.