O maior interesse do brasileiro pelo consumo de carne de cordeiro, aliado à baixa nas importações uruguaias e à falta do produto nas gôndolas, vem estimulando a ovinocultura em todo País. Com a elevação dos preços pagos pelo quilo do animal, observa-se certa movimentação no mercado, com criadores consolidando projetos para se tornarem mais rentáveis
O Brasil concentra um rebanho de 16 milhões de ovinos, mas, segundo o IBGE, a quantidade é insuficiente para atender o consumo interno. Até pouco tempo, os produtores enfrentavam amarga concorrência externa, principalmente do Uruguai, de onde era importada mais de 80% da carne de cordeiro consumida no Brasil. Depois que conquistou mercados de melhor remuneração, o país vizinho redirecionou grande parte de sua produção, abrindo uma enorme lacuna no mercado brasileiro.
Para se ter ideia do potencial da ovinocultura, o Brasil precisaria chegar a 100 milhões de cabeças para tentar se aproximar do que é hoje a bovinocultura de corte, produção que sustentaria um consumo de forma regular o ano todo, sem sobressaltos, como informa Paulo Schwab, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (ARCO). Já Lucas Heymeyer, da Dorper Campo Verde, de Jarinu (SP), estima que o consumo per capita de carne de cordeiro gira em torno de 400 gramas por habitante, estatística que poderia seria bem se houvesse produção em escala. “Hoje há uma agitação no mercado do cordeiro, algo facilmente observado nos preços pagos pela indústria em todo o país. Os produtores estão experimentando preços nunca vistos, o que deve estimular a produção em escala e a organização da cadeia produtiva, dando início a uma fase de transformação na ovinocultura brasileira”, avalia o gerente.
Grande demanda
Observando este cenário, produtores de todo país tentam se estruturar para atender à grande demanda. No Amazonas, por exemplo, projetos como o da Amazônia Ovinos, do criador Demilço Valdemar Vivian, em Manaus (AM), estão investindo na ampliação e na qualidade do rebanho. “Quando o Uruguai dominava a maior parte desse mercado, tínhamos de ser competitivos, algo impraticável pela diferença dos custos de produção entre os dois países. O cenário está se modificando aos poucos, inclusive aqui no Amazonas, devido à grande demanda de consumidores”, afirma Renato Rigoni Júnior, médico-veterinário e gerente da propriedade.
Em um primeiro instante, a Amazônia Ovinos pretende abocanhar uma fatia desse mercado com produção in natura, tendo em vista que toda a carne que vem de fora é congelada. “Estamos montando uma boa base genética, com foco na fertilidade, habilidade materna e precocidade para fazer bons produtos de origem amazonense.
A carne de cordeiro tem excelente aceitação, principalmente por causa da migração de muitos nordestinos para o Estado, que têm o hábito de consumir cordeiro e seus subprodutos, como a famosa “buchada”. Temos de oferecer carne resfriada, mais natural possível, algo impossível para nossos vizinhos fornecerem”, explica o médico veterinário Renato Rigoni Júnior.
A propriedade concentra um rebanho de 900 animais das raças Dorper e Santa Inês, projeto que deve se estabilizar com 1.200 matrizes até o final de 2012. Os produtores buscam constantemente animais melhoradores e investem no manejo sanitário do rebanho para evitar possíveis enfermidades, como a resistência à verminose e a pododermatite. Esta última é uma doença infecciosa e contagiosa, que afeta os cascos dos animais, causa estresse e emagrecimento progressivo. “Também fornecemos material genético a pequenos produtores para que consigam produzir com o mesmo padrão de qualidade. Além disso, almejamos o mercado externo, com negociações na Venezuela e Colômbia, pela logística privilegiada, com acesso rodoviário pelo Amazonas e Roraima”, esclarece Renato Júnior.
A ovinocultura é uma ótima opção de investimento no Estado, principalmente devido às novas leis ambientais que determinam a preservação de 80% das áreas destinadas à atividade, que são pequenas, e não há incentivo para a bovinocultura de corte. Em breve a região contará com um frigorífico especializado no abate de ovinos, que espera por aprovação de verbas.
Criadores em busca de mais rentabilidade
Com um plantel de 1.500 animais, a Campo Verde mira seus investimentos no mercado genético, com um programa de seleção dedicado aos ovinos sul-africanos Dorper e White Dorper. Segundo Heymeyer, esses animais atendem ao mercado, principalmente se tratando de rusticidade, conversão alimentar, rendimento de carcaça, ganho de peso, fertilidade e precocidade. A propriedade iniciou suas atividades em 2006 e hoje detém a maior reserva genética dessas raças no País, com mais de 5.000 embriões importados. “O Dorper e o White Dorper respondem muito bem às condições de criação no Brasil. Existe forte demanda para essas raças, com grande valorização para animais de elite e também reprodutores e matrizes comerciais”, relata.
Novas áreas começam a aderir à atividade
Criador de ovinos de corte há três anos, com propriedade em Santa Salete (SP), Sebastião Pires Cunha recentemente deu início a um projeto inovador para aumentar a oferta de animais para abate, que prevê a concentração de 200 matrizes na propriedade. Quando iniciou sua criação, tinha pouco conhecimento sobre as exigências dos ovinos: simplesmente os comprava e soltava no pasto sem nenhum controle. Hoje sua realidade é muito diferente. “Com apoio de empresas já consolidadas, me profissionalizei e passei a investir em genética e em tecnologias para agregar valor ao produto final”, explica Cunha, ressaltando que deveria existir uma diferenciação de preço para animais de qualidade superior. “Hoje, muita gente vende animais velhos como se fossem cordeiros”, complementa. Em busca de maior lucratividade, o criador está investindo na formação de um confinamento para 1.200 animais.
Até mesmo em regiões tipicamente dedicadas a outras atividades pecuárias, como a bovinocultura de corte, a ovinocultura vem se firmando como empreendimento. Em Goiás, por exemplo, a Cava Cordeiro vem desenvolvendo um projeto audacioso para fornecer carne de qualidade ao mercado. A empresa processa e comercializa a própria produção no varejo, oferecendo 20 cortes especiais, além de peças temperadas e embutidos, como linguiça e hambúrguer. “Em Goiás não existia uma cadeia produtiva, então tivemos de criar nossa própria indústria para sobreviver na atividade”, afirma André Luís Rocha, técnico da Cava Cordeiro.
A empresa trabalha em parceria com outros criadores da região em busca de maior produção, que recebem os mesmos preços de São Paulo, um dos mais altos em todas as praças. O projeto visa à produção de cordeiros precoces, com rendimento de carcaça superior a 48%, provenientes de acasalamentos com reprodutores Dorper e White Dorper, abatidos ainda jovens, com até 6 meses de idade, e média de 35 quilos de peso vivo. “Hoje, muitos criadores até têm volume, mas falta qualidade. Essa é uma de nossas principais preocupações dentro do processo de criação. A falta de mão-de-obra especializada e tecnificação por parte de muitos criadores, aliado ao amadorismo, são alguns dos principais entraves que impedem o desenvolvimento da ovinocultura de corte”, lamenta Rocha.
A propriedade também está prosperando na seleção genética, uma das pontas do projeto, ofertando animais de maior carga genética. Até o final de 2012 a propriedade deve chegar a 1.200 matrizes de corte.
Paladar sofisticado
Atuando em outra faceta do mercado da ovinocultura, Leandro Motta, o dono de uma rotisserie em Itatiba (SP), relata que muitas pessoas que tinham resistência à carne de cordeiro estão se surpreendendo com seu sabor acentuado. Em seu estabelecimento, incluiu no cardápio receitas sofisticadas à base de cordeiro, mas não tem conseguido dar conta da demanda. “Algumas vezes até deixamos de vender por falta de matéria-prima”, relata Motta. Para atender aos padrões de qualidade dos clientes, toda a carne comercializada em seu estabelecimento provém de um frigorífico homologado com o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), onde são obtidos somente animais de fazendas que trabalham com a raça Dorper.