Em Minas Gerais, o Balde Cheio é realizado pelo Sistema Faemg/Senar. Daniel Fonseca Belo de Araújo, da Conagro Consultoria, firmou convênio com três prefeituras e supervisiona o projeto em 72 propriedades nos municípios de Senhora dos Remédios, Desterro do Melo e Alto Rio Doce, na região dos Campos das Vertentes, próxima de Barbacena; Queluzito, vizinho de Conselheiro Lafayete, e Santana do Garambéu, próximo a Andrelândia, rumo ao Sul de Minas.
No município de Senhora dos Remédios são 50 propriedades assistidas pelo programa Balde Cheio. Segundo Daniel de Araújo, é fundamental que o produtor, ao aderir ao programa, siga à risca as recomendações. “Quem não assume o compromisso é cortado”, diz ele, que no primeiro ano do projeto em Senhora dos Remédios precisou subtrair 12 produtores. Por sorte havia 14 na “fila de espera”.
O técnico explica que, em geral, tenta-se juntar de quatro a cinco produtores de uma mesma região para ‘ratear’ os custos, já que a visita à propriedade custa um salário mínimo. Ele explica que a adesão ao programa não é tarefa fácil, já que demanda compromisso, disponibilidade de tempo e muito interesse do produtor. “Mas basta um bom pecuarista para estimular o restante do grupo”, alega.
Produção mais que triplicada
Um dos seus casos de sucesso é o produtor José Vianei Dornelas, do Rancho Esperança, em Senhora dos Remédios, que aderiu ao programa assim que ele foi lançado, em 2008, ano em que produzia 70 litros de leite ao dia, com 14 vacas mestiças (3/4). Dois anos mais tarde, dobrou a produção e, hoje, cinco anos depois, sem aumentar sequer uma cabeça no rebanho, produz 238 litros diariamente. E isso reduzindo a área de pastagem de 4,5 hectares para 1,7 ha, graças ao pastejo rotacionado.
Daniel Fonseca de Araújo revela que o “pulo do gato” é manter os animais por apenas um dia em cada piquete. “Assim, o gado come apenas as pontas do capim, — de melhor qualidade nutricional — , e não sobrecarrega a área com excesso de fezes”. Ele explica que o número de piquetes varia, principalmente em função do ciclo do capim. “O mais importante é o produtor ficar ‘craque’ no sistema de pastejo rotacionado. Só recomendamos a irrigação das pastagens depois que ele domina a rotação”, alega.
Baixar os custos
Tudo é feito para baixar os custos da produção de leite, com base na redução do volumoso e, acima de tudo, do concentrado. “Se chegamos no sítio e vemos um motor velho encostado num canto, sem uso, sugerimos que seja vendido para gerar receita para a compra de insumos”, conta o extensionista.
As bezerras são desmamadas precocemente e apenas 35% do total de nascidas serão criadas para futuras matrizes. Os 65% restantes deverão ser vendidas para gerar recursos a serem investidos na criação daquelas 35%. “A maioria dos pecuaristas acha que manter bezerras e novilhas é como fazer uma poupança. E não é. Elas custam muito”, explica Araújo.
Potencial produtivo
Outro caso exemplar pode ser visto no Sítio Mateus, do produtor Romeu da Silva Coelho, no município de Desterro de Melo, onde o grande desafio da equipe era saber o potencial produtivo dos animais. Lá, uma vaca mestiça, quatro meses depois do parto estava produzindo sete litros de leite por dia.
Após dois meses no sistema de pastejo rotacionado, a mesma vaca passou a produzir 12kg/leite/dia; e, quatro meses depois, já produzia 17 kg ao dia e entrou no cio.
“A matriz era uma excelente leiteira e o produtor não imaginava o seu potencial”, observou Daniel. Ele explica que é preciso calcular o volumoso e o concentrado em função da produção do animal, e não o contrário. Em sua opinião, um concentrado de relativo baixo custo é a cana-de-açúcar misturada à ureia. Uma vaca que esteja produzindo 35kg/leite/dia, o equivalente a 22% de proteína, deve consumir de 4 a 5 quilos de ração por dia. Já uma vaca que produz 10kg/dia, pode consumir apenas um quilo de ração ao dia.
Outra preocupação fundamental da consultoria é a sanidade do rebanho. Assim que chegam à propriedade, os técnicos fazem exames de brucelose e tuberculose. Depois, elaboram um calendário que, além das vacinas obrigatórias contra aftosa e brucelose, incluem imunização contra raiva, clostridioses (que abrange sete doenças), IBR, BVD, leptospirose e campilobacteriose (essas quatro últimas também reunidas numa única vacina). A inseminação artificial também é estimulada, visando aumentar o índice de prenhês e melhorar o potencial produtivo do rebanho.
Mudança de hábito
Responsável pelo acompanhamento técnico de 23 propriedades que fazem parte do programa, nos municípios de Carmo do Cajuru e Bom Despacho, desde o final de 2007, Mozar Salviano Barreto diz que a tecnologia do balde cheio é simples, mas requer muita disciplina. “Os produtores passaram a vida inteira trabalhando da forma errada, achando que estavam certos”, ressalta ele, lembrando que, por isso, os resultados só aparecem no médio e longo prazos.
A Fazenda mato dentro, em Carmo do Cajuru, a 15 km de Divinópolis, é um de seus exemplos de sucesso e, por isso, já recebeu mais de mil visitantes interessados nesse modelo de produção. Para viver da pecuária leiteira, o proprietário Roberto Leonardo de Souza precisava arrendar terras vizinhas e já havia decidido vender a propriedade de quatro hectares para quitar suas dívidas.
Resultado exemplar
Hoje, ele e a esposa Ilda cuidam sozinhos do rebanho de 23 vacas, das quais 80% a 85% em lactação, produzindo uma média 17 litros/dia. Parte da produção é usada na fabricação de queijo minas fresco, vendido na cidade por um valor agregado maior, ajudando compor a renda de R$ 4 mil mensais do casal.
A irrigação só foi adotada dois anos após o início da adesão ao programa, principalmente para garantir a produção de aveia e azevém, alimentos oferecidos às vacas como suplementação durante o inverno. Assim, o produtor conseguiu reduzir a mão de obra e aumentar a produção leiteira, mesmo em uma área menor.
Curiosidade
O programa prova que é possível aumentar substancialmente a produção sem expandir o rebanho
Mais produtividade e maiores lucros aos produtores
Qual o universo de produtores que o Programa Balde Cheio beneficia atualmente e em quantos estados brasileiros está implantado?
O projeto balde cheio encontra-se implantado em todos os estados da Federação, com exceção de Roraima e do distrito Federal, beneficiando mais de 3.700 produtores de leite, que são atendidos pelos técnicos em treinamento.
O crescimento do programa tem sido o esperado desde que foi lançado?
O programa tem tomado uma dimensão bem maior do que a esperada. Quando iniciamos, em 1999, ninguém imaginava que o projeto poderia ter essa abrangência nacional. Isto surpreende ainda mais porque, em sua essência, o projeto não prevê
metas numéricas em termos de números de pessoas atendidas. O foco principal está no resgate da autoestima de todos envolvidos, por meio da transferência de tecnologia, independente de quantos técnicos ou produtores estejam sendo atendidos.
Quais os principais entraves à sua implantação, à adoção pelos produtores de leite?
A questão dos arranjos institucionais que viabilizam o pagamento justo e constante do técnico em treinamento é, sem dúvida, o principal entrave. Todo o resto são questões mais simples de serem solucionadas. Por exemplo: a adoção de tecnologia pelos produtores é feita de acordo com o ritmo e capacidade de investimento de cada um,
seguindo um planejamento conjunto sem “receita de bolo”. Este projeto personalizado e flexível garante que a adoção de tecnologia por parte do produtor seja sustentável.
Poderia destacar as principais vantagens e se há desvantagem no programa?
As vantagens para os técnicos que estão em treinamento é receber a capacitação prática do processo de produção intensiva de leite, acompanhando um produtor em unidade demonstrativa.
Esta metodologia faz muita diferença na qualidade da capacitação. Para o produtor, receber assistência técnica de qualidade em produção intensiva de leite traz um ganho real na renda da sua família.
Existe algum recurso para avaliação dos pecuaristas que fazem parte do programa (índices de eficiência produtiva, renda média etc.?
Sim, todos os produtores que entram no balde cheio comprometem-se a anotar diversos dados zootécnicos e econômicos, sobre os quais todo o planejamento é feito. Sem as informações anotadas nada pode ser feito com segurança.
De modo geral, os produtores atingem índices muito bons de produtividade e lucratividade, tornando-se competitivos com as demais opções do uso da terra.
Quais os planos de expansão para os próximos anos?
Como dito anteriormente, a preocupação não é atingir metas em termos de produtores ou técnicos, mas sim de estar preparando da melhor forma possível os técnicos da extensão rural, seja privada ou governamental, que irão atender uma demanda crescente de tecnologia na produção de leite. Certamente a intensificação e a especialização serão tendências na atividade leiteira nos próximos anos.