Sete coisas que você precisa saber sobre as dificuldades para produzir alimentos orgânicos no Brasil
Aproximadamente 15 mil agricultores trabalham como produtores orgânicos no país. A estimativa é do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O número é modesto. E, se olharmos para o todo, veremos que não representa nem 1% do total de estabelecimentos agropecuários no Brasil.
A magra representatividade deste setor na agropecuária brasileira pode ser explicada pelo enorme desafio que é manter a produção orgânica de forma lucrativa. Desde o preparo do solo até o produto exposto nas prateleiras, são inúmeros fatores que dificultam a cadeia produtiva dos orgânicos. E, para desvendá-los, precisamos percorrer um longo caminho, começando – sem redundância – do princípio: “Como se tornar orgânico?”.
A certificação
Diferentemente dos alimentos convencionais, os produtos orgânicos precisam ser certificados. Isto é, o agricultor deve provar que produz organicamente, seguindo uma série de padrões e protocolos. Essa certificação pode ser feita de três maneiras.
Uma delas é o controle social pela venda direta. Neste caso, produtores cadastram-se no MAPA, porém, não são obrigados a exibir o selo orgânico, sendo este registro válido apenas para venda direta em mercados locais. A segunda maneira é por meio do Sistema Participativo de Garantia, no qual produtores organizam-se com seus vizinhos/comunidades e se responsabilizam por fiscalizar as práticas agrícolas uns dos outros.
Essas duas formas legais de certificação são mais baratas, quando comparadas com a certificação por auditoria; porém, estão limitadas a uma atuação local. Ocorre que, se um produtor orgânico já possui uma variedade maior de produtos, tratando-se de uma agroindústria, e deseja comercializar seus produtos em diversos estados, em grandes redes de varejo, ou até mesmo exportá-los, estes produtos precisam ser certificados por empresas terceirizadas.
É a chamada certificação por auditoria. E este processo é um tanto dispendioso. Segundo Alexandre Schuch, diretor da Ecocert, uma das principais certificadoras de orgânicos do Brasil, a certificação orgânica parte de R$ 1.500, podendo chegar a R$ 50 mil.
Schuch explica que existem muitas variantes que incidem sobre o preço da certificação, como o “tamanho da área produtiva, número de unidades de processamento, localização, se certificação somente para mercado nacional ou certificação internacional etc.”. Sem falar que este processo deve ser realizado a cada 12 meses. O que pesa, e muito, no bolso do produtor orgânico.
E os convencionais, por que não são certificados?
Existe quem questione a necessidade de certificação dos orgânicos, enquanto a agricultura convencional não é submetida a quase nenhum tipo de controle de qualidade.
“É totalmente ilógico ter que provar que não utilizam-se agrotóxicos, transgênicos e afins na produção orgânica. Por que o agrotóxico/transgênico, que já se provaram maléficos em tantas circunstâncias, são permitidos irrestritamente?”, questiona Helen Carmignotto, gerente geral da ViaPaxBio, indústria de pequeno porte, localizada em Joinville (SC), que cresce 20% ao ano, trabalhando no beneficiamento e distribuição de alimentos orgânicos.
A colocação da empresária traz à tona uma discussão sobre valores e diretrizes embutidas na produção orgânica, e que geralmente são deixados de lado pelo sistema convencional. O engenheiro agrônomo Moacir Darolt, que este ano lançou o livro Conexões Ecológicas, no qual fala sobre alternativas de comercialização de produtos orgânicos, também aponta para esse aspecto. “A agricultura convencional exclui dos cálculos de formação de preços a contabilidade ambiental, exteriorizando os impactos ao meio ambiente, ao passo que a agricultura orgânica interioriza esses custos”, afirma Darolt.
O solo e o meio ambiente
Promoção da qualidade de vida aliada à preservação do meio ambiente é responsabilidade central da produção orgânica. É levado em conta o uso responsável do solo, do ar e da água, de modo que o cultivo não comprometa o curso natural da biodiversidade. Na agricultura orgânica, valorizam-se as boas práticas de manejo agrícola, poupando recursos naturais, principalmente os não renováveis.
Por isso, o produtor deve se preocupar com a preparação do solo. Como o orgânico não pode receber nenhum tipo de aditivo químico, a adubação deve ser natural e, geralmente, o controle de pragas e doenças é biológico. Já nos casos em que a terra tenha sido utilizada na agricultura convencional, há mais um desafio: o processo de conversão, que pode levar alguns meses.
Durante esse período, o que é produzido não pode ser vendido como orgânico. Resultado: com a produção reduzida, enquanto se consegue equilibrar o manejo agrícola com os insumos, o pequeno produtor acaba sofrendo perdas nos primeiros anos.
Escala menor, tempo maior
Ao longo dos anos, houve uma preocupação do agronegócio em produzir alimentos suficientes para uma população em crescimento exponencial. Tal fato influenciou no desenvolvimento tecnológico, por meio de melhoramento genético e intensificação do uso de agrotóxicos. Surgiram, então, adubos químicos, herbicidas, inseticidas, vislumbrando aumento da produção. Esse movimento, hoje questionado pelo impacto no meio ambiente, ficou conhecido como Revolução Verde, e ganhou força no Brasil a partir da década de 1970.
Os orgânicos começaram a se destacar no mercado nacional, ainda discretamente, na década seguinte, e seguiram um caminho inverso. Hoje, grande parte da produção orgânica concentra-se em pequenas propriedades com agricultores familiares, cerca de 85%, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Agricultores que, ao não utilizarem agrotóxico ou produtos sintéticos, produzem em escalas menores e precisam esperar mais tempo para ter o seu produto final em mãos.
“Em uma pesquisa, fizemos uma comparação dos custos de produção entre a batata orgânica e a convencional, produzidas em pequenas propriedades, no Paraná. Os resultados mostraram que no sistema convencional a produtividade média (400 sacas/hectare) foi superior ao sistema orgânico (206 sacas/hectare)”, afirma Darolt.
Insumos e Mão-de-obra
Nesta mesma pesquisa, Darolt concluiu que os gastos com mão de obra e serviços foram, em média, 30% maiores no sistema orgânico. Como a produção orgânica exige mais conhecimentos específicos, há poucas pessoas qualificadas. Com a pouca oferta de mão-de-obra, os salários acabam tendo que ser mais convidativos. Isto significa mais custos.
Os insumos são outro entrave. Na verdade, a falta deles. Existe no MAPA uma regulamentação específica para registro de insumos orgânicos, que inicialmente visava facilitar o processo. Porém, há três anos o decreto 6.913/2009, referente a este registro diferenciado, está em fase de elaboração. De acordo com o MAPA, apenas 16 registros foram concedidos neste período.
Distribuição: um problema brasileiro
Gargalos no escoamento da produção não são exclusividade dos produtores orgânicos. Estradas ineficientes e alternativas de transporte, que simplesmente inexistem, atrapalham na distribuição, seja do mega agroempresário ou do pequeno agricultor. E nem é preciso dizer quem sofre mais.
De acordo com alguns produtores orgânicos, o frete pode incidir em até 20% no preço final do produto. “O ideal seria trabalhar num raio de até 100 km do local de produção”, diz Darolt, apresentando uma alternativa aos produtores que estão longe dos centros urbanos. “Eles deveriam optar pelo cultivo de produtos menos perecíveis, e, até mesmo, priorizarem a venda para Programas Governamentais como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), que paga até R$ 8 mil/ano/produtor) e o PNAE (Merenda Escolar), que remunera até 20 mil/ano/produtor). Hoje a Prefeitura deve comprar parte da merenda (30%) de produtos da agricultura familiar”.
O que é preciso ser feito
Ainda que o governo venha, aos poucos, implementando políticas públicas de incentivo à agricultura orgânica, a exemplo do PAA e PNAE, há muito que fazer, principalmente na área de pesquisa e tecnologia.
A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), em fase de elaboração, é uma das alternativas que pretende sanar este déficit. Enquanto isso, assistimos a agricultores orgânicos sem qualquer tipo de assistência técnica especializada e a ausência de inovação tecnológica no setor.
Outro ponto refere-se ao amadurecimento do mercado orgânico brasileiro. De um lado, países acompanham o crescimento de suas exportações orgânicas alavancado por produtos com valor agregado. Como o caso dos Estados Unidos, que, em 2012, geraram US$ 450 milhões, impulsionados pela exportação de maçãs orgânicas selecionadas. Do outro, a velha política de comércio internacional do Brasil, baseada na exportação de commodities. É preciso reavaliar estratégias.
Mas, fugindo do âmbito político-econômico, talvez o maior desafio ainda seja o consumidor. Ou melhor, soluções de marketing que atraiam novos consumidores, e não limitem os orgânicos apenas aos mais “entendidos” no assunto. O desafio de fazer com que esse entendimento e as informações a respeito da produção orgânica desenvolvam um consumo consciente, como bem lembra o engenheiro agrônomo, Moacir Darolt: “A maioria das pessoas ainda não faz a ligação entre o alimento que consome, a sua saúde e a forma como foi produzido. É preciso fazer boas escolhas para uma boa saúde!”.