A eficiência da mata ciliar em interceptar os sedimentos depende da definição adequada de sua largura e do planejamento integrado de práticas conservacionistas na microbacia hidrográfica
A produção agrícola é altamente dependente da qualidade dos recursos naturais. Assim, o sucesso de empreendimentos dessa natureza depende do manejo sustentável do ambiente. O solo dá suporte às plantas e fornece nutrientes; a água é essencial na formação de folhas, frutos e sementes, enquanto a vegetação nativa contribui para o equilíbrio da fauna e no controle de pragas e doenças.
Entretanto, a qualidade desses recursos tem sido comprometida devido ao uso inadequado das terras agrícolas, conforme comprovação de estudo realizado na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ), que busca uma proposta alternativa para a questão da largura da mata ciliar e verificar como ela interfere na qualidade do solo e da água.
O trabalho, realizado por Renata Santos Momoli, doutoranda do programa de pós-graduação (PPG) em Solos e Nutrição de Plantas, sob orientação do professor Miguel Cooper, do Departamento de Ciência do Solo (LSO), relata que solos erodidos perdem sua fertilidade natural e modificam o equilíbrio dos ecossistemas. Sinaliza também que águas contaminadas por agrotóxicos, sedimentos e esgoto se tornam inadequadas para o uso humano e nascentes soterradas reduzem o volume dos rios e comprometem a oferta de água para seres humanos, animais e plantas.
Ambientes inóspitos
A pesquisadora explica que florestas degradadas tornam-se ambientes inóspitos para diversos animais importantes na cadeia alimentar, além de exporem o solo às intempéries do clima, favorecendo a erosão.
Um conjunto de práticas de manejo conservacionistas (PMC), que visam à redução dos impactos causados pela erosão, são sugeridos no estudo. As PMCs englobam a cobertura do solo (por meio da palhada de plantio direto ou adubos verdes), o plantio em nível, a construção de terraços de infiltração e drenagem, o plantio de faixas ou cordões de vegetação para reduzir a velocidade da enxurrada e a preservação e recuperação da mata ciliar – Áreas de Proteção Permanente (APPs) de beira de rios e ao redor de nascentes.
Esforço conjunto
De acordo com a doutoranda, deve haver um esforço conjunto entre produtores rurais, pesquisadores e políticos no intuito de manter o equilíbrio do ecossistema para promover a perpetuidade da produtividade agrícola. “A proposta de redução da largura das matas ciliares (APPs e beira de rio e ao redor das nascentes) implica no comprometimento da longevidade do sistema agrícola no país.
A manutenção da floresta ao redor de rios e nascentes promove o aumento na qualidade de recursos naturais, como água e solo. A proteção dada pela copa das árvores, por exemplo, reduz o impacto da chuva sobre o solo, a erosão. A presença de caules e raízes de árvores favorece a retenção da maior parte dos sedimentos na borda da mata, protegendo as nascentes que se encontram no interior da mata ciliar”.
Impactos no cerrado
Para o desenvolvimento do estudo, a pesquisadora escolheu área do cerrado brasileiro por este ser considerado região de expansão agrícola onde, teoricamente, os níveis de erosão são baixos e os solos são aptos à agricultura. “O cerrado goiano, foco da pesquisa, é considerado uma importante fronteira de expansão agrícola. Porém, por tratar-se de uma região que sofre incidências de chuvas muito fortes e solos expostos pelo desmatamento, observou-se a perda da camada superficial e mais fértil do solo, abertura de voçorocas efêmeras e permanentes, deposição de sedimentos nas áreas mais baixas do relevo e assoreamento das nascentes pelo processo erosivo”, destaca Renata.
O estudo da dinâmica da sedimentação numa mata ciliar da região sul do estado de Goiás resultou numa interpretação mais integrada do ambiente para a proposição das dimensões que a mata ciliar deve possuir para promover a interceptação dos sedimentos derivados da erosão das áreas à montante.
Registros de 18 meses de observações revelaram que a maior parte da sedimentação ocorreu na borda da mata ciliar, sendo que em alguns pontos houve um aumento de mais de 35 cm no nível do solo, decorrente da deposição de sedimentos potencializada pela presença de grandes sulcos de erosão na área com cultivo agrícola. Além do mais, no interior da mata ciliar, alguns locais também apresentaram níveis acima de 30 cm de sedimentação. Nesse caso, a sedimentação foi favorecida pela presença de árvores com raízes tabulares, as quais “barram” o fluxo de sedimentos, retendo ali, grande quantidade de material sólido transportado na enxurrada.
Árvores da mata ciliar
Utilizando as árvores da mata ciliar como indicador da espessura do depósito de sedimentos ao longo do tempo, foi possível a constatação de que grande parte de deposição de sedimentos (ao redor de 30 cm de altura) ocorreu nos últimos dez anos. O fato confirma a grande proporção do impacto negativo da ocupação agrícola em áreas sensíveis como as zonas ripárias.
Já em projetos de restauração de APPs de mata ciliar deve ser considerado o uso de espécies arbóreas com raízes tabulares, pois as mesmas potencializam o efeito de filtro da floresta. O estudo ainda sinaliza que é interessante incluir no reflorestamento espécies que possuam anéis de crescimento bem demarcados pois podem, futuramente, servir como indicadores de alterações ambientais como, por exemplo, a datação de processos de erosão/sedimentação com resolução anual.
“Esse estudo comprovou que grande parte do sedimento que se deposita na borda da mata ciliar recobre as diversas nascentes que ali afloram. Esse processo de assoreamento propicia o secamento das nascentes e a redução na produção de água”, explica a pesquisadora.
É essencial que seja mantida a legislação sobre largura da mata ciliar até que estudos mais detalhados sobre a interpretação integrada do ambiente possam ser produzidos. A aprovação da redução da largura das APPs provocará o acúmulo de sedimentos sobre as nascentes e permitirá o fluxo livre da enxurrada até o leito dos rios. Em decorrência desse processo, aumenta a carga de sólidos em suspensão e aumenta a sedimentação, que, por sua vez, contribui para o assoreamento dos rios e das nascentes e a ocorrência de inundações severas nas margens dos rios. Ou seja, a redução da largura da mata ciliar resulta em impactos negativos cada vez mais intensos, maiores inundações, maiores níveis de sedimentação soterrando nascentes. Por isso, reduzir a largura das APPs de beira de rios e nascentes resultará no comprometimento da qualidade do solo, da água e dos ecossistemas.