Na maioria dos municípios brasileiros não existe um plano de gerenciamento atrelado a uma política ambiental
A arborização urbana requer, constantemente, tratos silviculturais como a poda e a remoção para manter a sanidade e o bom desenvolvimento das árvores, além de adequar a vegetação aos diferentes usos do espaço urbano. Isso gera nos municípios brasileiros, todos os anos, milhares de toneladas de resíduos compostos por madeira (galhos e troncos), folhas, flores e frutos. Para muitas localidades, esses resíduos podem se tornar um grande problema, a menos que a administração municipal disponha de um plano adequado para o seu gerenciamento.
A Prefeitura Municipal de São Paulo estima que, por mês, recolha de 3,5 mil a 4 mil toneladas de resíduos de podas de árvores. O volume anual pode chegar a 50 mil toneladas de galhos e troncos, quantidade suficiente para carregar cerca de 5 mil caminhões. Para dar uma destinação a esse material, a administração gasta em torno de R$ 850 mil reais por ano. A falta de modelos eficientes para a gestão dos resíduos da arborização urbana tem contribuído para agravar os problemas ambientais, sociais e econômicos nas cidades, tais como a disposição em locais impróprios, a queima à céu aberto e o alto custo de recolhimento, pago pelo cidadão por meio do IPTU. “As ações para minimizar o problema são pontuais. Na maioria dos municípios não existe um plano de gerenciamento atrelado a uma política ambiental. E essas ações acabam não se perpetuando na sucessão das administrações públicas e, muitas vezes, boas estratégias são descartadas ao longo do tempo. Alguns municípios implementaram ações bastante eficientes; um exemplo é Guarulhos, que criou uma serraria que aproveita toras para produzir madeira serrada, portas e janelas”, aponta Adriana Maria Nolasco, professora do departamento de Ciências Florestais (LCF), da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ).
Nolasco que coordena o laboratório de Movelaria e Resíduos Florestais do LCF na Escola e, desde 2006, orientou a engenheira florestal Ana Maria de Meira na elaboração da tese “Gestão de resíduos da arborização urbana”. O estudo teve por objetivo quantificar, caracterizar e elaborar um modelo de gestão para os resíduos da arborização urbana, utilizando como estudo de caso o município de Piracicaba que, segundo a engenheira florestal, gera em média 180 toneladas desse material por mês, sendo 69% composto por ramos e galhos finos de até 8 cm de diâmetro.
Diferentes tipos de madeira
Para quantificação dos diferentes tipos de madeira, Ana Meira acompanhou, durante quinze meses, as equipes de poda do município no trabalho de extração e recolhimento das 10 espécies de maior frequência na arborização em Piracicaba: espirradeira, ficus-benjamim, ipê, canelinha, oiti, chapéu de sol, quaresmeira, resedá, falso-chorão e sibipiruna. “Nossa primeira intenção foi saber a quantidade de material gerado, o que possibilita planejar seu destino.
Além disso, mapeamos quais os motivos que geram a poda. Em sua maioria, elas ocorrem por falta de critérios na escolha das espécies, resultando em conflitos com os outros usos do solo urbano. Não há treinamento da mão-de-obra responsável pelo serviço e a própria relação dos moradores com as árvores não tem um vínculo tão forte que pudesse impedir a derrubada de muitas delas”, relata a autora do trabalho. Segundo Adriana Nolasco, o envolvimento do cidadão com as árvores é curioso. “Muita gente defende o meio ambiente, a manutenção do verde nas cidades, mas muitos daqueles que tem uma árvore plantada na frente de casa, não querem que ela faça sujeira, não querem que ela cresça demais, que tenha raízes que possam levantar a calçada e isso gera uma enorme quantidade de pedido de remoção ou poda drástica”.
Resíduos: viabilidade de aproveitamento
O estudo buscou, ainda, caracterizar esses resíduos e avaliar a viabilidade de aproveitamento do material na produção de produtos sólidos de madeira (madeira serrada, móveis, pequenos objetos de madeira), como fonte de energia (lenha e carvão) e na compostagem com outros resíduos disponíveis nas cidades, como restos dos varejões e feiras livres. Na prática, o plano de gestão proposto segue três linhas de ação: a redução da geração, a valorização dos resíduos e a disposição final, em casos emergenciais. A redução da geração pode ser obtida por meio da definição de critérios de poda e remoção mais adequados, da capacitação da mão de obra que executa essas atividades, da escolha das espécies, das condições do plantio e condução do crescimento, além da educação da população para que entenda a importância da arborização urbana. A outra vertente de soluções é a valorização ou aproveitamento. “Neste caso é preciso conhecer o material para a tomada de decisão mais adequada. No trabalho fizemos a caracterização, quantificando o volume por classe de diâmetro; determinando a densidade, o teor de umidade, a cor, a quantidade de carbono fixo, cinzas etc. Essas variáveis indicarão se os resíduos poderão ser desdobrados em tábuas ou transformados em pequenos objetos de madeira, móveis, equipamentos urbanos, esquadrias para serem usadas em habitação popular; o seu potencial energético para uso como lenha, carvão, briquete ou pellets; a possibilidade de produzir composto orgânico, entre outras formas de valorização. Com isso é possível separar o material para diferentes destinações, obtendo o máximo de retorno econômico, social e ambiental”, explica a engenheira florestal.
Volume de resíduos
Foram ajustadas, ainda, equações empíricas que permitem estimar o volume de resíduos gerados em cada município, a partir de informações como o diâmetro e altura das árvores, espécies e intensidade de poda. Com isso, a administração municipal poderá prever o que será gerado e elaborar um plano de gestão considerando as soluções mais adequadas à realidade local. Esse olhar em relação aos resíduos da arborização urbana conduz a proposta de um novo modelo de arborização para as cidades que considere o potencial produtivo das árvores no ambiente urbano. Em outras palavras, nas chamadas Florestas Urbanas de Produção, as operações de poda e remoção seriam também um processo de produção de biomassa para diferentes usos. “Claro que o processo seria conduzido de acordo com o objetivo maior que é a manutenção de um número adequado e sadio de árvores nas cidades, cumprindo sua função ambiental (conforto térmico, aumento da umidade relativa do ar, redução do nível de ruído, redução da velocidade do vento, etc), econômica (valorização imobiliária) e social (melhoria no bem estar da população)”, ressalta a orientadora da pesquisa.
Disposição adequada
A terceira linha de ação do plano de gestão é a disposição final. O plano propõe redução na geração de resíduos ou valorização desse material mas, conforme relata Adriana Nolasco, em algumas situações isso pode não é viável. “Por exemplo, imaginemos um caso de uma prefeitura de pequeno porte que não possui recursos financeiros ou mão de obra qualificada para colocar esse plano em prática imediatamente. Mesmo assim ela terá que dar um destino final ao resíduo”. Nesse caso, a pesquisa propõe que se faça o descarte de forma adequada, em local apropriado, com segurança, sem risco de incêndio, que não se despeje simplesmente em terrenos baldios e sim em aterros ou áreas próprias controladas. “Dada as características desse resíduo, a disposição não é a forma de manejo mais indicada, mas diante da necessidade, que se faça da forma menos impactante possível”, comenta a professora.
Outra forma apontada para dar um destino nobre ao material excedente é a parceria entre os municípios. “As prefeituras podem, inclusive, encontrar formas de arranjo e o material de uma determinada localidade pode, por exemplo, ser transferido para um outro município que já aproveita esse resíduo”, ressalta Ana Meira.
Para Adriana Nolasco, não somente as pequenas localidades encontram obstáculos para dar uma adequada destinação aos resíduos. “Em Piracicaba, há alguns anos, um vendaval quebrou galhos, copas e arrancou árvores na cidade inteira. Ou seja, de uma hora para outra, tínhamos ruas obstruídas por esses resíduos e a necessidade de soluções imediatas. São situações de emergência e mesmo um município que desenvolva ações de aproveitamento, pode encontrar dificuldades para dar uma destinação. Portanto, é fundamental que no plano de gestão sejam determinadas alternativas para a disposição final do resíduo”.
Valorização dos resíduos da arborização urbana
Em Piracicaba, uma das principais ações para valorização dos resíduos da arborização urbana é a compostagem, realizada em parceria com uma empresa local. Ana Meira salienta que a compostagem é uma boa estratégia, pois pode consumir grande quantidade de resíduo, mas lembra que a pesquisa mostrou que os resíduos madeireiros de algumas espécies podem ser melhor aproveitado de outras maneiras, como na fabricação de pequenos objetos. “A sibipiruna e o chapéu de sol, por exemplo, tem potencial para ser utilizado na indústria moveleira ou na confecção de equipamentos urbanos como pergolados e bancos. Já outras espécies apresentam uma diversidade de cor bastante interessante, com variedade de tons e desenhos que podem ser explorados com várias finalidades”.
Ensinar com pesquisa
Nessa mesma linha de pesquisa, duas alunas do curso de Engenharia Florestal da ESALQ, Renata Carolina Gatti e Juliana Paschoalini Arthuso, desenvolveram brinquedos e pequenos objetos usando esses resíduos. “No desenvolvimento de produtos com a madeira da poda, podemos seguir duas linhas: processando os galhos e troncos em tábuas, ou seja, obtendo uma matéria prima convencional; ou utilizando os resíduos na forma natural e valorizando as formas, texturas e cores de cada espécie. Nesse trabalho procuramos manter a característica natural do material, preservando a forma rústica, a casca, não empregando vernizes ou tintas, nada que alterasse o aspecto natural, de maneira que ficasse evidente que se tratava de um resíduo”, conta a professora. As alunas produziram artefatos diversos, brinquedos, jogos infantis que trabalham conceitos matemáticos, objetos para escritório, jogos de encaixe, entre outros. Essas peças fazem parte de um portfólio de brinquedos que servirá de modelo para produção em programas municipais. “Quem sabe empregando pessoas que estão excluídas do mercado de trabalho no momento. Neste caso, os resíduos poderiam servir como matéria prima tanto para capacitação como para produção, viabilizando programas sociais. Poderia, por exemplo, ser organizados grupos/associações que produzissem esses brinquedos, móveis e equipamentos urbanos, para comercialização com a própria prefeitura para uso nas escolas, creches e parques”, projeta Adriana Nolasco.
Em 2010, o projeto continuou com um grupo de estagiários desenvolvendo outros produtos. Em março, eles realizaram um dia de atividades na Seção de Marcenaria e Carpintaria da Coordenadoria do Campus “Luiz de Queiroz” e foram produzidas bijouterias, luminárias, abajour, brinquedos e bandejas. O resultado deste trabalho será passado para a sociedade por meio de oficinas de aproveitamento de resíduos da arborização urbana, voltadas para capacitar no desenvolvimento e fabricação de produtos utilizando esses resíduos.