Em meio às tradicionais ladeiras do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, misturam-se o samba, a vida noturna e… uma fábrica de alimentos orgânicos. Sua proprietária é Jucenei Batista, ela mesma com uma formação um tanto distante deste setor. Formada em Ciências Sociais e em Filosofia, há 20 anos entrou no mercado de produtos naturais com sua empresa Cultivar Brazil. Assim, caminhos diversos acabaram se encontrando: a busca do bem-estar humano aliada à alimentação saudável.
A Cultivar Brazil tem áreas produtivas próprias?
A empresa é uma beneficiadora com fornecedores de matérias-primas orgânicas. Na loja, comercializo produtos tanto da Cultivar como de outras empresas.
Como está a disponibilidade de fornecedores?
Posso dizer que há cinco anos eram muito raros, mas observei uma melhora em número e diversidade de mercadorias/alimentos.
Quais são os principais produtos da empresa?
Por enquanto, biscoitos, que têm uma boa saída para as crianças. E isso é um de meus desejos, que elas possam dispor de alimentos saudáveis. Mas é claro que tenho uma meta de ampliar a linha para bolos, brownies e grãos em geral, todos exclusivamente orgânicos.
Por que decidiu adotar esse processo de produção?
No começo, trabalhava com produtos naturais, mas já com a ideia de produzir sem aditivos. Na época, há 20 anos, e cada vez mais, venho observando o fracasso do modelo alimentar convencional; acredito que ele seja responsável por gerar muitas reações alérgicas na população em geral. Diante dessa grave situação, decidi voltar-me à produção orgânica. Hoje tenho as certificações da Ecocert e da Abio, esta última me permitindo comercializar no estado do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Para a fábrica da Cultivar, qual foi o investimento de maior vulto?
Adquirir o maquinário, mas ao longo do tempo ele tornou-se mais acessível.
Qual o setor que mais consome recursos?
A mão-de-obra, por respeitar as leis trabalhistas. Mas é ela que dá qualidade ao produto, que é artesanal, e também os processos de produção são afetados por ela.
Como é feito o treinamento dos empregados?
É local, na produção. Mas para que tudo corra bem, é necessário também que a empresa tenha à disposição um profissional caro: o engenheiro de produção. É ele que pode racionalizar e aprimorar o fluxo de produção e a própria gestão. As empresas pequenas sentem muita falta desses profissionais.
Em sua opinião, os programas de apoio governamental para a atividade produtiva em pequena e média escala são raros?
Durante a história da Cultivar, tive sim que contar com créditos, e os obtive. Mas acho que é preciso melhorar, e muito, tais incentivos.
Qual o papel de feiras e eventos?
Vejo-os como um local de aprendizagem e treinamento. Só tive uma verdadeira noção do mercado numa feira, por exemplo, como a alemã Biofach. Lá, vi fornecedores, representantes de governos, técnicos e organizadores, entre outros colegas, ganhando o feedback do consumidor. No Brasil, isso não existe fora de uma feira, e também não existem pesquisas específicas para o setor orgânico.
Qual é o meio de venda principal da Cultivar Brazil?
O varejo, para lojas de produtos naturais.
Tem projetos de expansão?
A loja em Santa Teresa abriu em julho, é uma realização recente. Acho muito importante que a Cultivar agora tenha essa “cara” para o consumidor, além dos produtos em si.
Tem projetos para novos produtos?
Sim, quero “driblar” a concorrência e resgatar tradições culinárias, oferecendo uma diversidade alimentar ao consumidor. Por exemplo, o arroz a vácuo: ele aproveita uma condição física de conservação, que impede que as pragas sobrevivam à falta de ar dentro da embalagem, além de não precisar de conservantes.
Quais os obstáculos que vê aos orgânicos no Brasil?
São os preços ainda altos. Além disso, penso que é preciso mudar a postura do consumidor justamente sobre o tempo de prateleira. Apesar da durabilidade alta dos produtos convencionais ser uma aparente vantagem, um produto orgânico, que normalmente tem menor tempo de conservação, ganha pelo frescor. Outra vantagem é que os nutrientes sofrem menor degradação, algo que acontece em alta escala nos produtos processados.
Como você analisa sua concorrência?
Sempre existe, mas tenho tranquilidade por trabalhar em um mercado próprio. O que acontece de negativo é que algumas empresas se utilizam de “outros” meios para vender seus produtos. Alguns têm uma aparência natural e são mais baratos, mas só conseguem alta durabilidade por usarem conservantes.
Por outro lado, tenho a posição que a produção orgânica permaneça com pequenas empresas. Este mercado vem chamando a atenção no Brasil; se as grandes entrarem em peso – mesmo que sejam elogiadas por tal atitude – usarão seu lobby para vender para o mundo, e isso tem íntima relação com a durabilidade do produto. Para atingir mercados distantes, provavelmente usarão componentes incompatíveis com a proposta orgânica, mas também sua força para flexibilizar regras e legislações.
É um processo que já aconteceu com pequenos produtores nos EUA, que questionaram a validade disso.
Vê a exportação como atraente?
Até certo ponto, por exemplo: tenho contato com uma companhia canadense que ficou muito interessada em meus biscoitos. O problema recaiu na validade, que seria considerada curta para a exportação. Mesmo assim, eles estão estudando a logística para a paçoca da Cultivar. Posso dizer, contudo, que meu grande interesse é alimentar as crianças brasileiras; a exportação não é meu grande foco no momento.
Como superar problemas de logística?
Pela empresa estar bem no centro da cidade do Rio, não encontro grande dificuldade na entrega de produtos ou na locomoção.
Como faz a divulgação da Cultivar Brazil?
Infelizmente, ainda não tenho site, então me apoio no boca a boca. Quando necessário, faço panfletos artesanais, mas em pequena escala, já que não posso arcar com os custos de grandes quantidades. Investimentos em outros tipos de propaganda têm o mesmo problema, mas pelo menos acho que meus produtos até se vendem sozinhos.
Acha que falta divulgação do produto orgânico para o público?
Sim, e a pouca informação disponível atinge a todas as classes. Acredito que, se as emissoras de televisão ou outros meios de comunicação se envolvessem mais, causariam um grande impacto no mercado.
2010 já está acabando. Pode fazer alguma avaliação desse ano?
O que mais me afetou neste ano foram as chuvas e as férias. Com as viagens mais baratas, as pessoas de maior poder aquisitivo consumiram menos produtos no país.
Gostaria de comentar algum desafio?
Tenho várias idéias para 2011, mas o mais importante é que as companhias de alimentos tenham um maior compromisso ético com a alimentação.