Pesquisadores se unem para identificar espécies aromáticas do Cerrado, formar um banco de dados e despertar o interesse comercial das indústrias de alimentos, cosméticos e perfumes
Segundo maior bioma brasileiro, superado apenas pelo amazônico, o Cerrado abrange 11 estados da Federação e ocupa 24% do território nacional. Sua rica diversidade botânica — estimada entre 10.000 e 12.000 espécies de plantas —, ainda pouco estudada, motivou um grupo de pesquisadores da Embrapa e de universidades públicas do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília a estudar as plantas aromáticas do Cerrado e atrair o interesse comercial das indústrias de cosméticos, perfumes e alimentos.
A ideia é parecida com o modelo adotado na Amazônia, onde indústrias firmam parcerias com as comunidades para a aquisição de matéria-prima. Segundo o coordenador do projeto, pesquisador Humberto Bizzo, da Embrapa Agroindústria de Alimentos, a ação antrópica sobre o bioma Cerrado é muito grande, podendo colocar em risco de extinção várias espécies. Isso porque além de grande parte da região estar próxima dos centros urbanos e sofrer pressão imobiliária, é justamente no Centro-Oeste que concentram as grandes extensões de monoculturas, como a da soja, por exemplo.
Opção de renda
“O projeto pretende dar mais uma opção comercial para o homem do campo, em especial o pequeno produtor, que preservando a vegetação nativa, poderá ter mais uma fonte de renda”, explica Bizzo. Segundo ele, o trabalho da pesquisa não atende a uma demanda específica, mas a qualquer momento uma empresa de cosméticos, por exemplo, pode ter interesse nos óleos essenciais e se agregar ao projeto. A partir daí, ressalta, o mais importante é estabelecer uma negociação entre indústria e produtor, que seja justa para as comunidades envolvidas.
O projeto liderado pela Embrapa Agroindústria de Alimentos conta com as parcerias da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Embrapa Cerrados, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade de Brasília e Universidade Federal de Juiz de Fora. A primeira etapa, já em curso, é o levantamento de campo para a criação de um banco de dados. É necessário identificar, coletar, classificar a espécie vegetal e fazer o depósito em herbário. A análise química e a avaliação sensorial são etapas para a montagem de uma coleção de extratos para futuras investigações de interesse para a indústria de aromas.
Potenciais
O engenheiro agrônomo Roberto Fontes Vieira, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargem), destaca que algumas famílias de plantas do Cerrado são bastante promissoras. Ele cita a Arnica (Lychnophora eriocides), da família das Compostas; o Hyptis sp., da família das Labiatas, que possui características semelhantes a outras plantas exóticas da mesma família como a lavanda, o hortelã, o manjericão e a alfazema; e a Vellozia sp., da família das Velloziaceas. Mas tudo ainda precisa ser estudado e comprovado, como já foi feito com a candeia e a sucupira, cujos óleos têm aplicação medicinal. “Até mesmo a copaíba do Cerrado ainda não mereceu a mesma atenção que a nativa da Amazônia”, esclarece Vieira.
Mercado em expansão
A utilização de produtos naturais em alimentos, cosméticos e perfumes tem sido incrementada para suprir um mercado consumidor em expansão e também para atender a requisitos de uma legislação cada vez mais restritiva em relação ao uso de produtos sintéticos. Os biomas do hemisfério sul, particularmente o africano e o sul-americano, ainda pouco explorados se considerado o número de espécies estudadas e as conhecidas, constituem fontes de recursos naturais de grande potencial.
No Brasil, o Cerrado já é considerado um dos “hotspots” no planeta em relação à necessidade de práticas de conservação. Sua flora rica e diversificada vem sofrendo maior ameaça que a flora amazônica. Depois de extraído o óleo essencial e/ou o extrato da espécie aromática, é preciso realizar uma avaliação sensorial para determinação de seu uso potencial na formulação de perfumes. São essas informações que comporão o banco de dados de produtos da cadeia produtiva de plantas aromáticas.
Plantas medicinais também para o uso veterinário
Cobrina para mastite e inflamação, carqueja para a digestão, cidreira para verminose, tansagem e picão para tristeza, arruda para mosca-do-chifre, boldo para diarreia.
Na natureza são encontradas diferentes possibilidades de prevenir e tratar doenças em animais, especialmente o gado de leite. Na Emater/RS-Ascar, há mais de mil recomendações de plantas medicinais para o uso veterinário.
O trabalho envolve receitas caseiras utilizadas pela cultura popular, produzidas a partir de mais de 200 ervas e plantas medicinais existentes na região. Segundo o assistente técnico regional da Emater/RS-Ascar, médico veterinário Jorge João Lunardi, elas são utilizadas na forma seca ou verde, além de comporem formulações de produtos caseiros como chás, tinturas, infusões, pomadas, detergentes, sabões, desinfetantes e sais minerais.
Formulações
As formulações e receitas, também disponíveis nos escritórios municipais da Emater/RS-Ascar, são apresentadas aos agricultores após efetivação na prática e/ou busca da validação científica. O alho, por exemplo, é muito utilizado no manejo do gado leiteiro, em diferentes situações, entre elas, mastite, inflamação, carrapato, berne, mosca-do-chifre, verminose, pós-parto, cascos e bicheiras.
“O objetivo principal do uso caseiro de plantas medicinais em animais é, sobretudo, diminuir o uso abusivo de químicos em animais, o que pode causar complicações no rebanho, na qualidade do leite e na saúde humana”, explica Lunardi.