Nem mais, nem menos. Nem a média, que pode gerar desperdício. Apenas o necessário. Essa é a base do conceito de agricultura de precisão, um tema que, em geral, remete a imagens de satélites, GPS, máquinas e sistemas caros e sofisticados.
Para desvendar seu verdadeiro conceito, muito mais abrangente e natural do que sofisticado, A Lavoura entrevistou Ricardo Inamasu, coordenador da Rede de Agricultura de Precisão.
Pesquisador do Centro de Instrumentação (São Carlos/SP), Inamasu representou o Brasil na Conferência Internacional sobre Agricultura de Precisão (ICPA), em Indianápolis (Indiana/EUA), promovida pela Sociedade Internacional de Agricultura de Precisão (ISPA), em meados de 2012. Na conferência, o pesquisador coordenou ainda uma sessão de debates sobre a Gestão da Informação na Agricultura de Precisão.
Criada em 2009, a Rede de Agricultura de Precisão é composta por 214 pesquisadores, 20 Unidades da Embrapa e 52 parceiros, entre universidades, institutos de pesquisa, fundações, cooperativas, empresas e produtores rurais.
Por que é comum associar a Agricultura de Precisão a equipamentos sofisticados e a altos custos de implantação?
Imagino que a explicação esteja no histórico. As primeiras divulgações no País foram baseadas nas máquinas que portavam GPS, numa época em que este equipamento ainda era muito caro e só valia a pena instalar em máquinas de custo absoluto muito elevado, como colhedoras automotrizes (conhecidas também como colheitadeiras). Essas máquinas, de alta capacidade de trabalho, faziam com que o preço absoluto fosse diluído e o resultado relativo por hectare fosse compensador. Os dados também eram tratados por computadores gráficos, sofisticados para a época. Os fabricantes de máquinas, com o intuito de repetir a mesma contribuição realizada na indústria de construção – que trabalhavam com sistema ótico de controle de terraplanagem – divulgaram o equipamento agrícola como a tecnologia mais moderna do mercado.
Qual é o verdadeiro conceito de Agricultura de Precisão?
Esse é o ponto fundamental! A máquina precisa, por si só, não remete ao lucro como acontece na indústria de terraplanagem. É verdade que há muitos erros operacionais causados por imperícia do operador e a eletrônica embarcada pode eliminar tais erros. Porém, a maior vantagem está no tratamento da variabilidade espacial. A lavoura não é uniforme. O ponto de partida é reconhecer essas diferenças. Tratar setores da lavoura que apresentam resultados diferentes como iguais, ou seja, pela média, pode levar o agricultor a aplicar o dobro do insumo necessário, em um extremo, e, no outro, apenas uma fração, perdendo em ambos os lados. Portanto, o conceito está fundamentado no tratamento dessas diferenças.
O pequeno produtor pode adotar a Agricultura de Precisão?
Dizemos que a AP é uma postura gerencial, que leva em conta a variabilidade espacial da lavoura para aumentar o retorno econômico e minimizar o efeito ao meio ambiente.
Ou seja, ao tratar a lavoura respeitando as características de cada setor da propriedade, o produtor já estaria adotando os princípios da AP. Muitos pequenos produtores já fazem a AP sem saber, ao escolher a área mais úmida para uma determinada cultura e áreas mais drenadas para outra. Ao usar uma prancheta para anotar esses dados, o agricultor estará preparado para empregar uma planilha eletrônica e assim por diante. Sempre digo que não se faz um bom escritor com um belo computador. Nesse caso, não se faz um bom agricultor apenas com belas máquinas.
Como promover essa mudança de paradigma?
Estamos trabalhando com a Rede de Agricultura de Precisão, temos site, estamos ministrando palestras, editamos um livro sobre o assunto, porém, não podemos mudar sem contar com a ajuda de todos. A Revista A Lavoura, com certeza, traz uma importante contribuição nesse sentido, ao falar detalhadamente sobre a Agricultura de Precisão.
Partindo do princípio básico da gestão da propriedade, como dar início ao processo? Qual seria o primeiro passo?
O primeiro passo é querer ver a diferença no campo. Quanto maior a diferença, maior será o retorno econômico.
É preciso conhecimento em informática para adotar a Agricultura de Precisão?
Respondo por meio de uma pergunta. Para ser um escritor é preciso conhecimento em informática? Na realidade, quando se tem uma grande propriedade, as ferramentas da informática e a eletrônica embarcada tornam-se aliadas para realizar essa forma de gestão.
Quais as vantagens da Agricultura de Precisão para a preservação ambiental e para otimizar recursos financeiros, insumos e água numa propriedade?
O insumo – incluindo a água – em excesso prejudica a cultura e o meio ambiente. O solo tem capacidade limitada de armazenamento de água e não é o mesmo em toda a extensão da propriedade; ela varia no espaço. Há também áreas que são mais suscetíveis à erosão. Portanto, entendendo melhor as diversas características do campo e tratando de forma a respeitar as diferenças, é possível otimizar e obter retorno, tanto no bolso como no meio ambiente.
Quais os pontos principais para o produtor obter excelência em resultado?
O ponto principal é respeitar as características do campo e nelas tratar a cultura de forma a produzir o melhor que a terra pode fornecer. Em uma agricultura moderna, repleta de máquinas, parece um paradoxo, pois a automação e a mecanização, aparentemente, afastam a comunhão do homem com a terra. Mas a Agricultura de Precisão, na sua essência, traz de volta o homem e desafia-o para que a compreensão seja maior. A diferença entre o passado e o presente é a ciência e a tecnologia muito mais avançadas do nosso lado.
Como escolher os locais para a implantação das culturas e qual a nova forma de se analisar o solo?
Em tese, em um setor de potencial mais elevado, tem-se uma expectativa maior de produtividade e, portanto, é onde se pode investir mais. Entretanto, estamos falando de uma área totalmente equilibrada e não degradada, com todos os setores no seu melhor potencial.
A análise do solo é fundamental, porém, para encontrar as características de toda a área, seria necessária uma quantidade muito grande de amostras.
Para identificar uma calha natural de drenagem, muito provavelmente uma amostra por hectare seria insuficiente. Mas, na prática, amostrar o solo num “grid” menor que um hectare não seria razoável, principalmente, pelo lado econômico.
No passado, a observação identificava as diferenças. Hoje, felizmente, ferramentas como imagem aérea, mapa topográfico, medida de condutividade elétrica, ajudam a identificar áreas com particularidades e orientam os locais de amostragem.
Uma forma de simplificar esta gestão é agrupar as regiões em zonas de manejo utilizando informações de campo. As zonas de manejo são regiões em que as características apresentam suficiente semelhança para tratá-las como uniformes. Dessa forma, ferramentas diversas estão sendo aplicadas para facilitar a gestão.
Temos um exemplo significativo o é chamado Lote 43, na Vinícola Miolo, gleba que inclusive dá origem ao vinho ícone da empresa, que deverá receber Denominação de Origem Controlada. Ali, numa área de 2,4 hectares de terra, cultivados com uvas Merlot, foram identificadas três classes taxionômicas e 10 unidades de mapeamento. Ou seja, num pequeno pedaço de terra são encontrados uma dezena de tipos de solo.
Como repassar à Extensão Rural que a antiga recomendação, que considerava a coleta de várias amostras e a recomendação de correção e adubação pela ‘média’ deve ser substituída pelas ‘particularidades’?
Não se pode dizer que o processo de repasse à Extensão Rural e, consequentemente, aos agricultores é fácil. Pois, ainda hoje, o senso comum estabelecido sobre AP está ligado fortemente aos satélites, às máquinas e aos computadores e muito pouco à sustentabilidade da agricultura. O modo mais adequado para repasse, na minha opinião, é pelo conceito. Para quem compreendeu o conceito básico, a AP torna-se uma agricultura realizada por meio de bom senso. A vontade de tratar as diferenças é que deve fazer com que busque ferramentas e não o contrário.
Quais as novidades da Agricultura de Precisão na área de correção e adubação?
Como a AP é um processo de gestão, cada caso é um caso particular, mesmo para a área de correção e adubação. No início, após a identificação a variabilidade com mapas de produtividade ou de colheita, houve iniciativas para “corrigir” os setores mais deficientes. Hoje, se entende que há etapas a serem seguidas até alcançar uma condição de equilíbrio da fertilidade. A aplicação de insumos à taxa variada estaria no sentido de manter esse equilíbrio.
Quanto às novidades tecnológicas, podemos citar dois interessantes grupos de sensores. O primeiro grupo consiste de sensores que medem alguns parâmetros do solo em tempo real, possibilitando ao agricultor, após processamento dos dados, a visualização de regiões de maior concentração de um determinado elemento ou a orientar uma amostragem mais inteligente do que a amostragem por “grid”. Um bom exemplo, é o medidor de condutividade elétrica, além de outros como sensor para medir quantidade de matéria orgânica e ou acidez do solo, e assim por diante.
O segundo grupo é formado por sensores óticos. Estes medem o quanto a planta está apresentando uma cor “saudável”. Após a medição da área com esses sensores, é possível identificar os locais onde as plantas estariam mais estressadas. Um dos melhores usos desses sensores, é na aplicação de fertilizante nitrogenado, pois as plantas em áreas com menor teor de nitrogênio têm uma coloração menos esverdeada, orientando o agricultor a elaborar mapa de recomendação para aplicação de nitrogênio à taxa variada.
E no setor de defensivos?
Ainda não se tem sistema comercial de sucesso, mas há muitos estudos que mostram um grande potencial. Na realidade, a aplicação manual, detectando visualmente o alvo como planta daninha, já é uma forma de aplicação à taxa variada, porém, é desejável que a identificação fosse feita de forma automática. Há uma quantidade significativa de estudos que vão nessa direção. Imagino que, em breve, teremos um sistema que apresentará sucesso comercial.
Como adaptar o conceito para a pecuária de leite e de corte?
Para produção de pastagem e forrageira, podemos aplicar o mesmo conceito. Porém, a zootecnia de precisão traz o caráter de tratar o animal de acordo as suas necessidades. Dentro desse conceito, dividir animais em grupos de manejo de forma análoga à zona de manejo é uma forma mais ampla do entendimento. A grande diferença entre animais e plantas é que eles têm pernas e elas têm raízes. Portanto, animais não são caracterizados por uma posição geográfica, mas por nome ou por um identificador. Nesse contexto, os brincos eletrônicos aplicados no sistema de rastreamento têm potencial também como ferramenta para gestão do tratamento individual ou por grupo de animais.
Com a escassez dos recursos hídricos, como a fertirrigação pode ajudar na gestão de nutrientes?
Percebe-se que o conceito pode ser ampliado em todas as áreas; se é possível aplicá-lo em animais, por que não na irrigação? Na realidade, a Irrigação de Precisão já é um tema que tem sido estudado. Há tecnologia de sensores sem fio e pivôs centrais que aplicam à taxa variada. Não sei exatamente o motivo pelo qual ainda não estão no mercado, mas não tenho dúvidas de que, sendo a água um insumo escasso no mundo, em breve, veremos no campo. Portanto, todo o conhecimento de aplicação de fertilizante à taxa variada, com a irrigação deve sofrer uma integração. Não é à toa que entendemos a Agricultura de Precisão como uma agricultura de bom senso.
O que são sensoriamentos proximais na agricultura de precisão?
Na realidade, são os sensores óticos que mencionei anteriormente; têm origem no sensoriamento remoto por satélite. A imagem gerada por satélite nada mais é do que captação da luz refletida. A luz pode ser dividida em várias cores, inclusive nas ‘cores’ as quais não podemos ver, como o infravermelho e infravermelho próximo. Fazendo uma analogia com o som, temos o som grave e agudo. Porém, dizemos que a luz tem vários comprimentos de onda, em vez de grave e agudo. Pelo som podemos identificar, por telefone, se uma pessoa está alegre ou se está cansada. Com a luz, por meio de alguns comprimentos de ondas, detectamos se a planta está estressada, se está saudável ou se está com falta de algum nutriente. A grande diferença desses sensores é o custo, são muito mais acessíveis do que os que estão instalados em satélites e com a vantagem de podermos apontar diretamente para a planta que queremos ver, sem precisarmos esperar que a imagem chegue às nossas mãos. Há atualmente quatro fabricantes no mercado internacional e existem algumas unidades em teste nos campos brasileiros. Creio ser uma boa aposta.
Quais as novidades apresentadas na Conferência Internacional sobre Agricultura de Precisão?
É o evento internacional mais importante. Foram mais de 200 novidades apresentadas em 31 tópicos, portanto, é muito difícil descrever todas. O que chamou a minha atenção foi o aumento da quantidade de trabalhos na área de sensoriamento, tanto remoto quanto próximo. Outro ponto importante é o destaque ao papel da AP para uma agricultura sustentável. Acho que estamos no caminho certo.
O significado de precisão, no caso, remete à exatidão, mas poderia ser também relacionado à necessidade, já que é fundamental para otimizar as atividades numa propriedade?
Muito bem observado, mas o termo surgiu em inglês “precision agriculture” e, nesse idioma, não há o sentido poético que o Fernando Pessoa habilmente explorou. Talvez no Brasil possamos ousar e utilizá-lo também no sentido da necessidade.
Esse modelo de pesquisa ‘em rede’ parece meio óbvio, mas ainda é uma novidade. Quais as vantagens desse modelo e como ampliá-lo?
O modelo de pesquisa em rede é relativamente recente na Embrapa. A grande vantagem desse modelo é o compartilhamento de recursos de alto valor e a sinergia entre grupos de pesquisa em temas estratégicos e transversais como a Agricultura de Precisão. Entretanto, o que limita é a disponibilidade de recursos financeiros. A melhor alternativa nesse sentido é por meio de ampliação de parcerias. Entre os nossos 15 campos experimentais, sete são de parceiros privados. Estamos concluindo também a construção de um laboratório específico para esse tema. São 3.000 metros quadrados de área coberta e 2.000 de pátio, em uma área de 5 hectares. Será um local de integração entre várias áreas do conhecimento, entre pesquisadores visitantes tanto nacionais como internacionais, entre alunos de diferente formação, ampliando o potencial de aplicação da Agricultura de Precisão e também de parcerias.