Mais nutritivas, de maior produtividade, colheita precoce e manejo mais fácil em comparação às convencionais. Essas são algumas características de seis novas cultivares de mandioca de mesa, lançadas pela Embrapa
Aipim, macaxeira, mandioca, maniva, uaipi ou xagala. Não importa o nome ou a região de onde vem, esta saborosa raiz – que já foi chamada nos tempos antigos de “Rainha do Brasil” – é uma das mais apreciadas por aqui, e quase unanimidade da culinária nacional.
De olho neste importante produto agrícola, para obter um tipo de mandioca ainda mais nutritivo, com produtividade superior, colheita mais rápida e fácil manejo, cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) buscam, constantemente, novas
experiências. Atualmente, as pesquisas estão direcionadas para a região do Distrito Federal e entorno de Goiás.
Como resultado, em novembro do ano passado, eles apresentaram seis cultivares de mandioca de mesa com novas cores e sabores, cujo desenvolvimento de campo também contou com a participação de produtores rurais e técnicos extensionistas.
Valor nutricional
É importante ressaltar o que nem todos sabem: esta raiz é rica em dois tipos de carboidratos importantes – a amilopectina e a amilose – que, juntos, liberam a glicose mais lentamente para o corpo humano, provocando a sensação de saciedade. Os dois nutrientes ainda facilitam a digestão, evitando picos de açúcar no sangue e fornecendo muita energia para a correria cotidiana.
Prova da sua importância nutricional é que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) vem reforçando sua produção e seu consumo por todo o planeta, na tentativa de desmitificar a ideia de que se trata de uma “comida de pessoas de baixa renda”, mesmo que continue tendo seu papel fundamental no combate à fome no mundo.
Apesar de estar presente há quase sete mil anos na região amazônica, esta raiz só ficou mais nutritiva nas últimas décadas, após pesquisas de melhoramento genético.
Dez anos de pesquisa
Resultantes do programa de melhoramento genético da mandioca de mesa, que custou dez anos de pesquisas, a Embrapa Cerrados (DF) lançou seis novas cultivares biofortificadas: três de coloração da polpa da raiz amarela (BRS 396, BRS 397 e BRS 399); outra, com a coloração da polpa da raiz creme (BRS 398); e mais duas com a coloração da polpa da raiz rosada (BRS 400 e BRS 401).
As rosadas são enriquecidas com licopeno – mesmo nutriente presente no tomate e na melancia –, que já se mostrou eficaz na prevenção do câncer de próstata. As novas variedades têm características que atendem às demandas tanto de agricultores quanto de consumidores. Isto porque são precoces: produzem a partir de oito meses, enquanto as cultivares precoces disponíveis no mercado, geralmente, começam a produzir entre dez e 12 meses, após o plantio.
As seis cultivares também possuem elevado potencial produtivo, arquitetura favorável aos tratos culturais, facilidade na colheita, resistência às principais pragas e doenças, baixo teor de ácido cianídrico (HCN) nas raízes. Ainda têm boa qualidade culinária, teor mais elevado de carotenoides e de características de importância agronômica e tecnológica.
Os primeiros clones de polpa amarela e rosada biofortificados, gerados na Embrapa Cerrados, começaram a ser avaliados de forma participativa em 2011, a partir da análise de 13 amarelos e oito rosados.
Produção participativa
A boa notícia deste trabalho de pesquisas da estatal é que ele contou com a participação de produtores rurais familiares da região, que já vêm testando as novas cultivares no campo. “Sabíamos que nosso trabalho teria de atender às exigências do mercado produtor e consumidor. Estas novas variedades passaram por testes preliminares dentro da Embrapa Cerrados, mas tínhamos o desafio de avaliar esses clones biofortificados com os produtores”, comenta o pesquisador da estatal Josefino Fialho.
“A pesquisa participativa não preconiza levar pacote tecnológico para o produtor, mas permitir um intercâmbio, uma troca de experiência constante entre o produtor, o pesquisador e o extensionista”, ressalta o cientista.
Um dos agricultores que participou do projeto de seleção participativa foi Paulo César Gonçalves, cuja propriedade está localizada no município de Planaltina de Goiás (GO). “Estas variedades são fora de série, só cultivando mesmo para saber. Elas aceitam bem a irrigação e produzem muito mais rápido”, comemora.
Nova opção
Segundo a Embrapa Cerrados, especificamente as cultivares de polpa rosada representam uma nova opção para o mercado de mandioca de mesa. A coloração diferenciada está relacionada à presença de uma quantidade maior de carotenoides nas raízes, como o licopeno, que apresenta importantes propriedades antioxidantes.
Desta forma, são consideradas mais nutritivas em relação às demais variedades de mandioca de polpa branca e creme. “As pessoas acham estranho, em um primeiro momento, mas acabam acreditando que é mesmo mandioca e se interessam ainda mais quando explicamos que ela é mais nutritiva que as demais. Tenho certeza de que o mercado desta variedade vai crescer muito”, aposta o agricultor Raimundo Lúcio da Silva, que também participa do projeto.
Conforme o pesquisador da estatal Eduardo Alano, depois do lançamento das novas cultivares de mandioca, a proposta é fazer uma pressão de seleção muito mais forte nas gerações seguintes. “Os próximos materiais terão de ser melhores que os nossos, que, por sua vez, já são melhores que os materiais-testemunhas usados”, Compara.
“Estamos utilizando o Distrito Federal e o entorno como nosso padrão. É o melhor mercado do Brasil para trabalhar com mandioca de mesa. O DF tem o maior consumo per capita e é onde estão os produtores mais profissionalizados”, informa o pesquisador.
A partir daí, a equipe ampliará a área de testes, encaminhando os clones para que sejam avaliados em outras regiões do Brasil por parceiros estratégicos. Mas para que a pesquisa participativa funcione, Alano destaca que ela precisa seguir alguns critérios: o material genético para levar para os produtores, o interesse dos produtores em testar estes materiais, o mecanismo de extensão rural ágil e eficiente e, por fim, “um financiador que acredite na ideia”.
Histórico
O pesquisador ainda conta como a pesquisa efetivamente ocorreu no campo. “Depois de um trabalho árduo de visita aos produtores de praticamente todos os núcleos rurais do DF e entorno, foram selecionados alguns deles para participar do projeto. Tínhamos de selecionar bons produtores para alcançar o resultado que gostaríamos”, lembra.
Para uma boa abrangência no DF, Alano relata que foram escolhidos agricultores de diferentes núcleos rurais e com distintos sistemas de produção, inclusive de orgânicos, para que os resultados fossem os melhores possíveis.
Os produtores rurais escolhidos tinham (e ainda têm) a mandioca como carro-chefe da propriedade, ou seja, já se relacionavam com o mercado, vendendo este produto agrícola no mercado interno. Após a fase inicial, em conjunto com os produtores, foi realizado o plantio das novas variedades. A cada dois meses, os pesquisadores envolvidos neste trabalho visitavam os locais para acompanhar o desenvolvimento da cultura.
“Estávamos sempre juntos com os agricultores, assim eles valorizavam mais o trabalho.
Não é plantar e só voltar para colher”, ressalta. Depois da colheita, eram feitas as avaliações finais. Nesta fase, pesquisadores e produtores se reuniam e os agricultores ranqueavam as variedades, levando em consideração a ordem de preferência deles.
Os trabalhos de pesquisa foram conduzidos pela Embrapa Cerrados e Embrapa Recursos
Genéticos e Biotecnologia, em parceria com os produtores rurais, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF), Fundação Banco do Brasil e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Destaques
A Embrapa informa que, para mandiocas amarelas, foram avaliadas 23 unidades em diferentes pontos no Distrito Federal. Por isto, Alano defende a eficiência do trabalho, pois somente cinco unidades (20%) foram perdidas, sendo apenas uma por falta de cuidado por parte do produtor
e as outras prejudicadas por motivos alheios, como o excesso de chuva, a falta de água e o ataque da broca-da-raiz da mandioca.
O destaque entre os agricultores foi a BRS 399, eleita a melhor cultivar em oito das 23 unidades. Nove agricultores a escolheram como segundo melhor material. “É o nosso campeão de produtividade”, aponta o pesquisador.
Conhecida como “japonesinha”, a cultivar do Instituto Agronômico de Campinas IAC 876-70 é hoje a variedade mais plantada na região (detém 80% do mercado no DF) e participou da pesquisa como “testemunha”, obtendo posição intermediária no ranking.
A tabela de probabilidade acumulada de classificação mostra que a BRS 399 ficou entre os quatro primeiros colocados em 86,96% das avaliações dos produtores; enquanto a IAC 576-70 ficou em quarto lugar, em 30,43% das vezes.
Vantagens
Segundo a Embrapa Cerrados, as vantagens destacadas pelos produtores, quanto ao melhor clone, foram a arquitetura, porque a alta ramificação facilitou (e facilita) o plantio mecanizado e a cobertura do solo; a disposição das raízes; a cor da polpa mais amarela que o material encontrado no mercado, decorrente de maior teor de carotenoides nas raízes.
Ainda apontaram como vantagens a produtividade média de raízes de 40,98 toneladas por hectare, superando a média nacional e do DF (16 ton./ha), bem como a média obtida com o cultivo da japonesinha (30,30 ton./ha); a maior e a menor produtividade entre os produtores (69,79 ton./ha e 16,46 ton./ha, respectivamente), que foram superiores ao maior e ao menor rendimento obtidos com a japonesinha (62,55 t e 11,46 t/ha).
Os agricultores envolvidos também destacaram que a BRS 397 tem arquitetura melhor que a da BRS 399, porque retém as folhas mesmo no período seco, com produtividade média de 36,61 toneladas por hectare, produtividade máxima de 78 ton./ha e maior teor de carotenoides nas raízes.
Já a BRS 396 tem a primeira ramificação um pouco mais baixa que a 397, raízes mais curtas, com padrão mais comercial; produtividade média das raízes de 35,84 ton/ha e pico de produtividade de 50 ton./ha. “É um material com raízes padronizadas, que deve ganhar espaço na região do DF”, aposta Alano.
Já a cultivar BRS 398, que a Embrapa Cerrados esperava ficar em último lugar na avaliação, por ter a polpa das raízes na cor creme, chamou a atenção dos agricultores envolvidos no projeto, que comercializam a mandioca em caixa, por causa do padrão comercial das raízes.
Rosadas
Em relação às cultivares rosadas, foram avaliados oito clones em 13 unidades, com perda de apenas cinco delas, sendo somente uma em razão da falta de cuidado por parte do produtor. Da mesma forma, foi feito o ranqueamento dos materiais, revelando dois com potencial: BRS 400, que ficou até a quarta posição em todas as propriedades, e BRS 401, que ficou até o terceiro lugar em todas as propriedades.
“Este tipo de situação (avaliação dos produtores) é importante, pois nos dá mais confiança para recomendar estes materiais”, comenta Alano.
Apesar de a arquitetura da variedade BRS 400 ter ramificação baixa e necessitar de um bom manejo de espaçamento para a cobertura de solo, a produtividade média de suas raízes é elevada (28,58 toneladas por hectare), sendo que o topo foi de 45,79 ton./ha. Já a BRS 401 apresenta arquitetura melhor, próxima à dos materiais amarelos, com média de produtividade 29,10 ton./ha e pico de 59,88 ton./ha.
Perspectivas
A equipe de pesquisa da Embrapa Cerrados e parceiros esperam, agora, dar continuidade às ações de melhoramento genético, com a geração e seleção de clones específicos para o bioma Cerrado, e também continuarem o trabalho de melhoramento participativo. Diante da possibilidade de lançamento de mais cultivares, será necessário investir em áreas de multiplicação de clones promissores. Estudos sobre adubação e calagem devem ser intensificados, informa a estatal, bem como a irrigação em cultivo de mandioca de mesa.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária também destaca que o emprego da mandioca na alimentação animal é uma possibilidade interessante, principalmente a parte aérea da planta, que não é usada após a colheita, e as raízes, que não serão comercializadas pelo produtor. “Já fizemos o levantamento da composição nutricional da parte aérea e das raízes de todos os materiais lançados”, adianta Alano.
Outra área que já está sendo estudada é a da pós-colheita da mandioca, com agregação de valor por meio do processamento mínimo de raízes. Conforme o especialista, ainda são perspectivas de estudo a realização da análise de processamento da mandioca açucarada para a produção de etanol; o estabelecimento de parcerias estratégicas para a introdução de clones em outras regiões; e o controle da broca-da-mandioca, trabalho recém-iniciado na Embrapa Cerrados, com o objetivo de descobrir a época da chegada do inseto às lavouras e a melhor forma de controle da praga.
Contatos
Produtores rurais interessados em obter mais informações sobre as novas cultivares de mandioca devem procurar o Serviço de Atendimento ao Cidadão da Embrapa Cerrados pelo telefone 61 3388-9933 ou pelo site www.embrapa.br/fale-conosco/sac.
Informações sobre o sistema de produção de mandioca podem ser encontradas na publicação “Mandioca no Cerrado: orientação técnicas”, disponível gratuitamente no site: www.embrapa.br/cerrados.