O Creme dental, desodorante, sabonete, filtro solar, hidratante. Todos os dias, até por hábito, o ser humano utiliza produtos que, muitas vezes, trazem composições desconhecidas para os leigos em química. Então, como saber se o que é usado na boca, cabelo, rosto e no corpo inteiro é benéfico para a saúde do organismo?
Um caminho teoricamente comum para o consumidor, que deseja se informar sobre a confiabilidade de determinado item, seria recorrer à legislação vigente. Mas e se esta lei não corrobora para esta escolha? É exatamente isto que ocorre, no Brasil, com quem opta por produtos orgânicos de higiene pessoal: esta linha não tem espaço na lei brasileira.
“A análise da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) diz o seguinte: ‘como no processo de fabricação do cosmético ocorre uma reação química, o produto final não pode ser considerado orgânico, mesmo que os insumos sejam produzidos desta forma’”, relata Sylvia Wachsner, coordenadora do Centro de Inteligência em Orgânicos (CI Orgânicos), da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA).
Fora a reação química, inerente ao processo de produção de um cosmético, outras questões precisam ser pensadas para caracterizar um item como orgânico. “Os cosméticos orgânicos são produzidos de forma natural, desde a escolha da matéria-prima até seu processamento”, informa Clelia Angelon, fundadora da Surya Brasil, empresa brasileira especializada em cosméticos orgânicos e veganos.
Certificadoras
Para contornar a ausência de leis e diretrizes, segundo Clelia, “existem as certificadoras, que são responsáveis por verificar se os insumos utilizados, os processos produtivos, o armazenamento das matérias-primas, as embalagens, os rótulos, as instalações, a utilização de recursos energéticos e o tratamento de resíduos estão todos de acordo com as normas estabelecidas por estas agências certificadoras”.
“Estes pontos citados fazem parte dos princípios do Cosmos, referencial europeu criado por organismos certificadores — como BD HI, Ecocert, CosmeBio, entre outros —, que se uniram com o propósito de suprir a necessidade de obter um referencial padronizado” para os produtos orgânicos de higiene pessoal.
Ela ainda destaca que estes associados pretendem estabelecer requisitos mínimos comuns para a certificação de cosméticos naturais e orgânicos. “Apesar de o Brasil não ter uma regulamentação legal neste sentido, o Ecocert e o Instituto Biodinâmico (IBD ), por exemplo, concedem os selos aos produtos nacionais orgânicos baseados nesses parâmetros internacionais”, informa Clelia. “As certificações de produtos naturais e orgânicos garantem a credibilidade ao consumidor, que tendem a buscar informações químicas na rotulagem do produto”, diz a fundadora da Surya Brasil.
Disputa no governo
No Brasil, o direito de classificar um produto como orgânico, atualmente, ganhou ares de disputa entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a Anvisa. “A existência de normas, leis e diretrizes nacionais para o setor facilitará e trará segurança na comunicação transparente junto ao consumidor. Uma lei que padronize os critérios de avaliação dos produtos orgânicos irá garantir informações claras e objetivas a todos os envolvidos na cadeia, desde empresários/produtores até os consumidores finais”, avalia Clelia.
Por meio da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado está em trâmite um Projeto de Lei Suplementar que visa à regulamentação do registro e a comercialização de cosméticos orgânicos no País. Seguindo os parâmetros do Cosmos (modelo europeu), o PLS nº 532/2015 prevê que este tipo de cosmético deve ter seus insumos obtidos em sistema orgânico de produção agrícola ou oriundo de processo extrativista sustentável e não prejudicial ao ecossistema local.