Boas práticas preconizadas pelo programa Balde Cheio também quintuplicam produção orgânica leiteira
Baixa produção de leite, índices zootécnicos ruins e pastagens degradadas. Esse também era o cenário da fazenda Nata da Serra até 2006. Segundo o produtor Ricardo Schiavinato, sua propriedade patinava. “Nossa produção de leite orgânico era extrativista. As vacas sofriam muito porque não se alimentavam direito. Eu trabalhava e não tinha resultados”, conta.
Em 2006, a produção diária era de 250 litros de leite. Hoje, a fazenda agroecológica, localizada em Serra Negra, interior de São Paulo, produz diariamente cerca de 1.200 litros de leite orgânico.
Tecnologias sustentáveis
A mudança ocorreu com a introdução de tecnologias sustentáveis e de metodologias do Balde Cheio, projeto desenvolvido pela Embrapa Pecuária Sudeste, de São Carlos (SP), com foco, principalmente, na qualidade do pasto para alimentação das vacas e na melhoria da genética dos animais.
A Nata da Serra foi a primeira propriedade orgânica do Balde Cheio. Aplicar as soluções de pesquisas, até então utilizadas apenas em propriedades convencionais, foi um aprendizado tanto para a Embrapa como para o pecuarista.
De acordo com o pesquisador Artur Chinelato de Camargo, o desafio foi substituir métodos tradicionais, como as adubações químicas, por compostos orgânicos e os medicamentos alopáticos por fitoterápicos ou homeopáticos, mantendo a alta produtividade alcançada por outras fazendas participantes do Balde Cheio.
Pasto melhorando
O primeiro passo de Schiavinato com a entrada no Balde Cheio, em 2007, foi melhorar o pasto. “Dividimos a pastagem em piquetes, adubamos e irrigamos. A produção aumentou e, então, apareceram novos desafios, como o de ter animais mais aptos para a atividade leiteira”, explica o pecuarista.
Assim, com a utilização dos conhecimentos de pesquisas, principalmente em manejo de pastagem e melhoramento genético do rebanho, Schiavinato saltou de uma produção anual de 2.200 litros de leite por hectare, em uma área de 45 hectares, para cerca de 20 mil litros em metade da área inicial. Atualmente, a atividade leiteira ocupa 25 hectares da fazenda.
Com o passar do tempo, a propriedade passou a ser referência para as demais Unidades Demonstrativas do projeto pelo uso de técnicas sustentáveis. Além disso, os bons resultados servem de incentivo para outros produtores orgânicos, como Junior Saldanha, de São Carlos (SP). Certificado há um ano, o agricultor tem conseguido lucro com o leite orgânico. A produção diária atual é de 750 litros ao dia, mas a previsão para o próximo ano é de mil litros ao dia.
Sistema orgânico
Saldanha trabalhou durante dez anos na atividade leiteira convencional. Há mais de dois anos, iniciou a conversão para o sistema orgânico e, em outubro de 2014, conseguiu a certificação. Já em 2015, passou a contar com o apoio dos técnicos do Balde Cheio.
De acordo com o produtor, a principal marca do projeto em sua fazenda é o aumento da produção e qualidade da pastagem. Júnior Saldanha também investiu em irrigação para ter pasto para os animais o ano inteiro.
Só no inverno passado, mesmo com apenas 30% do sistema de irrigação em funcionamento, ele conseguiu economizar dinheiro, porque necessitou de uma quantidade menor de concentrado de soja para as vacas.
Na área irrigada, foram cultivadas na propriedade espécies forrageiras de clima temperado, em consórcio com braquiária, que têm bom potencial de produzir forragem para alimentação de vacas leiteiras, mesmo em épocas frias, necessitando apenas de umidade para seu desenvolvimento. Assim, ele diminuiu os gastos com o fornecimento de suplementação e melhorou a disponibilidade de pasto.
Para o engenheiro agrônomo da Embrapa André Novo, que acompanha as propriedades que integram o Balde Cheio, a proximidade entre a pesquisa, a extensão rural e a cadeia produtiva é uma estratégia eficaz para o desenvolvimento sustentável da pecuária leiteira brasileira. “Ainda há muitos desafios, mas os resultados positivos nas fazendas orgânicas e também nas mais de duas mil convencionais que estão no programa, mostram que essa aliança é recompensadora”, pontua.
Princípios orgânicos
Arthur Chinelato diz que os conhecimentos e as recomendações técnicas do Balde Cheio são praticamente os mesmos para os dois sistemas: convencional e orgânico. “O processo de ordenha, irrigação para intensificação do uso da terra, altura de entrada e saída dos animais dos piquetes são os mesmos. O que muda são as restrições do modelo orgânico, como o uso de fertilizantes químicos e agrotóxico”, esclarece o pesquisador.
A base do programa é igual: pasto de qualidade e melhoramento genético dos animais.
O bem-estar das vacas também deve ser uma preocupação constante do produtor orgânico. A atividade animal precisa estar integrada à produção vegetal. “O bem-estar é o principal. E este conceito está inserido na filosofia do Balde Cheio, que é oferecer alimento de qualidade, água boa à vontade, sombra, não deixar os animais serem parasitados com ecto e endoparasitas, entre outros cuidados”, explica Schiavinato.
Chinelato, entretanto, faz um alerta: “o pecuarista só deve entrar neste modelo de produção se tiver certeza de compra dos produtos”. Segundo o pesquisador da Embrapa, “é um negócio rentável, mas a garantia de venda dos produtos é essencial, já que o custo de produção é maior que o convencional”.
O técnico da Embrapa explica que os adubos de compostos orgânicos são mais caros do que os fertilizantes químicos, além da concentração de nutrientes ser menor. “Assim, o produtor terá que usar uma quantidade maior de adubo para ter o mesmo resultado dos fertilizantes”.
Outro desafio, segundo o pesquisador, é a suplementação alimentar. “O pecuarista não pode usar milho ou soja convencionais. Somente suplementos orgânicos são recomendados neste modelo de criação. No entanto, são mais caros e difíceis de serem encontrados”, pontua Chinelato.
Demanda em alta
Na contramão do que acontece com alguns setores brasileiros, a produção orgânica está em expansão no Brasil. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o mercado de produtos orgânicos, desde 2009, cresce em média, 25% ao ano. Nesse segmento, o leite orgânico e seus derivados também ganham espaço e a demanda ainda é maior do que a disponibilidade.
Parcerias
No interior de São Paulo, em Itirapina, a Fazenda da Toca está investindo em parcerias com outros produtores de leite para ampliar a oferta desse produto. Conforme o gerente da propriedade, Serrano Júnior, a produção diária é de aproximadamente quatro mil litros de leite. Deve fechar este ano com acréscimo de dois mil litros/dia. A meta para 2017 é produzir cinco mil litros diariamente. Para isto, tem buscado produtores de leite convencional interessados em fazer a conversão para o orgânico.
A Embrapa Pecuária Sudeste tem apoiado produtores interessados na produção orgânica por meio de eventos técnicos sobre a viabilidade desse sistema na região. Muitos dos interessados que participam dos eventos saem animados e determinados a fazer a conversão da propriedade, já que os produtos têm maior valor agregado.
Segundo o gerente da Fazenda da Toca, os produtores envolvidos recebem incentivo por meio de assistência técnica, garantia de aquisição do leite, informações e apoio para a certificação da propriedade. A Embrapa contribui com treinamento e capacitação de produtores e técnicos, além do desenvolvimento de pesquisas na área de produção orgânica, como uso da homeopatia para controle de carrapatos e mastite, que estão ocorrendo na Embrapa Pecuária Sudeste.
Balde cheio
Levar aos produtores rurais soluções de pesquisas desenvolvidas na Embrapa é o objetivo do Balde Cheio, que tem transferido tecnologia e promovido o avanço da pecuária leiteira. Assim, tem contribuído para tornar as pequenas propriedades sustentáveis e mais rentáveis.
Os profissionais de extensão rural são capacitados pelo programa em produção intensiva de leite. Além disso, o Balde Cheio proporciona a troca de informações sobre aplicação de técnicas e monitora os impactos ambientais, econômicos e sociais nos sistemas de produção que adotam as tecnologias propostas pela estatal.
Para participar, produtores e técnicos devem entrar em contato com o coordenador ou instituição responsável pelo programa em sua região. Outras informações podem ser encontradas no endereço www.embrapa.br/pecuaria-sudeste.