Sistema Integração Lavoura-Pecuária-Floresta foi implantado em uma pequena propriedade rural de Mato Grosso do Sul com resultados surpreendentes
Mais soja, mais milho, menos emissão de gases de efeito estufa, associados ao crescimento da criação de suínos em uma mesma propriedade rural, sem aumentar a área agrícola. O bom resultado parece distante da realidade, mas não é o que comprova um experimento realizado no Assentamento Rural Campanário, no município de São Gabriel do Oeste, em Mato Grosso do Sul. E o segredo do sucesso tem quatro palavras simples: Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).
Realizado pela Embrapa Pantanal (MS), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Cooperativa Agropecuária de São Gabriel do Oeste (Cooasgo), o estudo mostrou elevação da produtividade da soja em 35%, do milho em 58%, redução das emissões de gás carbônico em até 28%, de metano em até 80% e de óxido nitroso em até 95%.
Para chegar a estes números, o experimento integrou produção de suínos com lavoura, pastagem e plantação de eucaliptos e ainda aliou ao uso de um biodigestor, tecnologia que decompõe dejetos, produzindo gás metano e biofertilizante. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o trabalho também envolveu boas práticas de manejo e conservação do solo.
Biodigestores
Os dejetos suínos, que podem se tornar um grave problema ambiental se mal manejados, foram processados em biodigestores e geraram biofertilizantes que foram aplicados ao pasto e à lavoura. Além disto, o gás metano produzido pelos dejetos gerou energia elétrica para a propriedade.
“Tanto os biofertilizantes como a eletricidade produziram excedentes que poderiam ser comercializados pelo produtor. Trata-se de novos produtos decorrentes da reciclagem energética”, relata a autora do estudo, Luz Selene Buller, doutoranda da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, que conduziu aspesquisas em MS.
Renovabilidade
De acordo com a especialista, outro impacto importante observado no modelo foi o aumento da chamada “renovabilidade do sistema”, termo que serefere à dependência que esta produção tem dos recursos não renováveis, tais como fertilizantes químicos, entre outros insumos finitos.
“Ao se produzir localmente seus fertilizantes, a propriedade torna-se mais independente de recursos externos e isso também aumenta a sustentabilidade do sistema”, afirma Luz, informando que a pressão ambiental do experimento equivale à metade da pressão de uma produção convencional, conforme dados do estudo.
Pesquisador da Embrapa Pantanal, coordenador da pesquisa e co-orientador do trabalho da doutoranda, Ivan Bergier explica que a renovabilidade é um indicador inovador de sustentabilidade para a avaliação de agroecossistemas e que deve se popularizar. “Trata-se de um conceito muito mais amplo que envolve diversos itens necessários à produção sustentável”, salienta.
Economia
Conforme a pesquisa, ao produziros próprios insumos por meio da reciclagem, o produtor rural envolvido no projeto reduziu os gastos com fertilizantes químicos e energia elétrica. Além disto, o ILPF diversificou a produção, adicionando novos produtos à carteira da fazenda que, em vez de se dedicar somente à monocultura, produz suínos, milho, soja, eucalipto, bovinos e energia.
De acordo com a Embrapa Pantanal, a rentabilidade econômica foi comprovada pela medição do “equilíbrio da troca comercial”, um índice que demonstra se a situação econômica está mais favorável para o mercado, para o produtor ou para os dois.
“No caso do experimento, o produtor ficou com uma clara vantagem econômica, o que demonstra a boa rentabilidade até para pequenos produtores”, informa a pesquisadora Luz Selene. O sistema avaliado, segundo a estatal, ocupou uma área de 22,4 hectares, o que caracteriza uma pequena propriedade de MS, destaca a Embrapa.
O aumento na produtividade de soja e milho em valores consideráveis — 35% e 58%, respectivamente — envolve a melhoria da fertilidade do solo e adoção de boas práticas de manejo, como a do plantio direto, relata a especialista. O sistema empregado, aliado ao manejo, preservou melhor o solo, diminuindo as perdas de matéria orgânica e reduzindo a erosão.
Mitigação de GEE
Outro ponto importante do ILPF associado à suinocultura, na propriedade sul-mato-grossense, foi a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) influenciada, especialmente, à utilização de um biodigestor para o tratamento dos dejetos suínos.
Se comparado à produção convencional, o experimento obteve queda de 28% nas emissões de CO2 e emitiu 80%menos metano, um gás 25 vezes mais potente que o gáscarbônico na geração do GEE. Mas a redução mais surpreendente, segundo a Embrapa Pantanal, foi na emissão do óxidonitroso: em torno de 95%. Uma unidade deste gás produz o mesmo efeito que 298 unidades de CO2 equivalente.
Luz Selene explica que o papel do biodigestor nestes resultadosfoi fundamental. “A mitigação das emissões de metano e de óxido nitroso decorreram quase que totalmente da destinação dos dejetos suínos para o biodigestor.”
Menos água
O gerenciamento hídrico também recebeu atenção especial. Afonso Líbero Rosalen, proprietário da fazenda Bambu (MS), instalou um sistema de captação de água de chuva inspirado na Unidade Experimental da Embrapa de São Gabriel do Oeste. A partir daí, ele já comemora a economia de água durante os três anos de operação do sistema.
O agricultor conta que já faturou dez vezes mais o investimento feito inicialmente: quase R$ 160 mil para instalar encanamentos, caixas d’água, revestimento das cacimbas, entre outros. Além disto, os gastos com fertilizantes também caíram muito, porque o efluente líquido dos dejetos é usado como biofertilizante na pastagem de sua fazenda.
Na propriedade de Rosalen, a água das chuvas é captada a partir dos telhados dos cinco galpões da granja, com capacidade para criação de aproximadamente quatro mil suínos, e é direcionada por meio de canos hidráulicos para duas lagoas, com capacidade de armazenamento de 8,2 mil litros de água de chuva.
Quando os dois reservatórios enchem, outro cano leva a água excedente para um terceiro reservatório. Este estoque substitui a água de poços artesianos e é utilizada na dessedentação animal, limpeza racional das granjas e também na Irrigação do pasto. Operando com os reservatórios cheios, a autonomia de água captada dá para abastecer a granja durante quatro meses, sem a necessidade de reabastecimento, afirma Rosalen.
Bioenergia
Durante o estudo da Embrapa Pantanal e parceiros no assentamento de São Gabriel do Oeste, houve queda na emissão de metano em até 80%. Além de ser uma energia renovável, ele substitui a queima de 800 litros de óleo diesel por dia de um motor de 200 kVA (quilovoltampere). O diesel é um combustível fóssil derivado do petróleo, portanto, é uma fonte não renovável.
Os motores transformados a gás movimentam também grupos geradores capazes de produzir até 200 kVA de energia elétrica, que pode ser utilizado na própria granja, e seu excedente vendido para companhias distribuidoras de energia.
Empresário pioneiro na conversão de motores de diesel para biogás, Luís Rieger informa que, no primeiro semestre de 2015, houve um aumento significativo na procura, por parte dos agricultores, para instalação de motogeradores visando à produção de energia elétrica.
Ele cita o exemplo de uma granja de suínos, onde o sistema de biodigestores e motores a biogás foi instalado, com seis mil animais que geram gás metano em quantidade mais que suficiente para o funcionamento de seu motor de 200 kVA. Funcionando 20 horas por dia, explica Rieger, o motor diminui a conta de energia elétrica em R$ 40 mil mensais.
Saneamento urbano
O empresário defende que estes sistemas podem perfeitamente ser adaptados para funcionar em empresas de saneamento e esgoto urbano e gerar energia a partir dos dejetos de humanos e diminuir a emissão do gás de efeito estufa. “É o futuro”, garante Rieger. “Algumas empresas já têm procurado por estes serviços, para planejamento de projetos específicos para este caso”, conta.
Pesquisador da Embrapa Pantanal, Ivan Bergier aponta outra vantagem: o modelo de destinação de dejetos para geração de energia, usado nas granjas de suínos, com as devidas adaptações, pode vir a ser aplicado no saneamento e esgoto urbano com produção de bioenergia e fertilizantes orgânicos de fezes humanas, seguindo recomendações e avaliações da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (ONU/FAO).
O mesmo ocorre com o sistema de captação de água das chuvas, que pode ser implantado nos telhados das residências, sendo redirecionado para caixas de armazenamento, podendo reduzir bastante as enchentes, por exemplo, que tendem a se tornar mais frequentes com o problema das mudanças climáticas.
A Embrapa destaca que esta intensificação sustentável ainda pode ampliar os serviços ambientais tanto nas propriedades rurais como nas cidades, contribuindo assim para a regulação hídrica — a manutenção dos aquíferos subterrâneos e da qualidade de água superficial de rios, lagos e lagoas além de contribuir para a redução de produção e emissão dos gases do efeito estufa.