Na nova tecnologia, o milho safrinha e a Brachiaria ruziziensis são semeados simultaneamente na mesma operação. Este manejo pode elevar a produtividade da soja cultivada em sucessão e cultivo do milho safrinha em até 20%. Além disso, melhora a qualidade do solo e também vira forragem para os animais na entressafra
A implantação de capins em consórcio com o milho é uma prática comum desde os tempos de nossos avós, visando ao estabelecimento ou à renovação de pastagens. Com a introdução de novas tecnologias, no final do século passado, essa técnica foi inovada e passou a ser utilizada nas modernas lavouras de milho verão, com características e denominações diversas (Sistema Santa Fé, Sistema Barreirão etc.). Na maioria das vezes, o que permitiu esse avanço foi a adoção de procedimentos para a mecanização da implantação e para o retardamento da emergência e/ou desenvolvimento dos capins, evitando-se a matocompetição.
Já o consórcio com o milho safrinha é mais recente e tem suas próprias especificidades. O milho safrinha é cultivado em um ambiente peculiar, com menor disponibilidade de água e calor, em comparação ao milho verão. Isto desfavorece o crescimento do capim de origem tropical. Assim, o maior desafio não é suprimir o crescimento inicial do capim, mas proporcionar boas condições para o seu estabelecimento e desenvolvimento.
Outra diferença importante é que o objetivo não é formar pasto, embora a forrageira possa ser pastejada em curto espaço de tempo (dois meses, em média), e sim utilizar a planta forrageira como planta de cobertura. Para tanto, a gramínea não pode produzir sementes antes do manejo, precisa cobrir a área uniformemente, ser de fácil dessecação e proporcionar bom desempenho da máquina semeadora de soja. A Brachiaria ruziziensis é a espécie que atende a todos estes requisitos.
Bons resultados
O consórcio vem dando bons resultados nas regiões onde se cultiva o milho safrinha, nas quais predomina o sistema plantio direto e a sucessão com a soja, sem rotação de culturas. O solo fica sem uso no período entre a colheita do milho safrinha e a semeadura da soja, favorecendo a decomposição da palha e o desenvolvimento de plantas invasoras.
Devido às poucas opções rentáveis para rotação e ao desestímulo do uso de plantas de cobertura, pela falta de retorno econômico imediato, o consórcio de milho safrinha e plantas forrageiras permite diversificar o cultivo sem alterar a sucessão com a soja. Com um investimento mínimo, é possível aumentar a cobertura do solo com palha, melhorar a produtividade da soja em sucessão e, ainda, ter uma opção de produção de forragens para animais na entressafra.
Principais métodos de implantação do consórcio
Os métodos de implantação da braquiária que se adequam à maioria dos ambientes de milho safrinha são os simultâneos ou com uma mínima defasagem de tempo em relação à semeadura do milho, seja com distribuição das sementes a lanço ou no sulco de semeadura.
A distribuição a lanço é utilizada em lavouras com espaçamento reduzido e deve ser feita antes da semeadura do milho, para permitir que os mecanismos das linhas da máquina semeadora-adubadora incorporem parte das sementes do capim. As desvantagens deste método são o maior gasto de sementes (pelo menos o dobro em relação ao consórcio intercalar) e a emergência em reboleiras, conforme as condições climáticas na época da semeadura do milho safrinha.
No Mato Grosso, por exemplo, a semeadura ocorre mais cedo e, nessa época, as chuvas são mais freqüentes e o solo se mantém com umidade adequada para germinação do capim, mesmo semeado a lanço. Já no sudoeste do Estado de São Paulo e no norte do Paraná a semeadura é mais tardia, as chuvas mais irregulares e a umidade do solo menos uniforme no momento da implantação do consórcio. Se o capim for semeado a lanço, a emergência fica desuniforme e em reboleiras, comprometendo o estabelecimento da forrageira.
Distribuição simultânea
A distribuição simultânea pode ser feita na própria linha de semeadura, utilizando semeadora de milho com caixa para sementes de capins ou fazer a adaptação da terceira caixa em oficina regional.
No caso do milho safrinha, não se deve utilizar a técnica da mistura das sementes com o adubo de semeadura, pois o posicionamento profundo do adubo pode retardar a emergência do capim. Também a mistura da semente com o fertilizante nitrogenado de cobertura não é adequada, pois o adubo é distribuído algum tempo depois da emergência do milho.
Consócio com linha intercalar
O consócio com linha intercalar é o melhor método quando o milho safrinha é cultivado com espaçamento entrelinhas de 80cm ou 90cm. Desenvolvido inicialmente para as condições de Mato Grosso do Sul, o consórcio foi adaptado às características do Médio Paranapanema, em São Paulo, e também a outras importantes regiões produtoras de milho safrinha.
Nesta região paulista e em parte do Paraná e Mato Grosso do Sul, predominam pequenas e médias propriedades que adotam, em sua maioria, espaçamentos convencionais, viabilizando a adoção do consórcio intercalar.
A máquina que semeia a soja é a mesma que será utilizada no milho safrinha, com o mesmo espaçamento entre carrinhos. Normalmente, o produtor tira uma linha sim outra não após a semeadura da soja, deixando a máquina preparada para o espaçamento de 80cm a 90cm do milho safrinha.
No caso da utilização do consórcio, o produtor deve manter as linhas a 45cm e utilizar discos diferentes para o capim: em semeadoras convencionais é utilizado o disco universal de sorgo de 5mm com 50 furos e nas semeadoras pneumáticas, o disco de canola de 1,2 a 1,5mm com 120 furos. Apenas a linha do milho deve ser adubada e, para tanto, deve-se tapar a saída da caixa de adubo na linha onde será semeada a planta forrageira.
Benefícios do consórcio
A eficiência do consórcio depende de peculiares de cada ambiente, como o clima, a fertilidade do solo e a época de semeadura. Na região do Médio Paranapanema, os resultados obtidos nos diversos ensaios conduzidos pelo IAC/APTA , indicam uma introdução de 1,5 a 2,5 t/ha de massa seca, promovendo melhoria na cobertura do solo.
Como as forrageiras em consórcio com milho safrinha apresentam desenvolvimento inicial lento, o maior acúmulo de massa ocorre após a maturidade do milho safrinha, até o momento da dessecação para semeadura da soja.
Os ensaios evidenciaram, também, uma condição mais favorável à cultura da soja implantada em sistema plantio direto sobre a palha do capim, comparada ao o sistema com milho solteiro (testemunha).
Produtividade
Em um ano com período prolongado de seca, na época da implantação da soja, não ocorreram problemas de germinação e desenvolvimento posterior das plantas de soja em áreas com o consórcio milho safrinha e plantas forrageiras. Na verdade, foi verificado o contrário nas áreas-testemunhas sem o consórcio. Com relação à produtividade da soja, foram observados aumentos de até 23% nas áreas de consórcio, em relação às áreas de milho safrinha solteiro, em decorrência, entre outros fatores, da ciclagem de nutrientes.
O consórcio de milho safrinha e plantas forrageiras permite, além de diversificação das espécies cultivadas, a maximização da ciclagem de nutrientes. São acumulados cerca de 25 kg de potássio (K20) por tonelada de massa seca da parte aérea da B. ruziziensis que, após a dessecação com glifosato, são rapidamente mineralizados e contribuem para a nutrição da soja cultivada em sucessão.
Outro aspecto importante do sistema é a melhoria esperada na qualidade do solo. As plantas forrageiras, principalmente as dos gêneros Brachiaria e Panicum, apresentam um sistema radicular bastante longo e vigoroso, com capacidade de promover a reestruturação do solo. Esse efeito se dá em longo prazo e está sendo avaliado nos ensaios mantidos por maior duração. O que se espera é que, com o consórcio, além de maior proteção da superfície do solo contra impacto de gotas de chuva e das altas temperaturas, sejam melhoradas as propriedades físicas do solo, favorecendo a infiltração e a retenção de água e o arejamento das raízes das culturas.
Cuidados a serem tomados
- Qualidade das sementes: O correto estabelecimento do consórcio depende da boa qualidade das sementes do capim. A maioria das sementes de forrageiras visa atender ao mercado pecuarista que, pela necessidade de maior volume para distribuição a lanço e pouco impacto da presença de terra e plantas daninhas na formação das pastagens, adota padrões oficiais relativamente baixos na comercialização das sementes. O valor mínimo do valor cultural (VC) para comercialização é 50. O VC é o produto entre a pureza (%) e a germinação (%, em tetrazólio) das sementes. No caso do consórcio, deve-se utilizar sementes com VC acima de 70 que, por apresentarem altos índices de germinação e pureza, são apropriadas para distribuição nas pequenas quantidades requeridas no cultivo consorciado, e reduzem a chance de contaminar a área com nematoides e plantas daninhas. O gasto de sementes VC 70 no cultivo intercalar é de aproximadamente 3 kg/ha.
- Acompanhamento do desenvolvimento do capim e supressão com herbicidas: Geralmente, não há diferença significativa na produtividade de grãos de milho comparando-se o milho no consórcio e o milho solteiro, não sendo necessária a aplicação de herbicidas para a supressão parcial do crescimento do capim.
Da mesma maneira, não há necessidade de aumentar a adubação nitrogenada de cobertura do milho safrinha para compensar possível absorção pelo capim. Porém, quando se utiliza população elevada da forrageira, híbridos de milho de folhas mais eretas e/ou quando a época de semeadura do milho é antecipada (período mais quente) a produção de massa do capim pode ser favorecida, atingindo 3,0 t/ha ou mais, afetando o desenvolvimento e a produtividade do milho. Embora esses casos sejam poucos, deve-se acompanhar o desenvolvimento inicial do capim para verificar a necessidade de supressão com uma subdose de nicussulfuron (até 100 mL/ha do produto comercial para a Brachiaria ruziziensis).
- Controle de pragas: Atualmente, com o emprego do milho transgênico Bt pode ser necessária a aplicação de inseticidas para controle de lagartas, especificamente no capim. No caso do milho convencional, em algumas lavouras, a aplicação de inseticidas é indicada antes de atingir o nível de dano econômico no milho, pois as braquiárias são preferidas pela maioria das lagartas.
- Dessecação e semeadora da soja: Para assegurar os benefícios do consórcio na produtividade de soja é necessária uma dessecação apropriada do capim (aproximadamente duas semanas antes) e ajustes na plantadeira da soja (aumento do tamanho e afiação do disco de corte, por exemplo) para a distribuição uniforme e contato direto das sementes com o solo (sem bolsas de ar).
- Rotação do consórcio: Deve-se evitar o cultivo contínuo do consórcio milho safrinha-braquiária na mesma área. Assim, o sistema deve ser alternado nos diferentes talhões da propriedade para maximizar os benefícios da quebra da monocultura. Questiona-se, por exemplo, o risco da B. ruziziensis aumentar a população de Pratylenchus brachyurus, embora sua população seja elevada apenas em áreas e regiões específicas. Geralmente, quando a braquiária é cultivada por apenas um ciclo, o aumento da matéria orgânica e da porosidade do solo suplantam a possível multiplicação de pragas e nematoides, o que pode se tornar um problema se o capim continuar sendo utilizado na mesma área.
Aildson Pereira Duarte e Isabella Clerici de Maria – Pesquisadores do instituto agronômico (IAC), de Campinas, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, dos Programas Milho e SPDireto