As frutas do Cerrado são um importante segmento, crescente, rentável e de boa aceitação, o que o torna uma excelente alternativa para muitos agricultores e outros setores (indústria e comércio)
O Cerrado brasileiro é um ambiente muito peculiar, por apresentar em sua constituição desde campos abertos até formações densas de florestas. Esse bioma ocupa, predominantemente, o Planalto Central brasileiro e ocupa mais de 200 milhões de hectares, equivalente a cerca de 20% do território nacional, constituindo o segundo maior bioma do País, distribuídos principalmente nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Bahia, Piauí, Maranhão e Distrito Federal. Faz ligações com outros biomas existentes no país como o Pantanal, Floresta Amazônica, Caatinga e Mata Atlântica, constituindo-se em um elo entre eles.
A região do Cerrado é caracterizada por apresentar duas estações bem definidas: invernos secos e verões chuvosos, com precipitação média de cerca de 1.500 mm anuais. O período seco varia de quatro a sete meses, e as chuvas são praticamente concentradas de outubro a março. A temperatura média situa-se em torno de 22ºC a 27ºC, a média das máximas do ar varia pouco no decorrer dos meses, contudo no inverno a variação da temperatura (dia/noite) é relativamente grande. Os solos apresentam grande variação em suas características morfológicas e físicas, porém o solo predominante (cerca de 54%) são os latossolos, geralmente pobres em nutrientes, principalmente fósforo, muito intemperizados, de baixa capacidade de troca de cátions, elevada acidez e toxidez de Al. Os relevos plano e suave ondulado predominam em 70% da superfície. As boas condições de drenagem em 89% dos solos da região favorecem o uso de mecanização agrícola, permitindo o cultivo em grandes áreas.
A região apresenta grande riqueza em espécies (mais de 12 mil espécies vasculares), representando aproximadamente 30% da biodiversidade brasileira e 5% da mundial. Várias espécies vegetais do Cerrado destacam-se por apresentarem valor alimentício, sendo utilizadas pelas comunidades locais, para ecoturismo, para o consumo in natura, para a produção de sucos, doces, cachaças, sorvetes, vinhos, licores, geléias, vinagres, molhos, óleos, batidas, tortas, conservas, passas, vitaminas, mingaus, bolos, pães, biscoitos, bolachas, roscas e como ingredientes na confecção de pratos típicos, representam, portanto, potencial de exploração sustentada para muitas famílias da região, podendo ser utilizadas inclusive na merenda escolar. Nesse contexto, ocupam lugar de destaque, pois apresentam sabores marcantes e peculiares, com elevados teores de açúcares, vitaminas, proteínas, sais minerais, fibras, ácidos graxos, propriedades antioxidante, entre outros.
Espécies com potencial para exploração sustentada
Dezenas de espécies do Cerrado apresentam usos na alimentação humana, madeireira, medicinal, ornamental, forrageiro, dentre outras utilidades. Hoje, existem mais de 58 espécies de frutas nativas dos cerrados conhecidas e utilizadas pela população. Algumas destas apresentam maior potencial por apresentarem viabilidade de semente e/ou mudas, tolerância e/ou resistência a pragas e doenças, potencial alimentar e valor nutritivo interessantes, protocolos e equipamento de pós-colheita, desenvolvimento em áreas de baixa fertilidade e degradadas, potencial para geração de trabalho e renda, Entre as espécies com potencial para exploração sustentada estão o pequi, a mangaba, a cagaita, o araticum, o buriti e o baru.
A maioria das frutas mencionadas está adaptada, possuindo estratégias de sobrevivência, que lhes conferem habilidade para o seu estabelecimento e desenvolvimento em solos extremamente pobres em nutrientes, com elevado teor de alumínio e às condições de déficit hídrico além de outras limitações encontradas no Cerrado. Portanto, podem ser cultivadas na formação de pomares domésticos e comerciais, na recuperação de áreas desmatadas ou degradadas, no plantio intercalado com reflorestas, em faixas de domínio de rodovias, em parques e jardins, em áreas acidentadas e em demais áreas de proteção/preservação ambiental.
Até os anos de 1950, o Cerrado manteve-se quase inalterado. Posteriormente, com a construção de Brasília e aumento da densidade demográfica na região, grandes extensões da região deram lugar à pecuária e à agricultura, como a soja e o arroz. Tais mudanças se apoiaram, sobretudo, na implantação de infraestrutura, bem como na descoberta de novas vocações para os solos regionais, permitindo atividades agrárias rentáveis. Durante os anos de 1970 e 1980 houve um rápido deslocamento da fronteira agrícola, com base em desmatamentos, queimadas, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, que resultou em 67% de áreas do Cerrado “altamente modificadas”. Em função das boas condições de topografia, das características físicas do solo e da facilidade de desmatamento, a região do Cerrado é a principal produtora de grãos e gado de corte do Brasil. Assim, nas últimas décadas, mais da metade da área original do Cerrado foi ocupada com pastagens, lavouras e outros tipos de usos, contribuindo para a degradação do solo e dos ecossistemas nativos, representando uma séria ameaça à sua biodiversidade.
Algumas das frutas do Cerrado já são utilizadas há décadas, como a mangaba, por exemplo, que foi intensivamente explorada durante a 2º Guerra Mundial, para produção de látex. O babaçu e a macaúba na utilização de motores de combustão, em substituição ao óleo diesel, nos anos de 1970, em decorrência da crise de petróleo. A polpa e o óleo da macaúba utilizada na fabricação de sabão de coco. O palmito da guariroba, comercializado em conserva.
Principais frutas do Cerrado
O araticum (Annona crassiflora) é uma árvore perene, com 6 m a 10 m de altura por 2 m a 4 m de diâmetro da copa. Seus frutos apresentam mais de 15 cm de diâmetro de até 2 kg de peso. Geralmente a maturação ocorre em fevereiro e março de cada ano.
A mangabeira (Hancornia spp.) é uma árvore de porte médio (2 m a 10 m de altura), dotada de copa arredondada (4 m a 6 m de diâmetro). Os frutos são do tipo baga, de tamanho, formato e cores variados, normalmente, elipsoidais ou arredondados, com peso em média de 20 g a 40 g. A maturação dos frutos ocorre nos meses de outubro a dezembro.
A planta de cagaita (Eugenia dysenterica) apresenta 6 m a 8 m de altura e de diâmetro de copa, com ramos tortuosos. Seus frutos são bagas globosas, suculentas e de cor amarela. De maneira geral, a produção de frutos é alta, chegando até mais de 2.000 frutos por árvore. Geralmente a maturação dos frutos ocorre entre outubro e dezembro.
O Pequi (Caryocar brasiliense) possui porte variável, podendo chegar a 12 m de altura e diâmetro de copa de 6 m a 8 m. O fruto é muito apreciado em preparo no arroz, no frango e outros pratos típicos. A maturação dos frutos ocorre nos meses de setembro a fevereiro, dependendo da região do Cerrado.
O Baru (Dypterix alata) pode atingir até 15 m de altura, tronco de até 70 cm de diâmetro e copa medindo de 6 m a 8 m de diâmetro. A maturação dos frutos ocorre nos meses de julho a setembro.
O Buriti (Mauritia flexuosa) é uma palmeira dioica, podendo atingir 15 m de altura e 6 m de diâmetro de copa, com até 30 folhas grandes. A maturação dos frutos ocorre entre dezembro e maio, com produção bianual nas plantas femininas.
Propriedades nutricionais de frutos do Cerrado
O consumo de frutas e vegetais tem sido associado a uma menor incidência e mortalidade por diversas doenças crônicas como câncer, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, devido ao alto conteúdo de substâncias com propriedades antioxidantes e protetoras, tais como as vitaminas, sais minerais e pigmentos.
Informações a respeito da composição química (Tabela 1) e de vitaminas e minerais (Tabela 2) dos frutos do Cerrado são ferramentas básicas para a avaliação da forma de consumo, formulação de novos produtos, formas e métodos de processamento para agregar valor sem perder a qualidade nutricional e funcional.
A recomendação da ingestão diária recomendada (IDR) de fibras é de 20 g a 30 g por dia e juntamente com adequado consumo de água (1,5 a 2 litros/ dia) promove a regulação da função gastrointestinal e do perfil lipídico do sangue. As frutas do Cerrado consideradas com alto teor de fibras (acima de 6 g/100g) são: baru (polpa e amêndoa) e pequi (polpa) e como fontes de fibra (mínimo de 3 g/100 g) são as citadas anteriormente, o buriti (polpa) e o araticum.
Os frutos do Cerrado possuem composição variada, tanto em termos calóricos quanto em concentração de macro e micronutrientes, e a escolha correta dos frutos pode contribuir para uma alimentação balanceada e rica em nutrientes, de apresentação gastronômica diversificada e agradável ao paladar do consumidor.
Tabela 1
Composição química e valor energético de algumas frutas nativas do Cerrado, obtida em 100 g
Tabela 2
Composição de vitaminas e sais minerais de algumas frutas nativas do Cerrado, obtida em 100 g
Carência de informações técnicas
Embora várias pesquisas tenham sido realizadas com espécies frutíferas do Cerrado, nos últimos anos, ainda há carência de informações e pesquisas, principalmente a respeito das técnicas de produção de mudas, cultivo, composição nutricional e processamento dos frutos, além da falta de divulgação das técnicas e dos resultados de pesquisa aos agricultores e indústrias, os principais interessados nestas tecnologias e responsáveis diretamente pela produção de alimentos. Apesar destas carências, muitos agricultores e empresas têm produzido e comercializado frutas do Cerrado de forma eficiente para o mercado nacional e internacional.
É possível encontrar grande quantidade de frutas nativas do Cerrado sendo comercializadas nas margens das rodovias, em feiras da região, em bares e supermercados a preços competitivos e alcançando grande aceitação popular, com existência de mercado potencial e emergente. Contudo, grande parte do aproveitamento desses frutos tem sido realizada de forma extrativista e predatória.
A exploração agropecuária acelerada desenvolvida no Cerrado teve consequência no desenvolvimento sócioeconômico e ambiental da região, principalmente por meio da remoção do desmatamento sem planejamento. Dessa forma, além da conservação do ambiente o plantio de arvores frutíferas nativas em áreas de preservação permanente e reserva legal e até mesmo áreas agrícolas é de fundamental importância para promover o desenvolvimento socioeconômico e ambiental da região, de maneira sustentável, portanto, um sistema de produção economicamente viável, ecologicamente sustentável, socialmente justo e culturalmente aceitável.
As frutas do Cerrado são um importante segmento, crescente, rentável e de boa aceitação, o que o torna uma excelente alternativa para muitos agricultores e outros setores (indústria e comércio). Portanto, o desenvolvimento de pesquisas, a profissionalização na atividade e o uso adequado de tecnologias são fundamentais para a sustentabilidade da atividade e, consequentemente, dos envolvidos.