A matéria-prima de boa qualidade é essencial para o preparo de conservas e de molhos líquidos
Os diferentes tipos de pimentas têm várias formas de preparo e modos de consumo, sendo uma das hortaliças mais versáteis para a indústria de alimentos. As pimentas doces e picantes podem ser processadas na forma de pó, flocos, picles, escabeches, molhos líquidos, conservas de frutos inteiros, geleias, etc. As pimentas picantes ainda são utilizadas pela indústria farmacêutica, na composição de pomadas para artrose e artrite, no famoso emplastro Sabiá, e também pela indústria de cosméticos, na composição de xampus antiquedas e anticaspas. A capsaicina, substância responsável pela pungência dos frutos, pode ainda ser utilizada como arma na forma de spray de pimenta.
Os produtos do processamento de pimentas doces e picantes podem ser divididos em três tipos, de acordo com sua utilização na indústria de alimentos:
Flavorizantes: frutos processados ainda verdes ou maduros, que dão apenas sabor e aroma ao alimento, sendo a coloração uma característica secundária;
Corantes: sua função principal é dar cor aos produtos, como a páprica vermelha, que pode ainda ser suave ou picante;
Pimentas picantes: usadas para a confecção de molhos em pastas (ou líquidos) ou em conservas, como os tipos “Malagueta” e “Jalapeño”.
Desidratação
A desidratação é um dos métodos mais antigos de processamento de alimentos, e tem como vantagem a conservação de características organolépticas e dos valores energéticos dos produtos. Com a crescente preferência por parte dos consumidores por produtos naturais, os vegetais desidratados (frutos ou hortaliças) têm desempenhado um papel importante no sentido de satisfazer estas necessidades. Entre os condimentos, o pimentão ou a pimenta doce maduros tem ganho importância na indústria de processamento de alimentos devido a presença de um concentrado de pigmentos naturais na polpa de seus frutos vermelhos e maduros. A coloração vermelha dos frutos é devida a presença de carotenoides oxigenados (xantofilas), principalmente capsorubina e capsantina, que correspondem a 65-80% da cor total dos frutos maduros. Tais pigmentos têm sido largamente utilizados como corantes em diversas linhas de produtos processados como molhos, sopas em pó de preparo instantâneo, embutidos de carne, principalmente salsicha e salame, além de corante em ração de aves.
A área cultivada no Brasil com pimenta doce para processamento industrial na forma de pó (páprica), ainda é muito pequena (cerca de 2.000 ha) e boa parte da produção é exportada. O mercado externo é extremamente exigente quanto a qualidade do produto. Para atender esta demanda é essencial a escolha de uma cultivar adequada, com polpa grossa, alto teor de pigmentos, elevado rendimento industrial e que produza um pó com grande estabilidade. Quanto ao mercado interno, o consumo de pimentão na forma desidratada basicamente restringe-se à industria de alimentos como condimento/tempero em sopas de preparo instantâneo e em molhos, além da venda a varejo, onde é comercializada em pequenos frascos como tempero. Grande parte da população brasileira desconhece a existência e a composição da páprica e sua utilidade na culinária, mas existe um grande potencial para uma maior popularização deste condimento.
Os frutos de pimentas picantes podem ser desidratados e comercializados inteiros, em flocos com as sementes (pimenta calabresa) e em pó (páprica picante – condimento). A pimenta “calabresa”, por exemplo, é um produto do processamento de pimentas do tipo “Dedo-de-Moça” e “Chifre-de-Veado”, também denominadas de pimentas vermelhas, que caracterizam-se pela espessura fina da polpa e a presença de um grande número de sementes. Estas características são importantes porque permitem uma desidratação mais rápida dos frutos e maior rendimento, respectivamente, interferindo na qualidade do produto final e custo de produção. O processamento consiste de duas etapas principais: a moagem e a secagem. Nas pimentas desidratadas, a coloração, a pungência e a ausência de contaminantes são especificações importantes para a comercialização. Alternativas simples e econômicas, como o uso de secadores de frutas e hortaliças de pequeno porte evitarão não só a influência de oscilações climáticas (em secagem feitas ao sol), como também a contaminação do produto por fatores externos durante a secagem natural.
Molhos e conservas
É crescente também o mercado para molhos de pimentas em conserva ou líquido, tanto para indústrias de grande porte, quanto para indústrias caseiras. Existe uma grande diversidade de tipos varietais, alguns com múltiplos usos e outros de uso mais específico. Frutos de pimenta “Malagueta”, “De Cheiro”, “Bode Amarela”, “Bode Vermelha”, “Cumari Vermelha” e “Cumari do Pará” são usados principalmente em conservas de frutos inteiros. As pimentas do tipo “Jalapeño” e “Cayenne” são utilizadas para fabricação de molhos líquidos porque têm frutos maiores, com polpas mais espessas e de coloração vermelha. Frutos verdes de pimenta “Japaleño” também são utilizados em conservas e em escabeches (cortados em pedaços).
As pequenas e médias indústrias processadoras de pimentas são carentes de parâmetros químicos, físicos e microbiológicos de controle de qualidade. Os principais pontos de estrangulamento são a falta de qualidade das matérias-primas utilizadas, a ausência no mercado de equipamentos adequados para a produção em pequena escala, higiene durante o processamento e a necessidade de adequação dos processos de produção de conservas, molhos e outros produtos a base de pimenta.
Para o preparo de conservas e de molhos líquidos, é importante utilizar matéria-prima de ótima qualidade e sem danos e submeter o produto ao processo de pasteurização. As conservas e os molhos devem ser armazenados ou conservados em vidros esterilizados, identificados com etiquetas com informações básicas sobre o produto, como marca comercial, tipo de pimenta, nome e endereço do fabricante, data de fabricação e validade, entre outros.
Cláudia S. da C. Ribeiro Engenheira Agrônoma, Msc da Embrapa Hortaliças e Gilmar P. Henz Engenheiro Agrônomo, Phd da Embrapa Hortaliças
Mais do que um simples tempero, a versatilidade das pimentas
A pimenta vermelha, a pimenta-de-cheiro e a pimenta malagueta, entre tantas outras que pertencem ao gênero Capsicum, são consumidas frescas ou desidratadas, como condimento culinário. Elas adicionam sabor e cor aos alimentos, ao mesmo tempo em que também fornecem vitaminas e minerais essenciais.
Mas nem só para a culinária serve a pimenta. Os povos que habitavam as Américas antes da chegada de Cristóvão Colombo utilizavam as pimentas não apenas para condimentar alimentos ou para fins medicinais, mas também para castigar crianças arteiras, que eram obrigadas a inalar a fumaça resultante da queima dos frutos picantes. A mesma artimanha virava arma de guerra, naquela época, quando era aproveitada a direção dos ventos para que a fumaça gerada pela queima de grandes quantidades de pimenta atingisse a morada dos inimigos. Parece primitivo, mas ainda hoje a pimenta é usada como arma. A capsaicina, substância responsável pela pungência (ardência) das pimentas, é o principal componente do spray de pimenta, que, ao ser acionado, libera um gás que causa irritação nas mucosas dos olhos e da boca e nas vias aéreas superiores. Esse spray é bastante utilizado para a defesa pessoal e por policiais e militares na contenção de tumultos e distúrbios civis. Além destes usos, algumas espécies de pimentas também apresentam excelente potencial ornamental, podendo ser cultivadas em jardins ou em vasos. A beleza dos frutos, com cores como vermelho, laranja, verde, amarelo e roxo, associadas a diferentes formatos de fruto e de plantas tem despertado cada vez mais o interesse por seu uso ornamental. Os ramos com frutos são uma novidade para a decoração, ou na arte floral, compondo até inusitados buquês de noivas.
As pimentas são igualmente usadas na medicina natural, sendo que cremes analgésicos produzidos à base de capsaicina são receitados para aliviar dores musculares. O popular “Emplastro Poroso Sabiá” (curativo adesivo poroso, recomendado contra dores reumáticas, nevrálgicas e musculares), usado desde o tempo das nossas avós, tem, como ingrediente ativo, o pó de pimenta vermelha. Extratos retirados de pimentas podem ser também empregados na elaboração de produtos cosméticos e farmacêuticos.
Nas crenças populares, a pimenta também tem vez. É usada no chamado “coquetel sete ervas”, que nada mais é do que um vaso com sete diferentes plantas (pimenta, espada-de-são-jorge, arruda, guiné, comigo-ninguém-pode, alecrim e manjericão) utilizadas com a intenção de afastar mau-olhado e vibrações negativas.
Como vemos, as pimentas satisfazem as mais diversas necessidades do homem, desde os prazeres culinários até a proteção pessoal.
Rosalía Barbieri Pesquisadora da Embrapa Clima Temperado e Elisabeth Regina Tempel Stumpf Bolsista Pós-Doutor Junior do CNPQ
Pimentas: sabor com saúde
Elas sempre foram conhecidas pelo gosto forte característico e são indispensáveis como temperos em alguns pratos muito apreciados, como feijoada, moqueca, entre outros. Só que além de saborosas, as pimentas proporcionam também benefícios à saúde, como a liberação de endorfinas, substâncias fabricadas pelo cérebro humano que funcionam como “analgésicos” naturais no organismo. E tem mais: as substâncias picantes das pimentas melhoram a digestão estimulando as secreções do estômago e também facilitam a sua circulação, favorecendo a cicatrização de feridas (úlceras), desde que outras medidas alimentares e de estilo de vida sejam aplicadas conjuntamente. A pimenta possui ainda propriedades anticancerígenas e é muito rica em vitamina C.
A Embrapa, com sua grande equipe de pesquisadores em diversas unidades distribuídas por todo o Brasil, tem investido no melhoramento genético das pimentas e para conquistar mais espaço no contexto gastronômico, desenvolve variações de sabor e aparência que permitem a adaptação aos mais diferentes gostos. Hoje o mercado de pimenta mundial está cada vez mais diversificado e a Embrapa acompanha essa tendência, investindo em pesquisas para garantir as boas práticas na produção de conserva, molho e geleia.
Conservar para melhorar
Um dos focos da pesquisa da Embrapa com pimentas, como explica o pesquisador da Embrapa Hortaliças, Geovani Bernardo Amaro, é conservar a maior quantidade possível de variabilidade genética dessa espécie para garantir material para o melhoramento genético. A coleção de pimentas da Embrapa Hortaliças do DF é hoje uma das maiores e diversificadas do mundo. “Essa coleção representa uma fonte de conhecimentos para a ciência, já que guarda genes e características que podem ser usados em cruzamentos para desenvolver novas variedades mais produtivas ou adaptadas às condições de mercado,” ressalta Amaro.
Além da coleção da Embrapa Hortaliças, a qual os cientistas chamam de ativa, já que as sementes e mudas são constantemente multiplicadas e manipuladas, os cientistas conservam também mais de 440 acessos de pimentas de diversas espécies em outra unidade de pesquisa da Empresa: a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, também localizada em Brasília. Lá as sementes são conservadas a longo prazo a 20OC abaixo de zero. “É como um backup”, explica o pesquisador.
Parcerias para desenvolvimento de novas variedades de pimentas
No Brasil, o agronegócio de pimentas movimenta, desde o processamento até à comercialização, cerca de R$ 80 milhões por ano. Segundo Amaro, a Embrapa tem investido muito na parceria com empresas privadas e associações de produtores para desenvolvimento de variedades resistentes a viroses e com características melhoradas para atender as exigências do mercado mundial.
As variedades de pimenta mais cultivadas no Brasil são: a “malagueta”, “dedo-de-moça”, “cumari” e “de-cheiro”, entre outras. “Estamos apostando também em pesquisas com uma nova variedade que vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil, como a “biquinho”, que é uma pimenta doce e já muito utilizada no triângulo mineiro, DF e São Paulo, entre outros estados. Foram lançadas também diversas linhagens que servem de base para corrigir doenças e duas cultivares de pimentas “jalapeño” que estão na sua fase final de registro”, afirma.