Mônica Velloso, tendo sempre vivido na cidade, não se importou muito quando seu primo adquiriu uma antiga fazenda em um bairro de Juiz de Fora, Minas Gerais. Contudo, quando seu irmão assumiu o negócio, com algumas visitas à propriedade, a cidade ficou em segundo plano. Já a história da Fazenda Salvaterra em seu bairro de mesmo nome começou bem antes, em 1873. Períodos difíceis, como a escravatura, o fim do ciclo do café e a morte de seus antigos proprietários levaram-na ao quase abandono na década de 50.
Essas duas histórias ligadas permitiram à Fazenda um novo florescimento, ou talvez renascimento, sob a forma de uma empresa fundada há sete anos. A LAVOURA conversou com Mônica Velloso para conhecer um pouco da união do trabalho humano e da terra.
Hoje o passado cafeeiro da Fazenda Salvaterra foi retomado com roupagem moderna por meio da produção orgânica. De seus 278 hectares de área total, 60% mantém a mata preservada, 25ha produzem café e o restante é dividido entre pastagem e uma barreira ecológica feita de eucaliptos.
Para administrar a Fazenda e seus negócios, Mônica teve que buscar conhecimentos em Administração, mas a parte agrícola necessitava de conhecimentos específicos; tal função coube ao seu futuro marido, o agrônomo especializado em manejo orgânico, Frederico Carvalho.
A princípio, o casal enfrentou uma certa resistência dos próprios funcionários, que não davam crédito aos conhecimentos orgânicos, alguns bastante semelhantes à agricultura tradicional. Felizmente, isso mudou quando começaram a ver os resultados. “O empresário precisa ouvir seus funcionários, mantendo um diálogo de parceria. As ideias deles podem ser valiosas, e é com eles que se faz o planejamento da fazenda, senão não “engrena”, adverte Mônica.
Após algumas tentativas com a agricultura biodinâmica, que não prosseguiram devido à exigência de trabalhar somente com produtos da própria propriedade para o plantio, a intenção do casal foi manter a produção voltada ao leite e café. Do primeiro, a capacidade instalada chega a 1000 litros por mês, mas hoje se mantém em 800 litros. “Chegamos a entregar leite até no Rio de Janeiro, mas agora dirigimos a produção para os nossos iogurtes e outras fazendas da região de Juiz de Fora”, relembra Mônica. Além da certificação orgânica, leite e derivados produzidos na Salvaterra – iogurte, doce de leite e manteiga – têm SIF, o selo da Inspeção Federal. Por enquanto, o casal ainda não cogita fabricar queijo comercialmente devido aos requisitos e instalações exigidas pela lei.
Café sombreado, mais sabor e qualidade
Quanto ao café, uma boa herança de um proprietário anterior foram os pés plantados em meio à mata e árvores frutíferas. Se isso dificultava a colheita, a vantagem era a ausência de agrotóxicos; mesmo assim foram necessários três anos para as terras se recuperarem e serem certificadas. “A produção orgânica não significa algo ‘caseiro’. Há muita tecnologia envolvida, além do estudo do solo”, alerta a empresária. O café da Fazenda usa a técnica do sombreado, o que aumenta a qualidade dos grãos, e o solo recebe os nutrientes naturais através do composto. Além disso, com a orientação da Embrapa, Frederico e Mônica aprenderam a fazer um “solarizador” para o solo, livrando-o de impurezas e misturando o que obtinham à compostagem.
Além das plantas de guandu, os pés de café também dividem seus domínios com galinhas, delas aproveitando suas fezes ricas em nitrogênio. Todo esse cuidado é necessário pois, além pela busca da qualidade do grão, apesar da vida útil prolongada dos pés, de 10 a 15 anos, a cultura do café exige bastante do solo. Mônica aponta uma outra dificuldade: a obtenção de sementes, já que as certificadas ainda têm um preço elevado.
A administradora da Fazenda reconhece o menor volume de produção obtido, mas que essa circunstância é compensada pela qualidade, tempo de aproveitamento produtivo e a possibilidade de consórcio com outras culturas. Mônica também informa que a cidade de Juiz de Fora é um polo de produção de leite, embora sem histórico de agricultura familiar. De qualquer forma, a Salvaterra não pode ser considerada empresa familiar por seu tamanho, contando com um laticínio e 22 funcionários. Entretanto, uma tradição Mônica lamenta pouco encontrar: o trabalho em parceria. “Na área da Fazenda há poucas lideranças, mas fazemos o possível para chamar mais produtores através dos dias de campo”, comenta. Nesse sentido, a certificadora da Fazenda, Minas Orgânica, é elogiada pela empresária em termos de estímulo à união dos produtores e seu entrosamento e troca de informações. Mônica também gostaria de ver mais empresas conquistando certificações orgânicas.
Chegando às cidades e ao público
Depois de passar meses numa rotina árdua de levar seus produtos acondicionados no carro até São Paulo, Mônica agora pode contar com um caminhão próprio para as entregas no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Contudo, por enquanto ela não pretende contratar serviços terceirizados, já que deseja manter um maior controle sobre a qualidade, horários e condições dos produtos. Já em Juiz de Fora a Salvaterra chega a lojas e três supermercados, e no Rio a rede Pão de Açúcar já começou sua distribuição.
Já a “estrela” dos produtos da empresa, o iogurte de morango, também tem seus caprichos. A produção é muito difícil devido à sua sensibilidade, ainda mais sem o uso de agrotóxicos, tanto que a Salvaterra ainda compra a fruta de fornecedores certificados. Porém isto deve mudar com a aquisição de uma nova fazenda em Chapéu Duvas, que já demonstrou aptidão para a cultura de morangos. “Vamos começar devagar para ir aprendendo”, comenta Mônica, cautelosa, com a intenção de no futuro produzir para seus produtos laticínios.
Por outro lado, a empresária trava uma luta constante para a conscientização do consumidor sobre o produto orgânico, seja através de panfletos, palestras ou degustações. “As pessoas se acostumaram àquele rosa brilhante e a textura cremosa dos produtos de morango, mas eles só são assim devido aos corantes e espessantes. Desse jeito o iogurte pode até ser azul”, alerta Mônica. O iogurte da Salvaterra, como oferecido nas degustações, é rosa claro e mais líquido, mas com seu sabor e qualidade característico.
Contudo, chegar a outros estados não impede que a empresária continue a divulgar a Fazenda Salvaterra em Juiz de Fora em encontros e cursos. “Quero mostrar que há outras coisas na agricultura, facilitar a vida de todos e, claro, entrar em um mercado novo, como fornecer para a merenda escolar. Ao mesmo tempo, dar uma opção ao produtor de mudar sua forma de produção, mas com uma solução econômica”, afirma Mônica, ciente dos desafios do produtor. Ela alerta, inclusive, que já observou produtores que não têm mais condições de tentar a conversão orgânica tal a contaminação do solo. Entretanto, sua mensagem ao consumidor é menos pessimista: “consuma produtos orgânicos. É um futuro de trabalho, mas engana-se quem acha que a vida é feita só de facilidades”.