A substituição do caule pela folha é a inovação proposta pela Embrapa para acelerar a multiplicação de mudas de mandioca
A Embrapa inovou mais uma vez e desenvolveu nova técnica de multiplicação de mudas de mandioca a partir de gemas foliares, ou seja, formações iniciais de um ramo da planta.
Eder Oliveira, melhorista da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), responsável pela criação da nova técnica, informa que “essa tecnologia irá ajudar os produtores no enfrentamento de um dos mais antigos e comuns problemas relacionados a esse cultivo: a escassez de manivas (pedaços de 20 centímetros do caule usados como mudas”).
Segundo ele, a substituição do caule pela folha na produção de mudas pode aumentar em dez vezes a produção em comparação aos sistemas tradicionais de cultivo.
Oliveira explica que cada folha tem uma gema imatura com potencial para gerar uma nova planta e cada haste tem entre 30 e 40 gemas.
Cada folha da mandioca tem uma gema imatura com potencial para gerar uma nova planta. Foto: Fábio Sian Martins
“Como podem acontecer quatro ciclos por ano, uma única haste pode produzir cerca de 160 mudas. Comparando com os sistemas tradicionais, em que a reprodução é na proporção de 1/5 ou 1/10, dependendo da região e do manejo, a produção com a técnica de gemas foliares pode chegar a praticamente 1/100, ou seja, dez vezes mais que o sistema convencional”.
Acesso à tecnologia
De acordo com o melhorista da Embrapa, o experimento foi realizado em casa de vegetação, com equipamentos e materiais simples que agricultores, com relativa sofisticação, conseguem utilizar. “A ideia era simplificar, ao máximo, para que a maioria dos produtores pudesse ter acesso à tecnologia”, ressalta.
“Em relação ao controle de patógenos”, ele detalha, “foram incorporados alguns defensivos que já tinham evidenciado efeito protetor em outro projeto e o resultado foi bastante expressivo, ou seja, conseguimos obter mais de 80% de germinação usando gemas foliares imaturas”.
Oliveira lembra que cuidados em relação à infraestrutura mínima e à umidade do espaço são também muito importantes, “principalmente na primeira semana”.
Experimentos na casa de vegetação da Embrapa Mandioca e Fruticultura. Foto: Reizaluamar de Jesus Neves
“Na Embrapa, a câmera de nebulização que mantém a umidade na casa de vegetação foi regulada entre 60% e 70%. Quando a umidade do ar reduzia, um mecanismo automático ligava o processo de nebulização e fornecia a umidade adequada às mudas.
Na área do parceiro, o trabalho foi muito mais simples, comprovando ser acessível ao pequeno produtor. O sistema de aspersão em telado manteve a umidade no período inicial e ficou entre 60% e 70% de germinação, com menos custo”, revela o pesquisador.
Benefícios
Além da possibilidade de vários ciclos anuais e baixo custo de produção com o uso de insumos e infraestrutura simples, a inovação ainda traz como benefício à produção de mandioca, a multiplicação de novos clones de forma precoce.
“Assim, a nova técnica contribui para a solução de um dos problemas correntes do plantio comercial, que é a multiplicação lenta e em taxas reduzidas”, salienta o especialista.
Segundo Eder Oliveira, a nova técnica favorece ainda questões como a baixa adoção, por parte dos produtores, de variedades melhoradas pela pesquisa, como também a pouca qualidade fitossanitária do material de plantio, atacado, com frequência, por doenças que prejudicam a produtividade da lavoura.
Desafios
No tubete, a folha cortada é a mais velha. Foto: Reizaluamar de Jesus Neves
O pesquisador acredita que a técnica pode ser aperfeiçoada e, por isso, se lançou a um novo desafio. “Ter chegado a 80% de germinação é um índice fantástico, mas quero alcançar 90% e fazer com que essas mudas cresçam ainda mais rapidamente do que hoje”, salienta.
Em sua opinião, a evolução passa por um kit de nutrientes e fito-hormônios, que devem ser usados antes de a muda ir ao campo. “Apesar desse kit ainda estar em fase experimental, já há alguns resultados promissores”, informa Oliveira.
“A meta da continuidade desse trabalho é fazer com que as plantas cresçam de maneira mais rápida e que, com 30, 35, dias possam ir para o campo e alcançar 90% de germinação”, espera.
Setor produtivo
O engenheiro agrônomo e empresário Manoel Oliveira, da Prime Soluções Agrícolas, hoje em parceria com a Podium Alimentos, avalia que a nova tecnologia superou as expectativas.
“Hoje temos 90% da área com a BRS Poti Branca e boa parte foi produzida via gemas foliares. É uma técnica muito simples de ser implementada e com taxa de multiplicação muito boa”, sublinha.
Segundo o agrônomo, as trocas de informações com a equipe da Embrapa levaram a ajustes durante o experimento, principalmente em relação à umidade.
Campo da Embrapa plantado com mandiocas obtidas com gemas foliares. Foto: Reizaluamar de Jesus Neves
“Em termos práticos, o sucesso depende da mão de obra e do controle regular de umidade para diminuir a desidratação do material, ainda muito tenro e sensível. No nosso caso, apesar de não fornecer características de alta produtividade de raízes, a técnica cumpriu plenamente a função de produzir material de plantio. Depois, adensamos o espaçamento para produzir mais mudas, que era o nosso objetivo principal”, relata.
Recuperação de plantas
O pesquisador da Embrapa enfatiza ainda que, além da importância econômica na produção de mudas em escala comercial, vale salientar o uso da técnica dentro da própria atividade científica, retroalimentando todo o processo de pesquisa.
“Afora os experimentos realizados no campo experimental da instituição e na área do parceiro, a produção de mudas por gemas foliares foi usada na recuperação de acessos do Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de Mandioca — coleção com amostras de plantas que visa conservar e preservar a ampla variabilidade genética desses materiais para estudos atuais e futuros — do campo do centro de pesquisa”, acentua.
“O espaço é o maior BAG do País e o segundo maior da América Latina”, continua o especialista, “ reunindo 1.271 acessos provenientes de vários ecossistemas, constituindo a base de programas de melhoramento genético da cultura para o Brasil e para outros países da América Latina e da África que têm condições ambientais similares. Além dos acessos no campo, o BAG também está conservado em laboratório”, ressalta.
Desempenho da tecnologia
Segundo o melhorista da Embrapa Mandioca e Fruticultura, experimentos no Brasil e na África confirmam o bom desempenho da tecnologia.
“A técnica foi testada em grande escala pela primeira vez na multiplicação da BRS Novo Horizonte, variedade lançada pela Embrapa em 2018, alcançando números bastante expressivos nos ciclos de produção. Com ela, a área de plantio na propriedade parceira, localizada no município de Laje, no Recôncavo Baiano, cresceu de um hectare em 2017 para oito hectares em 2018 e 120 hectares em 2019”.
Raízes, folhas e hastes da BRS Novo Horizonte, rica em amido. Foto: Eder Oliveira
Ele informa ainda que também estão sendo realizados na África, experimentos em áreas do International Institute of Tropical Agriculture(IITA), na Nigéria; do National Crops Resources Research Institute (NaCCRI), em Uganda; e do Tanzania Agriculture Research Institute (Tari). Essas instituições são parceiras no projeto ‘NextGen Cassava: melhoramento genético de mandioca de próxima geração’, financiado pela Universidade de Cornell (EUA) e Fundação Bill & Melinda Gates, com o objetivo de aumentar a taxa multiplicação da mandioca, uma cultura fundamental para a segurança alimentar e subsistência em toda a África.
“Esses três parceiros têm interesse no uso da técnica não somente para ações de melhoramento, mas também para ações de multiplicação rápida do material”, reforça Oliveira.
Auxílio
Para realizar o trabalho, o pesquisador contou com o auxílio da bióloga Reizaluamar de Jesus Neves, bolsista da Embrapa Mandioca e Fruticultura. O assunto terminou se tornando o tema da sua dissertação de mestrado em Ciências Agrárias da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), defendida em 2017.
Reiza destaca como um dos pontos-chave para o sucesso da técnica a mistura de substratos no tubete onde as mudas foram colocadas, cuja porcentagem ideal foi obtida depois de diversos testes.
“A parte de cima do tubete era só suporte com areia lavada e vermiculita, um substrato mais leve, para ela emitir raiz. À medida que essa raiz ia se desenvolvendo, ela começava a atingir a parte de baixo do tubete, onde colocamos um substrato mais nutritivo, com terra vegetal e adubo, por exemplo. Dessa forma, não aconteceu o fator estressante de retirar a muda da areia lavada para depois plantar em outro tubete com outro substrato”, explica.
Horário
O horário da coleta do material também se mostrou importante. “Na literatura, é aconselhado coletar ‘em tempo fresco’, mas o que percebemos é que, além de fresco, o horário ideal é das 5h 30min até às 8h30min. O fim da tarde também é recomendado, mas como a planta passa o dia inteiro no estresse do sol, constatamos que o resultado é melhor no início das manhãs”, orienta a bióloga.
O pesquisador da Embrapa acrescenta que “no início, o material é bastante sensível e precisa de muita umidade. A gema foliar envolve o pecíolo (parte do sistema foliar da mandioca que liga o caule à folha) com a folha, que é cortada em 50% com a gema. Precisamos garantir que esse pecíolo com essa folha se destaque da brotação o mais tardiamente possível. Se ele se destacar da geminha que fica no substrato, praticamente se perde a muda. Esse é o grande segredo”, ensina.
