No Brasil, oferta de bioinsumos aumenta a cada ano, impulsionada pela exigência de práticas agrícolas sustentáveis
O Brasil já conta com 480 produtos biológicos registrados e mais algumas dezenas de pedidos na fila para aprovação, com destaque para os biodefensivos. Em 2020, foram 95 novos produtos foram aprovados no país – um recorde.
Em 2021, o segmento de biodefensivos continuou crescendo e ganhou 77 novos produtos registrados para o controle de pragas e doenças.
Em entrevista à Revista A Lavoura, Amália Borsari, diretora de biológicos da CropLife Brasil, conta que, nos últimos anos, grandes players do mercado de defensivos químicos começaram a apostar em soluções biológicas, ajudando a consolidar esse mercado e expandir o seu alcance.
O QUE SÃO BIOINSUMOS?
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“Hoje, são mais de 125 empresas que contam com registros de bioinsumos no Brasil. E eu ressalto a entrada dos grandes players de defensivos químicos nesse segmento, que aumentam a capilaridade, não só com produtos próprios, como também com parcerias com startups”, explica Amália.
Ela aponta que, em 2020, houve um crescimento de 75% no faturamento da indústria de defensivos biológicos, ultrapassando R$ 1 bilhão pela primeira vez.
“Percebe-se que uma grande movimentação por parte do agricultor na adoção desses produtos, seja buscando informações ou participando de eventos, dentre outras ações”, avalia.
Segundo a diretora, essa demanda cresceu desde para produtores de soja, cana, milho, até de hortaliças e frutas, impulsionada principalmente pela exigência de práticas agrícolas sustentáveis, tanto do mercado internacional como de redes de supermercado no comércio doméstico.
“Há uma exigência de boas práticas agrícolas por parte de demandas comerciais, no sentido de evitar e frear a crescente resistência de pragas na agricultura”, disse Amália.
Mais agilidade no processo de registro
Além da demanda aquecida, a maior agilidade no processo de aprovação e registro desses bioinsumos também vem facilitando a entrada de novos produtos no mercado.
“Há uma melhora gradativa a cada ano. Atualmente, o produto biológico leva, em média, um ano para obtenção de registro”, ressalta Amália.
Segundo ela, esse processo pode ser ainda mais rápido se os produtos seguirem especificações de referências já existentes. “Por exemplo, produtos que utilizam cepas de vírus que já foram avaliadas. Nesse caso, o prazo cai para cerca de sete meses”, explica.
Ela ressalta que, das 125 empresas com registro de produtos biológicos, 74 têm, pelo menos, um registro nesta via rápida. “Para se ter uma ideia, na Europa e nos Estados Unidos, o prazo médio para registro de um bioinsumo é de cinco e dois anos, respectivamente”, revela Amália.
Passo a passo do desenvolvimento do bioinsumo
A diretora da CropLife esclarece que, assim como qualquer tecnologia, o desenvolvimento de bioinsumos segue etapas convencionais de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), que envolvem:
- Identificação e investigação de um novo ativo biológico.
- Padronização da produção e formulação do produto.
- Avaliação experimental em campo e testes de segurança com relação ao meio ambiente, saúde animal e humana.
- Por fim, o produto deve ser registrado no órgão responsável, que no caso do Brasil é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Segundo explicação da Croplife, também fazem parte das etapas de desenvolvimento dos bioinsumos, as avaliações de segurança para cada ativo biológico. “O pacote contemplando as avaliações dos produtos são submetidos às análises dos órgãos reguladores e somente após aprovação podem ser registrados para uso no campo”.
Questões regulatórias
No Brasil, a aprovação e o registro de um biodefensivo ou biofertilizante seguem praticamente o mesmo padrão de exigência dos defensivos e fertilizantes químicos, explica Amália.
“O produto deve atender requisitos de segurança da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)”, ela orienta.
Segundo explicação da diretora da CropLife, para que o processo de registro dos produtos biológicos esteja avançado, ainda são necessários alguns ajustes regulatórios. “Existem algumas melhorias na avaliação desses produtos para dar uma especificidade maior, há uma necessidade de readequações através de instruções normativas”, avalia.
“Atualmente, os biodefensivos são regulamentados pela legislação de agrotóxicos, assim como os inoculantes e bioestimulantes são considerados pela regulação como produtos fertilizantes convencionais”, complementa.
Dupla finalidade
Além disso, Amália aponta para uma peculiaridade dos bioinsumos. “Uma característica muito comum aos produtos biológicos é que eles podem ter dupla finalidade”, ensina.
Segundo ela, a atual regulação ao não considerar essas especificidade acaba trazendo uma insegurança jurídica. “Os bioestimulantes estão numa zona cinzenta da parte regulatória. Muitos estão enquadrados em agrotóxicos, mas algumas substâncias estão enquadradas como fertilizantes”, exemplifica.
A diretora da CropLife também chama atenção para a questão da rotulagem.
“A rotulagem química e biológica são exatamente a mesma, mas os cuidados que o produtor precisa ter com os biológicos são diferentes. Há certas peculiaridades que o produtor deve ter mais clareza e, para isso, é necessário haver mais clareza no rótulo”, pontua.
Contudo, Amália ressalta que o Mapa, assim como as indústrias, estão atuando em várias mudanças nessa questão, para otimizar a regulação e também harmonizá-la com definições praticadas internacionalmente.
Biofábricas
Todo o processo de pesquisa e desenvolvimento na produção de bioinsumos deve ser realizado dentro de estruturas adequadas, conhecidas como biofábricas, que precisam estar de acordo com normas de cada país.
Já existem biofábricas produtoras de bioinsumos no Brasil que, inclusive, realizam toda sua pesquisa e desenvolvimento no país. “Somos o país onde mais se avança em desenvolvimento tecnológico adequado a condições tropicais e em grandes extensões de área”, afirma Amália.
Ela conta que as empresas já estão expandindo suas indústrias, baseadas na perspectiva de crescimento, para tender a demanda. “Temos informações que triplicaram o tamanho da própria indústria para atender esse mercado cada vez maior”.
Contudo, a executiva pontua que ainda há uma concentração dessas biofábricas em São Paulo “onde se iniciaram as pesquisas. Elas vieram das universidades, centros de pesquisa, Instituto de Campinas, USP, Fapesp, e daí saíram várias startups”, revela.
A força dos biodefensivos
Destaque entre os bioinsumos, os biodefensivos, também conhecidos como produtos biológicos de controle (PBC), incluem bioinseticidas, biofungicidas, bionematicidas.
O principal objetivo dos PBCs é eliminar a praga alvo sem impactar no meio ambiente, permitindo a manutenção de insetos benéficos na lavoura (inimigos naturais) e diminuindo a dependência de aplicações constantes de outros insumos, como os agrotóxicos.
Amália Borsari explica que os biodefensivos se dividem em quatro grandes categorias:
- Microbiológicos:“são produtos formulados a base de ingredientes vivos
que estão na forma viva. Nesta categoria entram cepas de fungos, cepas de bactérias e vírus”.
- Macrobiológicos:“são produtos a base de insetos, ovos de insetos e
ácaros”.
- Semioquímicos:“são o ferormônios liberados para confusão sexual,
na comunicação entre os insetos, ou produtos que atuam como armadilhas”.
- Bioquímicos: “são os metabólitos dos microorganismos, como se fosse
uma substância excretada por microorganismos, ou também extratos e hormônios vegetais”.
Microbiológicos
Empresa do agro especializada em soluções biológicas, a Biotrop aposta nos microbiológicos.
“Nós estamos muito focados nos microbiológicos, fungos, bactérias, leveduras, vírus, ou seja, todos os organismos benéficos para agricultura, particularmente em bactérias que é o nosso forte”, destaca Antonio Carlos Zem, CEO da companhia.
Ele sublinha que a Biotrop também se concentra nos produtos naturais “e aí nós incluímos os extratos botânicos, a utilização de alga, particularmente derivados de alga marinha”, revela, acrescentando que “estão vindos outros produtos muito interessantes, se criando uma nova geração que vai tomar um espaço muito grande”.
Segundo Zem, agora é a hora e a vez dos biológicos na agricultura brasileira. “Os biológicos estiveram aí por muito tempo, mas agora eles têm qualidade e respaldo e ‘vida de prateleira’, fator muito importante nos produtos hoje por poderem ficar no mercado dois, três anos, ou mais tempo”, explica.
Exemplos no campo
O CEO destaca usos de produtos biológicos já consolidados no agro brasileiro. “A cana-de-açúcar tem uma tradição muito grande no uso de controle biológico, particularmente com parasitas e parasitóides, Cotesia flavipes e Trichogramma galloi. Nós estamos falando de cerca de 9 milhões de hectares em que já se utiliza essa técnica”, diz.
Zem ressalta que “no pico de ocorrência da lagarta helicoverpa no Brasil, mais de 18 milhões de hectares foram tratados com Bacillus thuringiensis”.
“Eu creio que já estamos voltando a esse número à medida em que aumenta o uso de Bacillus thuringiensis como inseticida. No mercado de grãos, por exemplo, os bionematicidas já são prevalentes, já dominam esse mercado em mais de 90% e temos também cerca de 12 milhões de hectares tratados com Trichoderma, particularmente para manejo de doenças no solo”, destaca.
O executivo também lembra que o Brasil já tem uma larga adoção de organismos fixadores de nitrogênio. “Nós estamos hoje nesse mercado em grãos, soja e milho que já há praticamente 90% da adoção, tanto de bradyrhizobium como de azospirillum na semente”.
Segundo o CEO da Biotrop, também está crescendo muito a coinoculação, ou seja, colocar os dois microorganismos na aplicação no sulco de plantio.
“A aplicação em sulco de plantio dá uma resposta muito boa e estamos fazendo cinco doses de bradyrhizobium, mais duas doses de azospirillum. O azospirillum é notável e estamos descobrindo mais e mais mecanismos de ação”.
Zem sublinha que “o azospirillum é interessante não somente na fixação biológica de nitrogênio, mas é um grande produtor de ácido endoacético, um hormônio de crescimento”, ensina.
Biológicos nas pastagens
Além disso, segundo o especialista, os biológicos estão chegando massivamente nas pastagens que, até recentemente, estavam muito mais no controle da cigarrinha, no uso de Beauveria e de outros fungos. “Já temos evidências científicas bem claras de que o gado ganha peso quando os biológicos são aplicados nas pastagens”, salienta.
Zem adianta que a Biotrop também está preparando o lançamento de um programa nessa área.
O Ceo da empresa acredita que, pela frente, ainda irão vir os superbioestimulantes e a entrada forte no mercado de extratos botânicos. “Os extratos botânicos oferecem perspectivas numa área que nós nunca falamos que são os bioherbicidas”.
De acordo com Zem, já existem produtos promissores chegando na área de bioherbicidas, com extratos botânicos, “inclusive um carrapaticida baseado em plantas”, avalia.
Macrobiológicos
Para Gustavo Herrmann, diretor da Koppert do Brasil, o macrobiológico é um pouco distante ainda da maioria das pessoas que trabalham nesse mercado de proteção de plantas.
“Diferentemente do micro que vai envasado como um produto tradicional, o macro são insetos. Eles fazem o trabalho de inimigos naturais. Ou seja, uma vez liberados na agricultura, eles controlam as pragas-alvo”.
Herrmann chama a atenção para o uso consorciado de produtos biológicos e químicos. “O conceito do Manejo Integrado de Pragas-MIP não é novo mas, a partir da utilização dos biológicos, começa a se tornar realidade”.
Ele cita o exemplo da cadeia de soja, que “diferentemente de lá trás, quando se tentava substituir o produto químico por um biológico, a gente trabalha agora num conceito de integrar os biológicos a todo um sistema de proteção da cultura do nosso cliente”.
Um bom exemplo é o “pretiobug”, ou Trichogramma pretiosum, uma microvespa capaz de combater a lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis), assim como a Lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda), e a Lagarta-falsa-medideira (Chrysodeixis includens).
O diretor da Koppert do Brasil explica que “as fêmeas pretiobug localizam no campo os ovos do hospedeiro e, neles, depositam seus ovos, interrompendo o desenvolvimento da praga, logo no início do seu ciclo, tornando-os de coloração escura e dando origem a novas vespas, ao invés de lagartas. Este processo demora de 7 a 12 dias, dependendo da temperatura do ambiente”.
Sustentabilidade
Segundo Herrmann, hoje, também na cultura da cana-de-açúcar, a Koppert do Brasil procura integrar seu conceito e suas ferramentas à questão da sustentabilidade.
Para ele, a utilização de agentes macrobiológicos poderia, da mesma forma, favorecer os produtores de cana na emissão de Cbios (Créditos de descarbonização), no âmbito do Renovabio. “Uma vez que diminuem a utilização de químicos e o consequente impacto ambiental”, sublinha.
“Você pode pensar, por exemplo, que, no nosso negócio, em breve, poderemos liberar um milhão de hectares de macro biológicos por drones. Isto é, será um milhão de hectares onde não haverá nenhum produto químico sequer”.
O diretor da Koppert, conclui seu raciocínio afirmando que “uma aplicação de biológico no campo, hoje, tem uma pegada negativa de carbono muito interessante, e isso pode ser convertido em CBio para o cliente que cultiva cana-de-açúcar”.
Ele cita como exemplo o “Galloibug” (Trichogramma galloi), um agente biológico de controle utilizado no manejo da broca-da-cana (Diatraea saccharalis). “O agente é ideal para áreas com alto índice de infestação (11%), e pode ser consorciado ao uso de Cotesia flavipes”.
Herrmann finaliza explicando que “como não possui efeitos tóxicos ao meio ambiente ou a saúde humana, o produto promove uma agricultura sustentável, e é ideal para o manejo integrado de lagartas e administração de resistência aos defensivos químicos”.
*Matéria publicada originalmente na Edição impressa 727 da Revista A Lavoura