Hortaliças cultivadas em ambientes controlados em espaços urbanos dispensam o uso de defensivos agrícolas e ainda reduzem o uso de água em até 90%
A vida cotidiana nas cidades fez com que, ao longo dos anos, as pessoas se distanciassem cada vez mais do campo. Mas, nos últimos tempos, os alimentos – que antes vinham apenas da zona rural – têm estado, em sua origem, mais próximos dos consumidores, graças às chamadas “fazendas urbanas”.
Elas vêm surgindo, a passos largos, no Brasil e ao redor do mundo, com o intuito de unir ambientes de concreto – como os edifícios – às áreas verdes.
São destinadas, especialmente, à agricultura orgânica, que dispensa a aplicação de agroquímicos em seus cultivos, reduzem o uso de água nas culturas e ainda estão mais próximas dos centros consumidores, dentre outros benefícios.
É o caso da MightyGreens – Fazenda Urbana Brasil, empresa pioneira na produção de microverdes no País. Também conhecidas como microgreens, essas plantas recém-nascidas passam da fase de broto, mas ainda não são consideradas baby leaf.
“A semente da Fazenda Urbana foi plantada em janeiro de 2016, depois que dois de seus fundadores acompanharam, por mais de um ano, a luta diária de um amigo, na Venezuela, atrás de alimento e água”, relata Thomas Oberlin, fundador e diretor-executivo da MightyGreens.
De acordo com o empresário, “dessa necessidade surgiu a inspiração de trazer o cultivo de alimentos saudáveis para dentro das cidades, com o menor uso possível de recursos valiosos, como água e energia”, utilizando principalmente contêineres em ambientes altamente controlados.
A Fazenda Urbana Brasil é a primeira empresa nacional e da América do Sul de agricultura vertical, em ambiente controlado (CEA), que desde 2016 produz tecnologias e processos sustentáveis para a produção de alimentos locais de qualidade, sem pesticidas e de alto valor nutricional.
Cultivares
“Todos os nossos produtos são vendidos in natura, prontos para o consumo. Portanto, eles não perdem valor nutricional ao serem cortados”, garante Oberlin, ressaltando que as hortaliças (microverdes) possuem alto valor nutricional, são ausentes de defensivos agrícolas e ainda primam pela agricultura sustentável, utilizando 90% de água a menos em comparação aos mesmos plantios de uma fazenda tradicional.
Segundo o também agricultor, para chegar ao portfólio atual da MightyGreens, foram testadas e aprovadas mais de 30 cultivares.
“Nossa produção para supermercados inclui rúcula, alho-poró, brócolis, rabanete, coentro. Também criamos novos produtos, como a Golden Onion, usando nossos processos e sistema.”
De acordo com Oberlin, a colheita desses alimentos é feita duas vezes por semana. “Nosso ciclo total de produção, para a maioria dos produtos, é de sete dias. Usando nosso sistema, um contêiner de 12 metros pode produzir até 40 mil caixas por mês.”
Os produtos da MightyGreens estão disponíveis em supermercados com foco em vegetais de alta qualidade, em estabelecimentos comerciais do Rio de Janeiro e São Paulo.
Cogumelos
A empresa, além de plantar microverdes em contêineres, ainda produz cogumelos comestíveis, altamente seguros para a alimentação humana.
“Hoje, produzimos quatro tipos de cogumelos ostra – branco, cinza, citrino e salmão – e vários outros cogumelos exóticos, incluindo Lions Mane, Black Pearl, Chestnut e Pioppino. Também fornecemos shiitake a granel, eliminando o isopor e o plástico, que são comumente usados para embalar cogumelos”, informa Oberlin.
Da França para o Brasil
Conforme o executivo, a MightyGreens conta com o trabalho especializado de Simone Castro, “uma chef treinada na França”.
“Como trabalhamos com alimentos como microverdes e cogumelos exóticos, ela ajuda outros chefs a entenderem como usar melhor nossos produtos, quando eles estão criando um novo menu, além de atuar no relacionamento com os clientes.”
Ainda atua com chefs empregados pelos clientes da empresa em supermercados. “Lá, eles preparam nossos produtos e realizam degustações para demonstrar, ao consumidor, como usar microverdes e cogumelos no dia a dia, explica o empresário.”
Smartfarms
A MightyGreens também oferece o serviço de smartfarms para instituições e empresas interessadas.
“Somos, constantemente, solicitados a oferecermos nossos sistemas e/ou vendermos franquias. Isso porque desenvolvemos muitos sistemas e processos que reduzem, substancialmente, o custo de mão-de-obra associado à produção de microverdes”, conta Oberlin.
O executivo afirma que, “nesse ponto, continuamos focados na melhoria dos nossos sistemas e processos, antes de decidir se ofereceremos esses sistemas ou franquias”.
“Temos padrões muito altos para nossos processos e produtos. Usamos apenas sementes sem defensivos da ISLA. Também trabalhamos em conjunto com a Coquim, para desenvolver um tapete de fibra de coco [substrato], que foi otimizado para funcionar em nosso sistema.”
Conforme Oberlin, para tanto, foram desenvolvidas máquinas e sistemas inteligentes para plantio, germinação e cultivo. “Mas a coisa mais importante que desenvolvemos é a nossa marca e a reputação de produtos veganos de alta qualidade, livres de agrotóxicos. Hoje, controlamos esses processos e tecnologia. Isso nos permite produzir microverdes mais acessíveis e da mais elevada qualidade possível.”
A tecnologia
De acordo com o diretor-executivo da MightyGreens, um dos fundadores da Fazenda Urbana é agrônomo e os outros dois são especialistas em Data Centers (ambientes altamente controlados).
“A união desses dois mundos é a nossa receita de sucesso. Construímos ambientes totalmente controlados, com foco nas necessidades de cada cultivo, em cada etapa de seu crescimento, ressalta Oberlim.”
Sendo assim, ele diz criar “dias perfeitos, todos os dias, seja para germinação ou para produção” de microverdes – tudo com “a temperatura certa, umidade, quantidade e até comprimento de onda e espectro de luz”.
Os sistemas da empresa foram desenhados em 2016 e desenvolvidos, testados e refinados, a partir de janeiro do ano seguinte.
“Temos vários sistemas desenvolvidos internamente para o plantio, a germinação e o controle do método de produção, que reduzem o tempo de produção, os custos de mão de obra e melhoram a taxa de sucesso da produção”, detalha.
Ele salienta que aplicando tecnologia e conhecimentos agronômicos, a MightGreens também conseguiu criar ambientes que eliminam a necessidade do uso de agrotóxicos.
Custos para o produtor
Segundo Oberlin, o custo da configuração de um sistema de produção depende do volume que se deseja produzir e do nível de automação e sistemas inteligentes que os interessados (produtores) pretendem implementar.
“Um pequeno sistema de produção, sem muita inteligência e automação, pode ser iniciado por apenas R$ 10 mil, podendo chegar a mais de R$ 400 mil em casos de um ambiente de produção maior”, revela o empresário.
Fora esses valores, Oberlin explica que o produtor precisa levar em consideração o custo de sementes, meios de cultivo, material de limpeza, embalagens e pessoas para cultivo, vendas e logística.
Fazendas modulares
Para abrir um espaço de produção agrícola dentro das cidades, de acordo com o executivo, a ideia de construir as fazendas modulares, pela técnica da modularidade, a princípio, “surgiu como forma de limitar o espaço necessário para resfriar as culturas, reduzindo o custo de energia, e criar a capacidade de as hortaliças crescerem na hora certa”.
“Você gasta, então, apenas o capital necessário no momento em que precisa. O trabalho com módulos dentro de um armazém ou contêiner fornece esse tipo de escalabilidade”, garante o fundador da marca Fazenda Urbana Brasil.
Alimentos seguros
Pioneira na implementação da produção de cogumelos dentro de uma das lojas da rede de supermercados Zona Sul, do Rio de Janeiro, a MightyGreens utilizou, na ocasião, um contêiner de 40 anos de uso.
“Reformamos e instalamos um sistema inteligente de controle climático, que reutiliza a água de desumidificação do ar para hidratar os cogumelos. Cogumelos precisam de temperaturas baixas para crescer. No entanto, em uma cidade, que muitas vezes passa dos 40° C, estamos conseguindo produzir cogumelos 12 meses por ano”, comemora Oberlin.
Segundo ele, os clientes podem colher os cogumelos diretamente na loja. “Isso elimina a pegada de carbono e as perdas de alimentos associadas ao transporte, e ainda aumenta a vida útil do produto”, assegura.
Oberlin enfatiza que, “além disso, com os constantes problemas de contaminação da água no Rio, não somos dependentes de água da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro) para produzir nossos cogumelos”.
Sustentabilidade ambiental
Em sua visão, desenvolver fazendas em áreas urbanas também beneficia o meio ambiente. “Falamos que estamos reflorestando nas cidades, até porque podemos produzir alimentos em locais como galpões, estacionamentos ou áreas antes consideradas improdutivas, dentro das cidades.”
Segundo Oberlin, isso também traz segurança estratégica para as cidades, garantindo o acesso universal aos alimentos, independentemente do clima, quebras nas cadeias logísticas, desastres ambientais, guerras, entre outros fatores.
Do lado do consumidor, “a produção local traz um produto mais fresco, usando menos petróleo para transportá-lo. Além disso, essa proximidade permite conhecer os produtores e as fazendas de onde vêm os alimentos”, acentua.
Para o executivo, “isso tem um impacto significativo na conscientização da escolha daquilo que nos nutre, além de dar a opção de fazer uma escolha consciente do que comprar – seja por preço, por processo de produção, uso ou não de químicos, frescor, rastreabilidade etc.”.
“Nosso contêiner para cogumelos também é aberto ao público. Realizamos passeios para adultos e workshops para crianças. Isso ajuda as pessoas que vivem na cidade a entender melhor como sua comida é produzida, ressalta.”
Espaço inédito
A primeira fazenda urbana do mundo, instalada dentro de uma indústria, também é outra novidade desse mercado da agricultura, no Brasil. No final de 2019, foi inaugurado um espaço de cultivo de hortaliças dentro da fábrica da Mercedez-Benz, que funciona em São Bernardo do Campo (SP), fruto de uma parceria com a startup BeGreen, de Belo Horizonte (MG). Desde o plantio à colheita, tudo é feito no local.
Sócio fundador e CEO da BeGreen, Giuliano Bittecourt comenta que a empresa “surgiu para hackear a cadeia de produtos ultra perecíveis, que têm um alto desperdício no Brasil”.
“Em uma visita a Mato Grosso, conhecemos o conceito de fazendas urbanas. Em 2017, abrimos a primeira do gênero da América Latina, no Boulevard Shopping, em Belo Horizonte”, onde são produzidas aproximadamente 40 mil hortaliças por mês, segundo relata o executivo.
Aquaponia
Para manter a horta orgânica em larga escala e com menor tempo de cultivo até a colheita, a BeGreen utiliza técnicas inovadoras de aquaponia, que consome 90% menos de água em comparação à cultura convencional, dentro das porteiras das fazendas tradicionais.
Essa tecnologia é capaz de produzir até 28 vezes mais do que no modelo adotado na zona rural, além de ser mais saudável e também ecológica e socialmente correto. “Utilizamos a água de forma inteligente, não usamos nenhum tipo de substância química e estimulamos a hortaliça de forma que cresça em um período até 40% menor”, explica o empresário.
De acordo com Bittencourt, como o volume de perdas e desperdícios de alimentos no Brasil é muito alto, “a BeGreen chegou para tornar a cadeia produtiva mais sustentável, eliminando seu maior entrave: que é a distância entre o produtor e o consumidor”.
A parceria
Sobre o projeto da Mercedes-Benz, ele avalia como “uma grande parceira da BeGreen em desenvolvimento de tecnologia”. “Produzir dentro da fábrica nos dá a oportunidade de levar alimentos saudáveis e sem agrotóxicos para mais pessoas.”
Por mês, dentro da indústria, são colhidas, em torno de 2,5 toneladas de hortaliças verdes, que são destinadas ao consumo de oito mil colaboradores da indústria. Além dos funcionários, a iniciativa beneficia também suas famílias, uma vez que a produção é vendida a preço promocional e pode ser levada pra casa. No local são cultivados agrião, alface baby (verde e roxa), cebolinha, chicória, coentro, espinafre, hortelã, manjericão rúcula e salsinha, além de, futuramente, tomate e berinjela.
Modelo de negócio
De acordo com o CEO da BeGreen, o mesmo modelo de negócio já está em estudo para implantação em diversos segmentos: fábricas, shoppings, indústrias, empresas, entre outros. “A ideia é abrirmos mais fazendas este ano.”
A startup também oferece o serviço de delivery de alimentos orgânicos. “Pessoas interessadas assinam nosso plano mensal e recebem em casa, semanalmente”, informa.
Na visão de Bittencourt, o surgimento de fazendas urbanas em ambientes fora do campo (da zona rural), tanto para a BeGreen e empresas parceiras quanto para os consumidores e para o meio ambiente, é bastante promissor.
“Queremos que mais fazendas surjam e que o desperdício diminua”, resume o fundador da BeGreen.