Consumo de água e de energia cai pela metade com a gliricídia comparado ao sistema convencional com estacões de madeira
Ao usar gliricídia (Gliricidia sepium L.), espécie de árvore leguminosa, como tutor vivo para o crescimento da pimenteira-do-reino, pesquisadores da Embrapa confirmaram que o sistema reduz em até 46% os custos de implantação por hectare, além de consumir metade da água usada no modelo tradicional e ainda melhorar a qualidade do produto.
A técnica, chamada de “sistema de produção da pimenta-do-reino em tutor vivo”, substitui as tradicionais estacas de madeira por plantas da gliricídia, que oferece suporte à pimenteira-do-reino e, ao mesmo tempo, contribui para a fixação de nitrogênio do ar, sequestro de carbono e o enriquecimento do solo.
De acordo com informação da Embrapa, esse sistema combina o aumento da produtividade com práticas sustentáveis e já é adotado em diversas regiões produtoras do Pará.
O trabalho da pesquisa, realizado na região nordeste do estado do Pará, comparou o comportamento de seis clones (cultivares desenvolvidas pela pesquisa ou cultivadas pelos produtores de pimenta-do-reino) nos dois diferentes sistemas de cultivo: em estacão de madeira e em tutor vivo de gliricídia.
Foram avaliadas a viabilidade econômica das lavouras irrigadas, redução de custos, eficiência do uso da água e da energia, qualidade do produto final e o impacto ambiental do cultivo nos dois sistemas.

O uso da gliricídia (Gliricidia sepium L.) como tutor vivo para o crescimento da pimenteira-do-reino reduz em até 46% os custos de implantação por hectare Foto Ronaldo Rosa/Embrapa/Divulgação
A gliricídia
A Gliricidia sepium L. é uma árvore leguminosa nativa do México e da América Central, que possui alta capacidade de fixação de nitrogênio através de suas raízes. A inclusão dessa espécie no sistema agrícola contribui para o sequestro de CO2, ajudando a reduzir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.
Planta trepadeira
A pimenteira-do-reino é uma planta trepadeira e precisa de um tutor para o seu crescimento. O uso de estacas de gliricídia como tutor vivo (suporte) é uma alternativa aos pipericultores devido ao baixo custo e às dificuldades de aquisição de estacão de madeira, geralmente confeccionado com espécies das chamadas “madeiras-de-lei” (acapu, maçaranduba, jarana, entre outros) que se encontram em condição de esgotamento.
João Paulo Both, analista da Embrapa Amazônia Oriental (PA), conta que o uso do tutor vivo de gliricídia na pimenta-do-reino vem sendo adotado no Pará desde 2004, mas a expansão se deu a partir de 2014 com o aumento do preço do estacão de acapu e suas restrições legais que causam grande impacto ambiental.
Ele acrescenta que o segmento produtivo, no entanto, ainda demandava informações mais precisas sobre irrigação, espaçamento, nutrição, manejo e outros fatores de produção das cultivares de pimenteira-do-reino nesse tipo de tutor para a consolidação de um sistema de produção sustentável.

Cultivo em árvore leguminosa reduz custos e melhora qualidade da pimenta-do-reino Foto Ronaldo Rosa/Embrapa/Divulgação
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Mais economia para o produtor
O pesquisador salienta que, do ponto de vista econômico, o trabalho avaliou os custos de implantação de um hectare de pimenta-do-reino nos dois sistemas de produção para cada cultivar, e ainda o custo do sistema de irrigação.
Ele revela que um dos resultados é a redução em 46% no custo total de implantação de um hectare de pimenta-do-reino em tutor vivo de gliricídia, quando comparado ao estacão de madeira (tutor morto).
“Para implantar um hectare de pimenta em estacão de madeira o produtor precisa desembolsar R$ 59.313,00 enquanto que um hectare em tutor vivo de glirícidia custa ao produtor R$ 32.038,00”, avalia.
Both reforça que o elevado preço das estacas de madeiras praticados no estado do Pará foi o principal fator para a diferença nesse custo de implantação.
“O preço da estaca de madeira chega a R$ 25,00, enquanto que o valor mais alto encontrado para o tutor vivo de gliricídia foi R$ 5,00 a unidade. Para implantar um hectare de pimenta no espaçamento de fileiras duplas (2,20m X 2,20m X 4,00m) são necessários 1.500 estacões”, relata.
O especialista destaca ainda que, com o tutor vivo de gliricídia, os custos de implantação diminuem significativamente, permitindo que os produtores utilizem esses recursos para adotar tecnologias como a irrigação, essencial em períodos de déficit hídrico.
Custo da irrigação cai pela metade
Oriel Lemos, pesquisador da Embrapa, completa que a demanda hídrica nos dois sistemas de plantio também foi avaliada pelos cientistas.
Ele explica que a pimenteira-do-reino na gliricídia demanda menos água que no estacão de madeira. E, comparando o mesmo sistema de irrigação em duas linhas, o cultivo no tutor vivo consumiu cerca de quatro litros de água por planta por dia, metade da demanda observada no cultivo tradicional. “Em um cenário de mudanças climáticas, com a redução de chuvas e ampliação dos períodos secos, essa diminuição na demanda hídrica sinaliza um ponto positivo de adaptação às mudanças do clima”, afirma o especialista.
Lemos sublinha que a redução em mais de 50% no custo da irrigação também é um ponto positivo do cultivo em tutor vivo. “Considerando o valor tarifário de energia no estado do Pará, o sistema de irrigação com a gliricídia teve custo anual de operação de cerca de R$ 1.413,50 por hectare (ha), enquanto a irrigação no sistema de tutor morto foi R$ 3.324,00/ha/ano”, destaca.

Brasil é o segundo maior produtor mundial da especiaria Foto Ronaldo Rosa/Embrapa/Divulgação
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Conservação de recursos florestais
O pesquisador da Embrapa explica ainda que a economia de água tem relação direta com os impactos ambientais do uso do tutor vivo nas lavouras. “A sombra parcial da gliricídia reduz a perda de água por evaporação e a biomassa incorporada ao solo, proporciona o aumento da retenção de água e adição de matéria orgânica”, revela.
Ele completa que a gliricídia é uma leguminosa que fixa nitrogênio no solo e ajuda a melhorar suas propriedades físicas e químicas.
Lemos conta que a biomassa gerada nas podas da gliricídia é utilizada como cobertura e adubação orgânica, promovendo maior retenção de nutrientes no solo e fixação de nitrogênio atmosférico. “O trabalho aponta uma redução em até 30% no uso de adubos químicos nos plantios quando comparado ao sistema tradicional com tutor morto”, afirma.
O especialista destaca ainda que uma das importantes contribuições desse sistema também é a conservação de recursos florestais, uma vez que o tutor vivo diminui a dependência de madeira comercial para os estacões e consequentemente a manutenção da biodiversidade local.
Pimenta-do-reino com mais qualidade e valor de mercado
João Paulo Both revela que os trabalhos avaliaram também a qualidade da pimenta-do-reino produzida em tutor vivo de gliricídia e um dos principais resultados foi a maior densidade do produto final.
Ele explica que a densidade do produto é uma análise fundamental para precificar a pimenta e classificá-la para exportação, já que é uma commodity. “Quanto mais pesado o grão, maior é o valor pago ao produtor”, pontua.
De acordo com informação do analista da Embrapa, o Brasil utiliza três parâmetros de densidade e o uso do tutor de gliricídia apresentou efeito positivo na densidade dos frutos, com tendência a aumentar a frequência nas classes de maior densidade. “Os grãos produzidos nesse sistema são frequentemente maiores e, portanto, com maior densidade”, esclarece.
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Piperina
Outros pontos evidenciados no trabalho da Embrapa foram os parâmetros físico-químicos de qualidade da pimenta-do-reino, especialmente o teor de piperina.
Nádia Paracampo, pesquisadora da estatal, explica que a piperina é o composto bioativo majoritário da pimenta-do-reino e é identificada como um dos principais alcaloides responsáveis pela pungência, ou seja, o ardor do produto.
Ela conta que no conjunto das seis cultivares analisadas, o teor de piperina foi cerca de 14% maior sob as condições de cultivo no tutor vivo de gliricídia em comparação ao sistema tradicional de tutor morto (estacão de madeira).
Produção nacional
A pimenta-do-reino é uma das especiarias mais consumidas do mundo. O Brasil é o segundo produtor mundial dessa commodity, com uma produção de cerca 130 mil toneladas em 2023, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Pará é o segundo maior produtor nacional de pimenta-do-reino, com produção de 38 mil toneladas em 2023, em 18 mil hectares (IBGE/PAM, 2024).

A pimenta-do-reino é uma das especiarias mais consumidas do mundo Foto Ronaldo Rosa/Embrapa/Divulgação
Apesar de sua tradição no cultivo, o Estado enfrenta desafios para uma produtividade semelhante ao Espírito Santo, que lidera a produção nacional: 61% do total.
A pimenta-do-reino brasileira é amplamente exportada para mercados como Alemanha, Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos e Egito.
Multiplicação da tecnologia mantendo a floresta
Para atender à demanda dos pipericultores pelos tutores vivos, a pesquisa vem aprimorando o sistema de produção de gliricídia. O jardim clonal, como é tecnicamente chamada a área de multiplicação de estacas da planta, é uma tecnologia que complementa o sistema de produção sustentável da pimenta-do-reino. “Cada planta matriz pode fornecer quatro estacas de gliricídia por ano”, afirma Both.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Oriel Lemos, a área de adoção do tutor vivo no cultivo da pimenteira-do-reino no Pará cresceu mais de 400% nos últimos dez anos. “Saltou de 80 hectares em 2014 para 421 hectares em 2024”, diz.
A ampliação da adoção do tutor vivo por parte dos produtores é fruto da parceria entre Embrapa e empresa Tropoc, que exporta a pimenta-do-reino paraense para diversos países e se junta à instituição para consolidar o sistema de produção sustentável da pimenta na Amazônia.
Para o especialista, esse sistema mostra que é possível aumentar a produção de pimenta-do-reino sem precisar cortar nenhuma árvore na Amazônia.
“Este ano em que se discute a produção de alimentos frente às mudanças climáticas, essa mensagem ganha uma dimensão global. É fundamental que o consumidor saiba que ao comprar a pimenta-do-reino produzida no Brasil, ele está adquirindo um produto que respeita o meio ambiente e contribui para o sequestro de carbono”, conclui Lemos.