Pesquisadores da Embrapa desenvolveram uma metodologia inovadora para a avaliação de espécies arbóreas de crescimento espontâneo em áreas de pastagem, levando em conta critérios como o tipo e tamanho da copa, a velocidade de desenvolvimento da espécie, e a característica dos eventuais frutos
“Onde há árvores, o capim tem uma qualidade muito melhor. O gado tanto tem a sombra quanto o alimento. Além disso, o solo não terá tanta erosão e as folhas vão virar adubo. Quando você olha o pasto onde não tem uma árvore, o solo está enfraquecido, enquanto que próximo às árvores, a terra é mais fértil, é possível notar a diferença na coloração do capim”.
O relato acima é de João Evangelista, produtor rural conhecido como João Paraná, dono de uma área de 200 hectares, no município de Senador Guiomard, a 70 quilômetros de Rio Branco, no Acre, onde possui um pequeno rebanho de bovinos e uma lavoura.
Ao notar que em sua propriedade existiam pastagens degradadas, João buscou pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que, em 2009, em uma área de três hectares, deram início ao plantio de árvores nativas – como o mulateiro e o bordão-de-velho – , combinado com a produção de grãos. Em 2014, a área voltou a ser pastejada e o produtor rural notou melhorias nas forrageiras cultivadas.
Guia para produtores
Para auxiliar os produtores rurais na inserção de árvores nas propriedades, a fim de melhorar a produção, pesquisadores da Embrapa desenvolveram uma metodologia inovadora para a avaliação de espécies arbóreas de crescimento espontâneo em áreas de pastagem, com a adoção de critérios objetivos e atributos fáceis e rápidos de serem avaliados.
O método classifica e ranqueia espécies arbóreas com base em sua aptidão como fonte de madeira e o fornecimento de serviços múltiplos em sistemas silvipastoris. Para a Amazônia, o sistema descreveu 51 espécies nativas com crescimento espontâneo nas pastagens.
“Há uma infinidade de espécies arbóreas nativas nos diferentes biomas brasileiros, muitas vezes são pouco conhecidas e estudadas, mas que podem apresentar um potencial para uso na arborização de pastagens. Onde houver árvore de regeneração natural em pastagem, a metodologia pode ser utilizada”, explica a pesquisadora da Embrapa Rondônia Ana Karina Salman.
A metodologia foi publicada no livro Guia Arbopasto e embasou o aplicativo Arbopasto.
O aplicativo
A tecnologia disponibiliza informações de 51 espécies arbóreas nativas da Amazônia Ocidental de forma rápida por meio de uma série de funcionalidades, como filtros de busca para a procura por espécies considerando suas principais características.
Dependendo da finalidade desejada, os produtores devem considerar vários aspectos, como o tipo e tamanho da copa, para que a pastagem ao redor seja mantida; a velocidade de crescimento da espécie, para que os animais possam entrar na área o quanto antes possível, sem danificarem as mudas; e a característica dos eventuais frutos, que devem ser comestíveis e não apresentarem substâncias tóxicas. O catálogo conta com fotografias para facilitar a identificação.
“A principal vantagem do aplicativo é a portabilidade. Quando o produtor rural encontrar uma árvore no campo, poderá verificar imediatamente se é boa para a pastagem, se os frutos não causam intoxicação nos animais, entre outras peculiaridades”, detalha o pesquisador da Embrapa Acre Carlos Maurício de Andrade.
Um exemplo é o bordão-de-velho (Samanea tubulosa), espécie que apresenta os melhores atributos para fornecimento de serviços, de acordo com o ranking elaborado pelos pesquisadores para o Guia Arbopasto.
“Em geral, as leguminosas, como é caso do bordão-de-velho, apresentam particularidades interessantes devido à sua capacidade de fixar nitrogênio e à arquitetura da copa, que permite passagem de luz solar adequada para o crescimento das gramíneas que estão embaixo. No aplicativo, são exibidas fotos das plantas jovens de algumas espécies, e isso é interessante porque quando o produtor rural for fazer o controle de plantas daninhas, poderá checar a espécie e manter a muda que lhe for interessante no futuro”, explica Andrade.
O aplicativo Arbopasto, está disponível no GooglePlay, para dispositivos que operam com Android, e também pode ser acessado na internet por celulares, tablets, computadores e até smart TVs com qualquer sistema.
Árvores nativas
A arborização de pastagens, sistemas silvipastoris e integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) são opções sustentáveis e cada vez mais presentes no dia a dia dos pecuaristas brasileiros. Mesmo com o importante papel das árvores como fornecedoras de produtos e serviços para a atividade pecuária, ainda há pouca informação sobre o uso de espécies arbóreas nativas da flora brasileira nesses sistemas.
Apesar da riqueza da flora arbórea brasileira, a maioria dos sistemas silvipastoris implantados no Brasil ainda utiliza espécies arbóreas exóticas. O desafio é identificar, caracterizar e domesticar as espécies nativas, tornando-as tão ou mais atrativas que as exóticas. O objetivo principal é que se tenha nas pastagens um número de árvores que garanta a sustentabilidade do sistema, com benefícios a todos os componentes ao longo dos anos e com práticas adequadas de manejo.
Para Andrade, a simples arborização de uma área de pastagem não deve ser confundida com um sistema silvipastoril.
“No Brasil, a média de árvores em meio às forrageiras varia de 4% a 5%, quando se recomenda que a área de sombra gerada pelas copas das árvores seja de no mínimo 10% e não ultrapasse 40% ou 50% da área da pastagem, desde que as espécies usadas tenham arquitetura de copa adequada. Assim, é possível manter níveis satisfatórios de luz para o crescimento da pastagem, mantendo convivência positiva de árvores, animais e pastagem no sistema”, argumenta.