Em experimentos com a Produção Integrada de Morango – PIMo –, em áreas agrícolas do Estado de São Paulo, fruticultores conseguiram reduzir em um décimo o número de aplicações de defensivos químicos, fora outras vantagens para o bolso do agricultor e para o meio ambiente
Redução em quase dez vezes do número de aplicações de defensivos químicos, aumento da produtividade por planta e a geração de um fruto mais valorizado pelo mercado consumidor são os primeiros resultados obtidos por produtores rurais. que passaram a adotar a Produção Integrada de Morango (PIMo), sistema agrícola que ainda promove ganhos em sustentabilidade, qualidade de vida, segurança do alimento e melhora do produto final.
Todas essas vantagens foram “descobertas” por produtores de morangos das regiões de Atibaia e Jarinu, no interior de São Paulo, que adotaram a PIMo desde 2006. Cinco anos mais tarde, eles conquistaram a primeira certificação para a fruta do País: o selo Brasil Certificado – Agricultura de Qualidade.
Desde então, eles utilizam esse selo para indicar a procedência dos morangos que produzem, propiciando maior valor agregado à fruta. Em 2017, produtores do município de Piedade (SP) também aderiram à produção integrada nesse tipo de cultivo.
De acordo com a Unidade Meio Ambiente (SP) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a PIMo permite o uso de agrotóxicos, desde que sejam registrados e utilizados como último recurso, e otimiza técnicas de plantio, manejo, colheita e pós-colheita.
Pesquisadora da estatal e coordenadora do processo desde o início, a engenheira agrônoma Fagoni Calegario diz que “a integração entre os profissionais é condição fundamental para que produtores, técnicos e diversos agentes da cadeia produtiva possam compreender e adotar práticas mais sustentáveis”.
Certificação
“A certificação foi um passo importante que permitiu aos produtores comprovar, por meio de diversas evidências, que todas as boas práticas agrícolas e de fabricação foram adotadas, gerando um morango de alta qualidade e segurança. Essa comprovação torna-se cada vez mais importante no cenário atual, em que a inocuidade dos alimentos e a sustentabilidade consolidam-se como fatores de competitividade das cadeias agrícolas”, acredita Calegario.
Atualmente, os sete produtores certificados no Estado de São Paulo cultivam aproximadamente 100 mil pés de morango em dois sistemas: solo e semi-hidropônico (hidropônico cultivado em substrato), com ótimos resultados, de acordo a pesquisadora. Em 2018, o produtor Keiji Nakashima inaugurou o primeiro colha-e-pague de morango certificado em Atibaia, sistema em que o próprio consumidor colhe as frutas que vai levar para casa.
Como o objetivo do sistema é reduzir a utilização de agroquímicos, desde as primeiras etapas são observados critérios técnicos e adotadas as boas práticas agrícolas. O produtor Osvaldo Maziero, de Atibaia, trabalha com a PIMo desde 2008. Ele enfatiza a importância dos ganhos ambientais pela redução do uso de defensivos.
“Isso interfere diretamente na qualidade dos morangos, já que o uso desses produtos é planejado e controlado. O uso racional de agrotóxicos é um caminho que não tem volta. Somos os pioneiros em Produção Integrada de Morango no Brasil. Criamos a marca do morango certificado Atibaia-Jarinu e outras regiões estão nos seguindo o exemplo. Esse modo de produção começou aqui e queremos que continue. Somos o berço do programa e temos orgulho disso”, relata o produtor.
Entenda as normas da produção integrada
As orientações para a implementação, a avaliação da conformidade e a certificação da PIMo estão em normas e regulamentos elaborados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). U
m dos primeiros documentos foi a Instrução Normativa nº 20, de 15 de outubro de 2001, ou Marco Legal da Produção Integrada de Frutas (PIF). A IN nº 14, de 1º de abril de 2008, complementada pela IN nº 24, de 4 de agosto de 2010, contém as Normas Técnicas Específicas para a Produção Integrada de Morango (NTE-PIMo). Além das NTE-PIMo, cadernos de campo e pós-colheita, grade de agrotóxicos e lista de verificação são os documentos de acompanhamento que completam o conjunto de registros que permitem o controle e a rastreabilidade de todo o processo produtivo.
Em agosto de 2010 foi publicada a IN 27, com as diretrizes gerais para a Produção Integrada Agropecuária (PI-Brasil) e em novembro de 2011, a Portaria nº 443, que regulamenta o Programa de Avaliação da Conformidade da Produção Integrada para todos os produtos do setor agropecuário. Assim, a PIF foi ampliada, consolidando-se as possibilidades de certificação para as demais cadeias agropecuárias, passando a ser conhecida como PI Brasil.
Ganhos financeiros
Para o produtor Cláudio Donizeti dos Santos, também de Atibaia, os ganhos, além de ambientais, foram também financeiros, já que vende 90% da sua produção diretamente aos consumidores por um preço diferenciado, que considera justo, uma vez que os morangos têm a garantia de segurança do alimento.
“Com a produção integrada, a economia com o uso de defensivos é um benefício para nós produtores e também para os consumidores. Conseguimos fazer melhor e ganhamos por esse diferencial. Antigamente, usava mais produtos químicos. Agora, só quando é muito necessário”, relata.
Para o responsável técnico de Atibaia Marcos Albertini, os produtores ficaram mais conscientes quanto ao uso de agrotóxicos. Além disso, a implantação da PIMo e o contato com outros produtores os tornaram mais predispostos a receber informações técnicas. “A produção de morango, com os cadernos de campo, passou a ser mais empresarial, mais profissional”, acredita Albertini.
Menos agrotóxicos
Frequentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulga os resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (Para), alertando sobre os perigos da contaminação de produtos hortifrutícolas por resíduos de agrotóxicos. O morango sempre ocupava lugar de destaque entre os produtos com maior porcentagem de irregularidades.
“Nesse contexto, a certificação de um sistema sustentável com a chancela do Inmetro aparece como alternativa para que os produtores garantam mercado, oferecendo um morango diferenciado,” acredita a engenheira agrônoma Fagoni Calegario, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente.
O Manejo Integrado de Pragas (MIP) é o “coração” do sistema de produção integrada, ou seja, a base técnica para a redução da utilização de agrotóxicos. O investimento financeiro em uma cultura de morango é relativamente alto e as plantas são bastante suscetíveis a pragas e doenças. Além disso, as condições climáticas ótimas para o desenvolvimento das plantas muitas vezes são as mesmas que favorecem a ocorrência das pragas.
Um décimo dos custos com defensivos
Em uma pesquisa anterior, a engenheira agrônoma Larissa Iwassaki, mestre em Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio, desenvolveu um estudo no qual foram utilizadas estratégias para controle biológico de ácaro-rajado (Tetranychus urticae). As práticas permitiram reduzir em seis vezes a quantidade de agrotóxicos empregada, de 12 para duas aplicações, diminuindo os custos do controle químico a quase um décimo do valor gasto na produção convencional.
Quando somados aos custos do controle biológico, no entanto, o gasto na produção integrada foi cerca de 6% maior. Uma diferença que pode ser compensada pela maior valorização do produto gerado em PIMo pelo mercado, produtividade por planta quase duas vezes maior e pelas vantagens ambientais e de saúde que proporciona.
Uma das razões de a parcela da PIMo apresentar menor infestação dessa praga foi a presença nessa lavoura do ácaro predador Neoseiulus californicus, um inimigo natural do ácaro-rajado. Para isso, os pesquisadores usaram um acaricida seletivo, o que ajudou a preservar o predador da praga e a controlá-la.
Mais vantagens
Outra vantagem do emprego de ácaros predadores é a redução da pressão de seleção sobre a população do ácaro-rajado. Isso significa que, com menos contato com agrotóxicos, a praga sofre um processo mais lento de evolução de sua resistência a acaricidas. Em outras palavras, demora-se mais tempo para aparecerem linhagens de ácaros resistentes aos produtos químicos.
“A estratégia resultou em duas grandes melhorias: a exposição seis vezes menor dos trabalhadores aos agrotóxicos e a produção de alimentos livres de perigos químicos”, explica Larissa.
Na produção integrada, a garantia do equilíbrio fisiológico e nutricional das plantas desde o início confere maior resistência a pragas e doenças. As adubações observam obrigatoriamente as recomendações feitas com base nos resultados das análises de solo. As variedades são escolhidas de acordo com sua aptidão climática e resistência a problemas fitossanitários.
O sistema de irrigação é determinado de forma a evitar o desperdício de recursos hídricos e o molhamento excessivo das folhas, que provoca o aumento da incidência de doenças. A rotação de área é obrigatória, visando manter o cultivo em locais onde haja sempre a menor pressão possível de doenças pré-existentes.
Gestão ambiental personalizada
Também pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, o doutor em Ecologia Claudio Buschinelli organizou, com os produtores e responsáveis técnicos, um cronograma para avaliar o empreendimento e elaborar um plano de gestão ambiental de cada propriedade. Para tanto, foi usado o Ambitec Agro-PIMo, sistema que avalia os impactos econômicos, sociais e ambientais após a adoção da Produção Integrada de Morango e permite verificar os avanços, ou seja, a eficiência na aplicação da tecnologia.
“O plano de gestão ambiental permite aos envolvidos terem consciência do que conseguiram implementar e o que podem melhorar”, conta o ecólogo.
Conforme o analista da Embrapa Meio Ambiente e engenheiro civil Sandro Pereira, a estratégia de implementação da PIMo-SP teve como principais destaques a união dos produtores e sua organização para, inicialmente, fazer os registros e as anotações de campo que o sistema demanda. Em seguida, os produtores de Atibaia conseguiram captar recursos externos por meio do Orçamento Participativo.
“Os diferenciais foram o início com planejamento estratégico participativo (macroeducação) e a continuidade desse planejamento no decorrer dos anos. A adoção de um calendário sistematizado permitiu a adequação às etapas de adoção da PIMo condizentes com a sua realidade. Sem contar que as normas oficiais foram elaboradas com a participação dos produtores, do Inmetro, do Mapa e das diversas instituições parceiras”, enfatiza Pereira, que também é mestre em Geomática e doutor em Meio Ambiente.
1º primeiro agricultor certificado em Piedade
Em 2018, o produtor Yoshiteru Sasada foi o primeiro da região de Piedade a conseguir a certificação da Produção Integrada de Morango (PIMo) e já pode utilizar o selo nos seus produtos. A prefeitura, por meio da Diretoria de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente, orienta e oferece assistência técnica aos agricultores para a obtenção da certificação. Além disso, estimula outros produtores a buscarem o certificado e se beneficiarem de um nicho diferenciado de mercado. A implantação da PIMo no município foi realizada por meio de parceria entre a Embrapa e as prefeituras de Atibaia, Jarinu e Piedade.
Atualmente, duas grandes empresas do Rio Grande do Sul também certificaram a produção. A Dante Andreazza Comércio de Frutas, por meio da marca South Berry, e a empresa Granja Andreazza, ambas localizadas em Santa Lúcia do Piaí, distrito de Caxias do Sul (RS), possuem certificação de PIMo. Atualmente, elas enviam morangos com o selo Brasil Certificado para quase todo o País.