Os novos materiais desenvolvidos tiveram boa produtividade, melhor qualidade de frutos, resistência a doenças importantes da citricultura e tolerância à seca
Cinco variedades de porta-enxerto recém lançadas e recomendadas pela Embrapa já estão sendo usadas em mudas multiplicadas por viveiristas paulistas e adotadas pelos produtores do cinturão citrícola, região composta pelo Planalto paulista, Triângulo mineiro e Sudoeste de Minas Gerais.
Walter dos Santos Soares Filho, coordenador do Programa de Melhoramento Genético de Citros (PMG Citros) da Embrapa, explica que os novos porta-enxertos apresentam boas produtividade e qualidade de frutos, além de resistência a doenças importantes da citricultura e tolerância à seca, uma realidade hoje na região.
De acordo com o pesquisador, uma planta de citros é formada por dois indivíduos distintos: o porta-enxerto, que corresponde às raízes e parte do tronco da planta, e a copa, parte aérea responsável pelas características dos frutos.
“É o porta-enxerto que dá sustentação e adaptação ao ambiente no qual a planta se encontra. Então, se ele for resistente a uma doença, por exemplo, vai passar essa característica à combinação copa/porta-enxerto”, esclarece.
Importante conquista
Eduardo Augusto Girardi (à esquerda na foto de abertura), pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura e coordenador da Mista de Pesquisa e Unidade de Tecnologia ( UMIPTT) Cinturão Citrícola, sediada em Araraquara (SP), salienta que a participação da tangerineira Sunki BRS Tropical , do trifoliata Flying Dragon e dos citrandarins Indio , Riverside e San Diego entre os mais utilizados no cinturão citrícola é comemorada pelos pesquisadores.
“É uma conquista importante porque, nas décadas anteriores, praticamente não se usavam porta-enxertos da Embrapa extensivamente no estado. É um indicador de que as pesquisas foram assertivas e de que esses materiais têm valor, já que os produtores estão adquirindo”, destaca.
Diversificação
Ele ressalta que, por se tratar de uma cultura perene, de ciclo longo, em que as plantas vivem em média 20 anos, a substituição de cultivares é bem mais lenta em comparação com grandes commodities brasileiras como arroz, soja, algodão, feijão e milho, em que a área é renovada a cada safra.
“No Brasil, maior produtor de laranja e exportador desse suco no mundo, são cultivados comercialmente menos de 20 variedades de laranja e apenas seis delas representam 92% dos pomares no cinturão citrícola”, acentua.
A citricultura é o sexto maior negócio em valor de produção agrícola entre os produtos agrícolas brasileiros.
Segundo o especialista, a baixa diversificação de variedades de copas e porta-enxertos de citros tem sido um dos principais fatores de fragilidade da cadeia produtiva no Brasil.
“A situação dos porta-enxertos é ainda mais grave, em função da elevada concentração dos pomares em uma só variedade, o limoeiro Cravo, o que torna a atividade vulnerável, especialmente no que diz respeito ao surgimento de novas doenças”, revela.
Na opinião do pesquisador da estatal Orlando Sampaio Passos, “é uma péssima decisão para o produtor manter o seu pomar somente com um porta-enxerto e a Embrapa vem alertando os produtores há muitos anos sobre isso”.
Ele afirma que “primeiro, foi a laranjeira azeda que era usada exclusivamente. Veio a tristeza dos citros nos anos 1930 [causada por um vírus que circula na seiva da planta e tem a sua disseminação pelas mudas e pelo pulgão-preto] e foram dizimados os pomares de São Paulo e da Bahia. Depois, o limoeiro Cravo também passou a ser de uso praticamente exclusivo até 2000 e, como foi mostrado pela doença morte súbita dos citros [que causa a morte em poucos meses e ainda não tem causa confirmada], toda planta que estava enxertada sobre ele no norte de São Paulo morreu devido a essa doença. Forçado pela morte súbita o produtor paulista começou há alguns anos a diversificação com o citrumelo Swingle resistente à doença mas mais intolerante à seca”.
Variedades
Dados recentes disponibilizados pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA-SP) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo apontam que, em 2020, 6,4% das mudas multiplicadas por viveiristas paulistas e contratados pelos produtores usaram porta-enxertos recomendados ou lançados pela Embrapa.
O pesquisador Girardi explica que a porcentagem pode até parecer pequena, porém, considerando a forte tradição de uso, o tamanho do cinturão citrícola — cuja produção total de laranjas em 2020 foi estimada em 267,87 milhões de caixas de 40,8 kg segundo a Pesquisa de Estimativa de Safra do por Fundo de Defesa da Citricultura ( Fundecitrus ) — e mais de dez milhões de mudas enxertadas todo ano, o feito é importante. “Espera-se que essa porcentagem cresça nos próximos anos, dadas as boas características dos porta-enxertos. Somente no primeiro semestre de 2021, a CDA-SP informou a produção de aproximadamente um milhão de mudas enxertadas em Flying Dragon e outro milhão sobre os citrandarins Indio, Riverside e San Diego”, conta.
Mutação natural
O coordenador do Programa de Melhoramento Genético de Citros da Embrapa conta que a Sunki BRS Tropical, por exemplo, é uma mutação natural do porta-enxerto Sunki comum, obtida na década de 1990 e lançada em 2003.
“Ela surgiu no meio de uma população de indivíduos que eu tinha a campo, com muitas características interessantes e superiores à Sunki comum. Ela tem quase 100% de poliembrionia, ou seja, gera muitos indivíduos idênticos à planta-mãe, e possui, em média, 18 sementes por fruto — importante para a produção de mudas — enquanto o Sunki comum tem apenas duas a três sementes o lado”,detalha.
Walter Soares diz que nas pesquisas de campo, “verificamos que o Sunki BRS Tropical apresenta resistência à gomose ou podridão de raízes [doença causada por fungos que atacam plantas cítricas podendo levar à morte] superior à da Sunki comum e, até para surpresa nossa, induz uma excelente tolerância a seca”, sublinha.
Produção de suco
Segundo o coordenador do Programa, esse aspecto influenciou a adoção do Sunki BRS Tropical em 2,3% das mudanças paulistas até o momento. “Grandes produtores que fornecem frutas para a indústria e a própria Citrosuco, parceira da Embrapa e que é uma das maiores empresas de produção de suco do mundo, usam a Sunki como porta-enxerto, além do citrumelo Swingle, que hoje é o principal porta-enxerto da citricultura paulista”, salienta.
Ele complementa que “quando os produtores de mudas viram que o Sunki Tropical é muito produtivo, até mais do que o Sunki comum, e tem um excelente rendimento no viveiro, ela começou a ser muito utilizada”, relata.
Além disso, de acordo com informação do pesquisador, é tolerante à tristeza, ao declínio dos citros, à salinidade e à morte súbita dos citros (MSC) e tem sido recomendado como alternativa de uso em programas de diversificação de porta-enxertos.
Híbridos de tangerina
Introduzidos da Califórnia e avaliados pelo PMG Citros, os citrandarins Indio, Riverside e San Diego são híbridos de tangerineira Sunki com Poncirus trifoliata (um dos porta-enxertos de maior uso na citricultura mundial).
“Os citrandarins são considerados uma nova geração de porta-enxertos promissores em todo o mundo, e buscamos associar as vantagens das tangerinas, como a menor suscetibilidade ao declínio, com as vantagens da trifoliata, como a resistência à tristeza, à gomose e ao nematoide dos cítricos. Podem ainda induzir a formação de plantas compactas e produtivas, conforme o híbrido”, afirma o pesquisador Eduardo Sanches Stuchi.
Segundo o especialista, eles foram avaliados por mais de 30 anos sob diferentes copas de laranjeiras, tangerineiras e limeiras ácidas, evidenciando capacidade competitiva em relação aos porta-enxertos tradicionais.
“Todos apresentam elevada adaptabilidade às condições tropicais. Juntos, os três citrandarins recomendados pela Embrapa corresponderam a 1,2% dos porta-enxertos dos viveiros do cinturão em 2020”, informa.
Limeira-ácida Tahiti
Stuchi orienta ainda que a trifoliata Flying Dragon, usada em 2,9% das plantas em 2020, é um porta-enxerto ananicante — reduz ao menos 50% do tamanho da planta — e, por isso, indicada para plantios adensados e irrigados , sendo um dos mais usados para a limeira-ácida Tahiti.
Seu uso foi treinado pelo pesquisador em parceria com a Fundação Coopercitrus Credicitrus ( FCC) de Bebedouro (SP).
“A planta de trifoliata tem forma ereta e cada fruto tem de 20 a 45 sementes, uma característica importante para a produção de mudas”, salienta Stuchi.
Ele esclarece que o tamanho menor das árvores adultas (ao redor de três metros) reduz podas periódicas, o que permite em outros plantios adensados, além de agilizar e facilitar as operações de colheita, inspeção e erradicação do huanglongbing (HLB), também conhecido por greening, ou “amarelão dos frutos”, a doença mais destrutiva da citricultura em todo o mundo e ainda sem controle definitivo.
“No planejamento adensado, aumenta-se ainda a eficiência dos tratos culturais e das pulverizações, atendendo à demanda dos produtores em relação ao controle de previsões, doenças e seus vetores”, conta.