A economia circular aponta, cada vez mais, para alternativas viáveis com oportunidades de um futuro sem lixo, mais saudável e sustentável
Alimentos in natura, ou minimamente processados, são a base ideal de uma alimentação adequada, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A comida de seu prato está de acordo com o que preconiza a OMS?
Você já se perguntou de onde vêm esses alimentos? Se são obtidos diretamente de plantas, ou animais, com o mínimo – ou nenhum – tipo de processamento? Se são mesmo saudáveis ou frescos?
Para a jornalista e ambientalista Claudia Visoni, fundadora da União de Hortas Comunitárias de São Paulo e co-fundadora da Frente Alimenta, ao sairmos em busca desses ingredientes nas compras, nossa preocupação deve se estender para além do sabor e da qualidade. “Ponderamos o preço dos produtos, a distância até o local de compra, o tempo de deslocamento, o que engloba a emissão de carbono neste transporte, e diversos outros fatores que fazem parte da equação de um consumo mais sustentável”, afirma.
Porém, segundo ela, esses são somente alguns dos muitos aspectos que nos possibilitam pensar a relação entre alimentação e economia circular e ressalta que “a economia circular aponta, cada vez mais, para alternativas viáveis, que são detentoras de oportunidades, em se tratando de um futuro sem lixo, mais saudável e mais sustentável”.
Agricultura urbana e circularidade
A especialista destaca que bons e práticos exemplos dessa relação – e que vêm ganhando espaço nos últimos anos – são a agricultura urbana e as hortas urbanas. “Além de serem soluções para garantir alimentos frescos e de qualidade, produzidos bem próximos de cozinhas parceiras, essas práticas são consideradas verdadeiras revoluções comunitárias.
A jornalista salienta que a agricultura urbana é uma potência e, por isso, é importante caracterizá-la bem. “Há uma confusão entre o que é agricultura urbana e periurbana e hortas urbanas”, afirma.
Visoni explica que agricultura urbana e periurbana são praticadas por agricultores profissionais que vivem na cidade. “Já as hortas comunitárias seriam muito mais um paisagismo comestível, um local de educação ambiental, educação nutricional, fortalecimento comunitário, oásis urbano, lugar de contemplação. Ali, nem sempre se pratica economia, mas existem casos e casos”, orienta.
Frente Alimenta
Um deles é o projeto Frente Alimenta que, segundo a jornalista, alinha alimentação e outros princípios da economia circular. “Eles entregam frutas, verduras e legumes sem agrotóxicos em cozinhas comunitárias em áreas de alta vulnerabilidade social em São Paulo, por exemplo”, diz.
“Outra ação do projeto é apoiar pequenos agricultores agroecológicos urbanos e rurais da região, gerando renda para trabalhadores em situação de vulnerabilidade e contribuindo para a regeneração de ecossistemas e a proteção das fontes de água”, conta a especialista.
Insegurança alimentar
A co-fundadora da Frente Alimenta revela que o surgimento do projeto coincidiu com o início da pandemia de Covid-19, que agravou a insegurança alimentar nas periferias de São Paulo e afetou os pequenos agricultores agroecológicos. “A iniciativa surgiu como uma resposta emergencial para ajudar quem estava passando necessidade por causa da pandemia. Logo no começo, ativistas bancavam as ações por conta própria”, relata a jornalista.
Ela destaca que o Instituto Kairós se tornou parceiro em 2021 e o foco passou a ser as cozinhas comunitárias. “Hoje, a Frente Alimentar fornece alimentos saudáveis, melhorando a qualidade de vida dos beneficiários e incentivando a agricultura urbana em São Paulo, que possui um enorme potencial de produção”, orgulha-se Visoni.
Apoio técnico e capacitação
De acordo com a co-fundadora, a Frente Alimenta ainda oferece apoio técnico a hortas urbanas, capacitação para cozinheiras comunitárias e investimentos em equipamentos e infraestrutura. “Em 2022, a iniciativa entregou 29 toneladas de alimentos em cozinhas comunitárias, preparou 111 mil refeições, distribuiu duas mil cestas agroecológicas e beneficiou seis cozinhas e dez comunidades”, salienta.
Ela ainda conta que todas essas ações são feitas pensando em não gerar – ou ao menos reduzir – a geração de lixo. “Alimentos produzidos localmente não só dispensam embalagens, como absorvem grande quantidade de resíduo orgânico na fabricação de adubo e até materiais de difícil descarte como restos de madeira, que são usados na delimitação de canteiros”, acentua a ambientalista.
Pegada de carbono e desperdício
Além de tudo isso, para Visoni, “a produção agrícola nas cidades também minimiza a necessidade de transporte de alimentos a longas distâncias, reduzindo a pegada de carbono e o desperdício associado”.
Entretanto, na opinião de jornalista, sem o apoio do poder público, isso é difícil de ser feito. “É essencial que o poder público apoie o crescimento da agricultura nas áreas urbanas”, acredita.
Segundo ela, além de contribuir para a conservação de espaços públicos e reduzir a criminalidade, a agricultura urbana promove uma vida local mais vibrante e ajuda a conter o avanço descontrolado da mancha urbana, reduzindo a demanda por transporte.
“A agricultura urbana não apenas nos coloca em contato direto com a origem dos alimentos, mas também se alinha perfeitamente com os princípios da economia circular, inclusive, no aspecto social e pessoal”, acredita a especialista.
Visoni reitera que a agricultura urbana pode gerar emprego e renda, promover o renascimento da vida comunitária, oferecer lazer gratuito e melhorar a saúde física e mental das pessoas. “E, também, proporciona uma educação ambiental prática e nutricional, fortalece a segurança alimentar, integra agricultores e consumidores, e valoriza os saberes tradicionais de cultivo”, reforça.
Para a fundadora da União de Hortas Comunitárias de São Paulo, em um momento de polarização social, “a agricultura urbana nos lembra da nossa interconexão com a natureza e a importância de reconstruir pontes entre as pessoas”, sublinha.
Circularidade nas casas e embalagens
Edson Grandisoli, professor e coordenador pedagógico do Movimento Circular destaca que, ao nos referirmos à economia circular na alimentação, não é possível deixar de mencionar a importância de reduzir o desperdício e repensar o ciclo de vida dos alimentos. “Isso inclui a maneira como lidamos com resíduos e embalagens”, afirma.
Em sua opinião, a busca por alimentos não embalados, ou que utilizem embalagens sustentáveis, em conjunto com a redução do desperdício são elementos-chave desta equação. “Ao olharmos para o nosso prato de comida, todos os dias, devemos celebrar. Ele é resultado do trabalho de dezenas, centenas de pessoas em parceria com o ambiente”, salienta.
Segundo o professor, conhecer melhor toda essa cadeia, da produção ao eventual descarte, deve nos fazer refletir sobre questões éticas relacionadas à disponibilidade, ao acesso e, ao mesmo tempo, a todo o desperdício que ainda existe”, comenta.
Para o especialista, a circularidade não se limita apenas à produção de alimentos, mas também ao que fazemos com as sobras de comida e embalagens após o consumo. “A adoção de práticas de ‘lixo zero’ em nossas casas e o apoio a iniciativas de reciclagem e reutilização de embalagens contribuem significativamente para a construção de uma economia mais circular e sustentável”, orienta.
“Podemos – e devemos – fazer melhores escolhas todos os dias. É um aprendizado permanente na direção de zerar a quantidade de resíduos que produzimos e garantir acesso a alimentação saudável e de qualidade para todos. Ou seja, uma alimentação circular enquanto garantia de qualidade ambiental e direito humano”, afirma Grandisoli.
Ele finaliza aconselhando que “vale a pena refletir sobre como nossas escolhas alimentares e práticas diárias podem desempenhar um papel fundamental na promoção da circularidade, tornando nossa relação com a comida mais saudável, sustentável e consciente”.
Fontes: Frente Alimenta e Movimento Circular