Um estudo da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) acaba de constatar que as criações de mexilhões na cidade catarinense de Bombinhas estão sendo dominadas por uma espécie exótica desse molusco, nativa da região do Prata, que compreende Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai e Argentina.
Os mexilhões cultivados tradicionalmente no Estado são da espécie Perna perna, porém, em Bombinhas, algumas fazendas marinhas estão verificando a prevalência do Mytilus cf. edulis platensis.
A pesquisa desenvolvida pelo Centro de Desenvolvimento em Aquicultura e Pesca (Cedap) da Epagri avaliou que o M. cf. edulis platensis aparecia em maior quantidade do que o P. perna, em 14 das 20 fazendas marinhas estudadas na safra de 2017. Naquela ocasião, a proporção geral média nos cultivos do município era de 69% do mexilhão exótico, para 31% do nativo. No município de Bombinhas, há 60 produtores de mexilhões e se pressupôs a presença do Mytilus em 80% deles.
Os maricultores de Bombinhas vêm observando a ocorrência da espécie exótica de mexilhão em seus cultivos, nos últimos cinco anos. A esse novo molusco deram o nome de “pretinho”, mexilhão do Rio da Prata ou mexilhão do Prata. Os primeiros registros no Brasil para essa espécie datam de séculos passados e documentam a sua dispersão até o Rio Grande do Sul.
Alterações ambientais
Em 1993, a ocorrência do mexilhão do Prata foi documentada em Santa Catarina, em cultivos de Palhoça e Florianópolis. Em 2007, um registro de intenso assentamento do mexilhão do Prata no município de Florianópolis reforçou evidências para o processo de dispersão da espécie em direção ao Norte do continente.
Desde então, relatos de maricultores e de extensionistas da Epagri atestam o aumento da frequência de recrutamento e da sobrevivência do mexilhão do Prata nas fazendas marinhas catarinenses.
“O aumento populacional pode estar relacionado à capacidade de adaptação do mexilhão do Prata e às alterações ambientais causadas pelo aquecimento global”, descreve Alex Alves do Santos, pesquisador da Epagri/Cedap e coordenador do estudo.
O “pretinho” é bem parecido com o P. perna em termos de formato e tamanho, porém sua concha é preto-azulada, em contraste com o nativo, cuja coloração varia entre o marrom avermelhado e o marrom escuro. A carne do mexilhão exótico apresenta coloração amarelo-claro, diferente do P. perna.
O sabor dos dois frutos marítimos é semelhante quando consumidos frescos. Contudo, após cozida, extraída da concha e congelada, a carne do pretinho torna-se esfarelada e perde a sua textura macia, deixando de apresentar a mesma consistência do mexilhão nativo.
Novo estudo
Durante 2019 os pesquisadores da Epagri/Cedap vão iniciar novo estudo com objetivo de avaliar a presença da espécie exótica nas fazendas marinhas dos municípios de Penha, Bombinhas, Palhoça e Florianópolis, líderes na produção estadual de mexilhão nativo. O projeto já está descrito e aguarda somente encaminhamentos burocráticos para ser iniciado.
Segundo Alex, as observações já realizadas pelos pesquisadores sugerem uma eminente capacidade do mexilhão pretinho em se estabelecer, apontando para a existência de condições de temperatura favoráveis à fixação dessa espécie em Bombinhas.
“Dos locais com relatos de ocorrência, a Praia de Canto Grande, em Bombinhas, foi a que apresentou a média anual de temperatura mais baixa (23ºC), fato que pode ter favorecido a sua maior prevalência no local, já que esta espécie é originária de regiões mais frias. Nos demais municípios (Florianópolis, Palhoça, São José, Governador Celso Ramos, Porto Belo) os relatos foram pontuais e não atingiram as proporções verificadas em Canto Grande”.
Questões ambientais
O pesquisador da Epagri/Cedap diz que, até o momento, a melhor explicação para o aparecimento dessa espécie exótica de bivalve no litoral de Santa Catarina pode estar relacionada às questões ambientais. Durante o outono e o inverno, a descarga da água do Rio do Prata no litoral do Uruguai e Sul do Brasil forma o que os pesquisadores chamam de pluma, que é uma corrente de água doce que se separa da água do mar devido à diferença de densidade.
Essa pluma chega até o Norte da Ilha de Santa Catarina e não ocorre anualmente, mas pode ser umas das responsáveis por transportar as larvas do pretinho do litoral do extremo Sul para os cultivos catarinenses.
Também já foi observado nas fazendas marinhas que o “pretinho” ocorre mais em profundidades maiores, superiores a 80 cm, diminuindo em direção à superfície. De acordo com Alex, percebeu-se ao longo dos anos que a fixação da espécie exótica não acontece no verão, quando as águas quentes causam morte massiva dos indivíduos.
Soluções
Com base nessas constatações preliminares, a Epagri já vislumbra algumas soluções para a questão. “A espécie parece não suportar temperaturas elevadas e, portanto, a manutenção das estruturas de cultivo próximas à superfície (primeiros 50 cm) poderá provocar maior mortalidade e consequente controle, durante o período de verão”, avalia o pesquisador da Epagri/Cedap. Contudo, ele ressalta que esse tipo de manejo depende da tecnologia de cultivo.
Para os cultivos de superfície (na horizontal), como é o caso de Bombinhas, é fácil manter os mexilhões na margem d’água adicionando flutuadores extras aos longlines. Para os cultivos em pencas (na vertical), não há essa possibilidade. É o caso da maioria das fazendas marinhas de Florianópolis, Palhoça, São José e Governador Celso Ramos.
Outra possibilidade de controle e contingenciamento da espécie exótica seria o “castigo”. Essa prática, que recebeu esse nome dos maricultores, consiste na exposição das cordas de mexilhões ao sol para matar organismos incrustantes e parasitas externos, o que poderia ser uma alternativa para se livrar do “pretinho”.
“No entanto, do ponto de vista financeiro, essa estratégia de manejo elevaria os custos de produção, já que oneraria a mão de obra, precisando, portanto, ser melhor avaliada” revela Alex.
O pesquisador explica que após o segundo estudo a ser desenvolvido pela Epagri, os técnicos da Epagri terão mais informações para decidir, em conjunto com os membros da cadeia produtiva, as estratégias mais eficientes para barrar ou tentar minimizar a presença do “pretinho” nos cultivos de mexilhão do litoral catarinense.
Fonte: Epagri/Cedap