Variedades dispensam fungicidas e ampliam segurança alimentar e sustentabilidade
BRS Sol Bahia e BRS Diamante são os nomes de duas cultivares de abacaxi desenvolvidas pela Embrapa que, além da resistência à principal doença da cultura, apresentam alto potencial produtivo, frutos mais firmes e resistentes e excelente sabor.
Davi Junghans, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) e líder do programa de melhoramento genético do abacaxi conta que uma imagem, registrada em 2023, em Frutal (MG), impressionou pesquisadores e produtores de fruta.
“Ao lado de uma plantação praticamente dizimada pela fusariose, vicejava uma área com frutos intactos, sem sinal algum da doença. Nela, estavam as variedades que chegam agora aos abacaxicultores de todo o País”.
Os dois novos abacaxis da Embrapa foram lançados em novembro, em dia de campo na Fazenda Agrícola Boa Vista, do produtor parceiro Júlio Cesar Leonel, no município de Frutal (MG).

Além de resistentes à fusariose, as variedades são adaptadas às principais regiões produtoras de abacaxi do País, produzem frutos com elevado teor de açúcares e apresentam poucos espinhos nas folhas, facilitando os tratos culturais Foto Davi Junghans/Embrapa Mandioca e Fruticultura/Divulgação
Fusariose
O especialista explica que, causada pelo fungo Fusarium guttiforme, a fusariose é responsável por prejuízos expressivos à produção nacional, chegando a inviabilizar lavouras inteiras.
A doença compromete o desenvolvimento da planta, impede o uso de mudas das plantas doentes em novos plantios e impossibilita o consumo de frutos afetados. A resistência genética dos novos materiais, portanto, representa uma valiosa vantagem ao produtor, reduzindo custos com controle químico e ampliando a sustentabilidade da cultura.
Segundo informação do pesquisador, o fato de os frutos serem produzidos sem o tratamento com fungicidas traz maior segurança alimentar para o consumidor. “O produtor também ganha ao economizar nesses insumos e, principalmente, ao evitar perdas provocadas pela fusariose que atinge, em média, 20% das plantas, mas pode chegar até a perda total da área de produção”, completa.

Os frutos da cultivar BRS Sol Bahia precisam ser colhidos coloridos, caso contrário ficam ácidos Foto Davi Junghans/Embrapa Mandioca e Fruticultura/Divulgação
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Outras vantagens
Além da resistência a essa doença — enquanto os principais abacaxis plantados no Brasil (Pérola, Smooth Cayenne ou Havaiano e Turiaçu) são suscetíveis —, as novas variedades têm várias outras vantagens.
Elas são adaptadas às principais regiões produtoras de abacaxi do País. Produzem frutos com elevado teor de açúcares e média acidez, o que lhes conferem sabor excelente.
Além disso, apresentam poucos espinhos nas folhas, facilitando os tratos culturais. Seus frutos mostraram maior firmeza e resistência durante o transporte e maior vida de prateleira.
“Nossos materiais possuem um conjunto de características que os tornam produtos superiores, sendo a principal delas a resistência à fusariose. E é resistência total, diferente de tolerância”, ressalta Junghans.

Equipes da Embrapa e da fazenda no meio do ensaio da Embrapa com os novos híbridos e o plantio da variedade Pérola atacado pela fusariose no entorno, em Frutal (MG) Foto Davi Junghans/Embrapa Mandioca e Fruticultura/Divulgação
Principal demanda
Ele salienta ainda que, no caso de uma doença foliar, como a Sigatoka da bananeira, por exemplo, a produção é reduzida, mas o produtor ainda pode colher alguma coisa. Já no caso da fusariose do abacaxi, o fruto perde totalmente o valor de mercado.
“A fusariose tem a capacidade de eliminar uma plantação inteira. O produtor e nosso parceiro Júlio Leonel chegou quase à perda total de seu plantio de Pérola em 2023. E essas novas variedades, que focam no mercado do Pérola, vêm atender à principal demanda para a sustentabilidade da abacaxicultura brasileira”, lembra o cientista.
O pesquisador da Embrapa destaca também a maior produtividade dos materiais, que gira em torno de 56 toneladas por hectare, bem acima da produtividade média do abacaxi no Brasil, de aproximadamente 26 toneladas por hectare (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2024). “Isso se dá justamente porque o Pérola tem muita perda em função da fusariose. A tendência, então, é de que os novos materiais sejam bem mais produtivos”, ressalta Junghans.

BRS Diamante: O ideal é que os frutos sejam colhidos no estágio colorido, com a casca de 50% a 75% amarela Foto Davi Junghans/Embrapa Mandioca e Fruticultura/Divulgação
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Os experimentos em Frutal começaram em 2018, com o plantio de cinco genótipos, três da Embrapa e as cultivares Pérola e Smooth Cayenne como testemunhas.
O terceiro plantio, colhido em 2023, envolveu 900 plantas e foi um sucesso, em contraponto à produção comercial do Pérola: 95% das 300 mil plantas da lavoura convencional foram atacados pela fusariose na época.
O produtor da fruta e vice-presidente da Cooperativa dos Produtores Rurais de Aparecida de Minas (Coopercisco), Júlio Cesar Leonel, lembra que “foi um desastre nas plantações de abacaxi, enquanto nenhuma das plantas do experimento da Embrapa teve problema com a doença”,
E completa: “Do Pérola, hoje, eu tenho pouco. Geralmente planto 300 mil plantas por ano, mas, como sofri aquele prejuízo enorme, só tive condições de plantar 90 mil. Tenho mais 90 mil do Havaiano e aumentei o número com as variedades da Embrapa para 5 mil plantas”, detalha o agricultor.

Fruto de abacaxi da variedade Pérola com sintomas da fusariose Foto Davi Junghans/Embrapa Mandioca e Fruticultura/Divulgação
Características das novas variedades
As duas cultivares apresentam frutos de tamanho similar aos do Pérola — a média do BRS Sol Bahia é 1,37 kg, e do BRS Diamante, 1,67 kg —, polpa creme, elevado teor de açúcares e média acidez, além de poucos espinhos. “Essa é uma grande vantagem para o manejo da cultura, pois não machuca o trabalhador. No caso do Pérola, o pessoal faz uma poda para poder entrar na plantação, retirando área foliar, o que também prejudica a planta”, afirma o pesquisador da Epamig Daniel Angelucci, que atuou na avaliação das variedades, ao lado do pesquisador da Embrapa Tullio Pádua.
Junghans completa que os frutos de ambos os materiais devem ser colhidos com a casca colorida. “O abacaxi é um fruto não climatérico, o que significa que não amadurece significativamente após colhido. São quatro pontos de colheita: verdoso, pintado, colorido e amarelo. O Pérola tem de ser colhido no estado verdoso, casca verde. Se o produtor colher o Pérola amarelo, já vai estar passado e tem menor tempo de prateleira. Já as novas cultivares da Embrapa não podem ser colhidas verdosas. O ideal é que os frutos sejam colhidos no estágio colorido, com a casca de 50% a 75% amarela”, sublinha.
De acordo com Angelucci, um dos grandes desafios em relação aos materiais é fazer com que o mercado entenda essa diferença. “O consumidor acaba associando o amarelo com o abacaxi passado. E, na verdade, esses materiais precisam ser colhidos coloridos, caso contrário o fruto fica ácido. Por isso, temos que intensificar o trabalho de divulgação dessas variedades, que são uma grande evolução. A questão da resistência é excepcional. Além de economizar muito recurso no cultivo, reduzindo pulverizações com fungicida,” elogia o profissional da Epamig.
No caso do BRS Sol Bahia, a maturação do fruto é cerca de duas semanas mais tardia em relação ao Pérola, e do BRS Diamante, aproximadamente 30 dias, característica interessante para ampliar a janela de comercialização.
Análises sensoriais foram realizadas no Laboratório de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Embrapa Mandioca e Fruticultura. Os resultados indicaram que os frutos do BRS Sol Bahia e do BRS Diamante tiveram elevada aceitação.
Deny Sanábio, coordenador técnico estadual de fruticultura da Emater-MG, ressalta como uma das principais características das variedades, além da resistência à fusariose, a capacidade de produção de mudas do tipo filhote — o abacaxi tem quatro tipos de mudas: coroa, filhote (na base do fruto), rebentão (sai do solo, na base da planta-mãe) e filhote-rebentão (originada na axila de uma folha). “Isso porque a cultura do abacaxi demanda a produção de grande quantidade de mudas. Para formar um hectare, por exemplo, são necessárias 35 mil unidades”, diz o especialista.

Fruto de Pérola com sintomas graves da fusariose, a pricipal doença da cultura Davi Junghans/Embrapa Mandioca e Fruticultura/Divulgação
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Multiplicação de mudas de qualidade via Rede Ananás
O engenheiro-agrônomo Hermínio Rocha, pesquisador da área de transferência de tecnologia da Embrapa e coordenador da rede Ananás, revela que as mudas das duas variedades estão sendo produzidas por micropropagação em biofábricas e devem ser manejadas como plantas-matrizes. “As mudas convencionais (filhotes e rebentões) obtidas a partir dessas matrizes devem ser utilizadas para o plantio em maiores áreas.
Ele complementa que, em uma estratégia análoga à Rede Reniva (Rede de multiplicação e transferência de material propagativo de mandioca com qualidade genética e fitossanitária), a Embrapa instituiu a Rede Ananás, que envolve os chamados “taleiros”, agentes produtores e multiplicadores de mudas de abacaxi em larga escala, utilizando a técnica do seccionamento de talo.
“A Rede Ananás trabalha organizando essa cadeia de produtores de material de plantio para que o abacaxicultor tenha acesso constante a material de qualidade superior para plantio”, pontua o coordenador.
Onde encontrar mudas
Rocha conta que, nesse momento, biofábricas e taleiros estão sendo licenciados para produzirem mudas do BRS Sol Bahia e do BRS Diamante seguindo protocolos definidos pela Embrapa. Eles concorreram a um edital de oferta pública e foram classificados (no lançamento já havia cinco licenciados).
“Responsáveis por implantar jardins clonais de mudas, cada empresa recebeu um lote com explantes (porções de tecido vegetal capazes de reproduzir uma planta sob condições controladas e artificiais) das variedades, para que possam estabelecer a produção em larga escala”, explica o coordenador da Rede Ananás.
Ele enfatiza que é importante que o produtor adquira mudas dos licenciados para ter a garantia de origem genética e sanidade dos materiais.
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Dados da abacaxicultura
Deny Sanábio destaca a importância do abacaxi hoje para Minas Gerais, terceiro estado maior produtor de abacaxi no ranking nacional (atrás de Paraíba e Pará).
“Temos o abacaxi hoje como opção de diversificação. É uma cultura que gera muita renda e emprego. A maioria desses municípios está no Triângulo Mineiro. Hoje, o Estado dispõe em torno de 5,2 mil hectares em produção e mais 3,6 mil hectares em formação, que ainda não entraram em produção, e uma previsão de produção na ordem de 160 mil toneladas por ano, sendo a agricultura familiar responsável por quase 80% desse total, com uma produtividade média de 30 toneladas por hectare, conta o coordenador técnico estadual de fruticultura da Emater-MG”
Ele enfatiza que o município de Frutal, local do lançamento das duas novas cultivares, é o maior produtor de abacaxi em Minas Gerais, concentrando 2,6 mil hectares de área com a cultura.
Nacionalmente, a produção anual de abacaxi gira em torno de 1,5 bilhão de frutos (IBGE, 2024) e o Brasil é o quarto maior produtor mundial (dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO, 2024).








