Com consumo em alta, importações crescentes, o pistache caminha para deixar de ser apenas uma moda e se firmar como ingrediente do dia a dia dos brasileiros (Foto: Pixabay)
O consumo triplicado de produtos com pistache entre 2022 e 2024 no Brasil não é uma coincidência. Trata-se de uma bem articulada estratégia de mercado liderada pelos Estados Unidos, hoje o maior produtor e exportador da semente no mundo.
Antes vista como um ingrediente sofisticado e pouco acessível, a oleaginosa passou a figurar com destaque em doces, cafés especiais e produtos gourmet. A mudança criou um terreno fértil para empreendedores da gastronomia e impulsionou a criação de novas receitas, produtos e até eventos temáticos.
De acordo com dados do comércio exterior, o Brasil importou mais de mil toneladas de pistache em 2024 — um crescimento de 80% em relação a 2023, que já havia registrado alta de 70% sobre 2022. A explosão no consumo foi acompanhada por ações comerciais intensas do governo norte-americano, interessado em abrir e consolidar mercados para sua crescente produção.
O império do pistache californiano
Hoje, 85% do pistache consumido no Brasil vem dos Estados Unidos, sobretudo da Califórnia, onde a cultura se expandiu significativamente na última década.
Segundo o Rabobank, a oleaginosa é o setor de nozes de crescimento mais rápido no estado, sustentado pela rentabilidade e pela resiliência das plantações à seca e à salinidade dos solos. O analista David Maganã destaca que os EUA já são líderes em produção, consumo e exportação global, ultrapassando o Irã, com quem disputavam mercado até poucos anos atrás.
Esse domínio tem sido sustentado por estratégias robustas de marketing e inovação. O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), por exemplo, intensificou sua atuação no Brasil por meio de seu escritório em São Paulo.
Desde 2020, a entidade promove campanhas que incluem participação em feiras internacionais, parcerias com chefs renomados, experiências gastronômicas com influenciadores e ações em escolas de culinária. O objetivo: inserir o pistache de forma definitiva no dia a dia do consumidor brasileiro.
Oportunidade de ouro para os negócios

Hoje, é possível encontrar a semente em ovos de Páscoa, pavês, brownies, trufas, tortas, pães, barras de chocolate, sorvetes, cheesecakes e até no pão de queijo. Foto: Pixabay
“Ao identificar as necessidades de um público consumidor ou entender a onda de consumo de uma determinada época, o mercado pode potencializar suas vendas e faturar alto”, avalia Jéssica Fahl Ribeiro, especialista em gestão estratégica. Para ela, o caso do pistache é exemplar: uma demanda criada a partir de marketing bem direcionado, combinada com a oferta crescente do produto no mercado internacional.
A febre do pistache resultou em uma verdadeira revolução nas prateleiras. Hoje, é possível encontrar a semente em ovos de Páscoa, pavês, brownies, trufas, tortas, pães, barras de chocolate, sorvetes, cheesecakes e até no pão de queijo. Além disso, surgiram o Festival do Pistache e o Dia Nacional do Pistache, iniciativas que ajudam a manter o produto em alta nas redes sociais e na mente dos consumidores.
Para pequenos e médios empreendedores, a tendência representa uma janela de oportunidade.
“Quem entende o novo comportamento do consumidor e oferece rapidamente produtos alinhados a essas tendências sai na frente dos concorrentes”, aponta Ribeiro. Mas ela faz um alerta: “É preciso planejamento. Não adianta apenas seguir a moda. O produto precisa ter apelo comercial e estar alinhado ao gosto do cliente”.
Ribeiro também recomenda atenção ao comportamento do consumidor dentro do próprio nicho de atuação. “A chave está em combinar a alta de demanda com aquilo que o cliente já busca. Não é necessário lançar um produto só por medo de ficar de fora, isso pode levar a desperdícios e prejuízos.”
Por que o Brasil não planta pistache?
Apesar da explosão de consumo, o Brasil ainda não produz pistache. A Embrapa Agroindústria Tropical, no entanto, quer mudar esse cenário. A estatal prepara um projeto-piloto de cultivo da semente no Ceará, previsto para começar em 2027, com apoio da Federação da Agricultura e Pecuária do estado.
A ideia é “tropicalizar” a planta, que tem origem no Oriente Médio e exige frio intenso no inverno para florescer adequadamente — uma condição rara no semiárido nordestino. A iniciativa prevê parcerias com o Nut Crops Research Center, da Universidade da Califórnia, referência mundial no cultivo da oleaginosa.
Segundo Gustavo Saavedra, chefe da unidade da Embrapa em Fortaleza, o processo é longo. “Estamos falando de 10 a 15 anos de pesquisa e adaptação. É necessário superar barreiras burocráticas, como a importação de material genético e sua aprovação no Brasil, além de entender os ciclos de florescimento e frutificação da planta em clima tropical”, disse ao O Globo.
Se der certo, o Brasil poderá começar a colher pistache entre 2035 e 2040 — o que pode transformar completamente o perfil da produção nacional de oleaginosas e reduzir a dependência das importações.
LEIA MAIS:
Dieta Plant-based vai além do modismo
Alimento, remédio ou doença: os fungos estão em mais lugares do que você imagina
Tendência global
O fenômeno brasileiro faz parte de um movimento mais amplo. O pistache também vem conquistando espaço em mercados como Índia, China e países da América Latina. A versatilidade da semente — rica em proteínas, fibras e antioxidantes — ajuda a impulsionar seu consumo em produtos doces e salgados, além de atrair consumidores preocupados com alimentação saudável.
Maganã, do Rabobank, observa que a expectativa é de que os Estados Unidos atinjam o pico da produção em 2028, quando o número de árvores adultas estabilizará.
“Com o aumento da oferta, criar demanda com campanhas bem direcionadas será essencial para manter preços e garantir rentabilidade aos produtores”, afirma.